58 | CLARICE.

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Todo o trajeto que eu passei dentro daquele avião podia ser descrito perfeitamente como um passeio dentro de um trem-fantasma. Me peguei diversas vezes chorando enquanto encarava a janela e escutando uma música triste e solitária da Avril Lavigne. Eu só queria, de qualquer forma, tomar um chá de sumiço para que eu desaparecesse por algumas horas em busca do meu sossego. Mas como nem tudo é do jeito que queremos, eu tinha que lidar com o meu atual estado de pré-surto sem me deixar cair.

Eu já havia chego em casa, chorado litros no colo de mamãe enquanto ela fazia seu cafuné insubstituível em meus cabelos e agora, estou na orla da praia de Ipanema com um coco acompanhado de um canudo em mãos. De início, quis vir sozinha, mas sabia o quão a presença das minhas amigas nesse momento comigo seria importante.

Mesmo topando me acompanhar, elas respeitaram totalmente o meu espaço. Tanto que chegava até a ser estranho, pois estava acostumada com elas tagarelando e rindo alto com qualquer coisa. Agora, o silêncio era rei e o som dos carros e das ondas quebrando davam vazão ao lugar.

Como o esperado, o sol está de rachar e isso conseguiu me animar em uma parte. Não suportaria a ideia de chegar completamente devastada aqui e ter que lidar com frio e chuva, o que me influenciaria mais ainda de se enrolar nas cobertas e passar as próximas horas me entupindo de sorvete e assistindo um filme romântico clichê qualquer. Felizmente, o universo não contribuiu com esse pesadelo.

— E aí — A voz de Elisa quebrou a tensão entre nós. Seus olhos são direcionados para mim. — Como você está, amiga?

Eu respirei fundo e encarei o azul do mar. Analiso as ondas do mar quebrando assim que chegavam na areia enquanto formo as palavras para responder a pergunta da minha amiga. Nem eu mesma sabia qual era o meu atual estado.

— Ignorando tudo — Eu abaixo a cabeça levemente enquanto mexo no canudo. — Acho que a melhor forma de lidar com o aperto no peito é fingindo que ele não existe.

Após dizer isso, forço um sorriso. As meninas trocam um olhar entre elas e suspiram, parando de andar e se encostando no balcão de um quiosque.

— Confesso que ainda não entendi direito o que aconteceu. — Marilu faz um coque em seus cabelos loiros e estala os dedos para o moço do balcão, que estava nos fundos do quiosque fazendo alguma coisa.

— Não entendeu o quê, exatamente? — Coloco os lábios na ponta do canudo, bebendo a água de coco.

— Esse lance que fez você e o Nathan... — Ela procurou as palavras certas. — Romperem?

— Eu descobri de última hora que ele tinha um plano de transar com todas as intercambistas que se hospedavam na casa da mãe dele. Uma menina antes de mim foi embora de lá por causa disso. Eles ficaram noivos e tudo. — Eu nego levemente. — Só de lembrar, me dá dor de cabeça.

— Uma criança de doze anos faria a mesma coisa. — Marilu torceu o nariz e olhou para o atendente, que agora estava em frente à ela apoiado no balcão. — Me vê uma porção de batata e uma coca de dois litros, patrão. Capricha na batata, hein?

— Tu que manda, loirão. — O moço piscou um olho para ela que deu um sorrisinho e saiu dali, provavelmente indo fazer o nosso pedido.

Nós nos sentamos numa mesa da Skol que havia ali para esperar nossos pedidos e eu ajeitei o top de faixa preta que eu trajava.

— Mas é isso que eu não entendi. Quando fomos lá e do jeito que você falava dele, parecia ser um príncipe encantado completamente apaixonado por ti. — Maria cruzou seus braços em cima da mesa.

— É, esses são os piores. — Elisa revirou seus olhos e eu suspirei, pressionando meus dedos contra as têmporas.

— Eu sei, caralho. Eu sei mais do que ninguém como homem consegue ser podre. Tô dizendo que, sei lá, é muito confuso pensar que ele faria algo desse tipo com você. — Ela coça a nuca. — Desenvolve mais isso aí.

— Não tem o que desenvolver, Maria de Lourdes — Digo irritada. — Ele me enganou, fez um plano totalmente infantil...

— Quando que ele fez esse "plano"? — Ela faz aspas com as mãos e eu mordo meu lábio inferior.

— Quando ele era adolescente.

A garota loira na minha frente franziu o cenho e me olhou como se eu fosse um alienígena. Levantei as sobrancelhas para ela e cruzei meus braços na altura dos seios.

— Eu entendo você ter vindo embora por causa da bruxa má, mas tecnicamente "terminou" com o seu namorado por causa de uma besteira do passado? — Marilu me olha com uma careta e eu neguei com a cabeça na mesma hora.

— Não foi por isso, Maria. E sim pelo fato de ter me feito de otária e...

— Por que ele te fez de otária, Clarice? — Ela continuava me encarando como se eu tivesse uma deficiência mental. — Você nem devia fazer parte desse plano. O Nathan já é adulto e você também está chegando nessa fase.

— Você tá do meu lado ou do dele? — Pergunto incrédula.

— Tô do lado de ninguém, Clarice. Só acho que você tá sendo muito melodramática. Uma simples conversa resolveria isso. — Ao terminar de falar, o mesmo menino que nos atendeu veio nos trazer os pedidos. — Tamo junto sempre, papai. — Ela sorriu e fez um toque de mãos com ele. Assim que ele se afastou, Elisa e eu a olhamos com interrogações na testa. — O que foi?

— Eu não vou conversar com ele. Não devo nada pra ninguém.

— Você só é orgulhosa demais pra ferir seu próprio ego e correr atrás de alguém. Isso não é uma qualidade. — Maria piscou um olho para mim e estalou a língua no céu da boca. — Pega a visão, gatona.

Como uma das raras vezes, Marilu me deixou sem o que responder. Aproveitamos o fim da conversa para comermos toda aquela porção de batata com os copos de coca enquanto conversávamos. Elas conseguiram arrancar risadas de mim e melhorar meu humor. Elas realmente eram as melhores amigas que eu poderia ter na vida.

As palavras de Marilu rondavam minha cabeça. De fato, aquela notícia havia me abalado muito e se juntando com todo o nervosismo que eu sentia com minha expulsão, foi o suficiente para me destruir em pedaços. Mas e se eu tivesse tomado mesmo conclusões precipitadas? Eu deveria ouvir Nathan?

Nós não tínhamos terminado oficialmente. Quer dizer, aquele colar era como uma aliança para nós e eu havia devolvido para ele. É uma verdadeira confusão.

Porém, eu tinha que respeitar meu tempo. Tudo ainda está muito recente e fingir que nada aconteceu era a mesma coisa que dar um tiro na própria cabeça. Precisava de tempo, respirar um pouco e quando me sentisse confortável novamente, poderia pensar em uma possível conversar com Nate.

Mas, de fato, agora não é um bom momento. Eu só queria paz e ignorar tudo que me causou tanta dor é um passe livre para o tormento mental infinito.

𝐁𝐑𝐀𝐙𝐈𝐋𝐈𝐀𝐍, 𝗺𝗮𝗹𝗼𝗹𝗲𝘆.  ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora