57 | CLARICE.

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Eu dormi, no máximo, três horas. Lembro-me de acordar diversas vezes nesse tempo, com a garganta travada e pesadelos. Querer chorar por horas até não aguentar mais e cair no sono de novo, mas, não quis de forma alguma acordar Nathan que dormia como um anjo ao meu lado. Pelo menos durante a madrugada e seu sono, eu não quis atrapalhar as únicas horas que estaríamos em paz daqui em diante. Mesmo que dormindo ele transmitisse uma paz e tranquilidade imensa, eu também sabia que ele estava desesperado. Nathan nunca foi de demonstrar muitas emoções, ainda mais na frente da mãe dele e na minha. No meu momento de queda, ele só quis a todo momento, me passar segurança mesmo que nós dois soubéssemos que isso era o que mais faltava na nossa atual situação.

Logo quando acordei, com as pálpebras pesadas e o rosto ardido, Nathan já não estava mais na minha cama. E logo quando me dou conta que estou sozinha, meus olhos ousam marejar novamente. Eu não queria sair do meu quarto, não queria ter que enfrentar o mundo lá fora e ter pelo menos mais algumas horas de sono para fingir que nada disso estivesse acontecendo. Eu só precisava de um pouco de sossego mesmo que fosse temporário e até falso.

Eu encaro o teto e enrolo um pouco pra levantar. Meu corpo todo dói. O ruim de ser uma pessoa extremamente intensa é que, quando sinto emoções muito fortes, todas as minhas estruturas são remexidas, com direito à dores de cabeça e ânsia de vômito. Não me lembro sequer da última vez que me senti assim desde a morte do meu irmão.

Lutando bravamente contra a minha vontade, eu ponho os pés no chão e faço impulso para me retirar do meio daqueles cobertores quentes. Meu cabelo está extremamente embolado por conta que havia passado da hora de lavar, mas eu literalmente não estava com paciência para isso agora. Prendo o mesmo num coque alto e ando até o banheiro para fazer minhas higienes matinais. Me arrependo da minha atitude no mesmo instante que vejo meu deplorável reflexo no espelho. Minha nossa, como eu estava patética.

As olheiras extremamente fundas eram só detalhes no meio da imensidão que é o meu rosto inchado. Meus olhos vermelhos também não se deixam enganar. Nem o corretivo com maior cobertura do mundo poderia disfarçar a vermelhidão do meu nariz. Um verdadeiro figurino para o Halloween.

Respiro fundo na tentativa de mandar embora os pensamentos ruins. De fato, não posso ficar aqui chorando por causa de uma situação como essa. Nunca fui assim. Só é mais uma barreira que eu enfrentaria de cabeça erguida e lidaria da melhor forma possível. E, de qualquer jeito, aquela mulher não pode simplesmente me mandar pra fora do país do intercâmbio que EU paguei por conta de um desentendimento. Não era ela que decidia isso.

Balanço a cabeça em busca de voltar à realidade e faço minhas higienes, escovando os dentes e passando uma maquiagem leve no rosto para disfarçar minha cara de cadáver. Calço minhas pantufas e suspiro, mentalizando coisas boas antes de sair do quarto lentamente. Não queria agir como se estivesse desesperada.

A casa está silenciosa. Provavelmente Kami havia ido trabalhar e me deixado aqui, angustiada e sem ter aonde correr. À essa altura do campeonato, todos já devem saber da confusão. Conhecendo Nathan, não deixaria sua língua quieta e procuraria desesperadamente por alguém pra conversar sobre isso, senão provavelmente ele subiria pelas paredes. Mais tagarela do que eu, ele vinha em primeiro lugar, mesmo que não transparecesse.

Eu vou até a cozinha e, surpreendentemente, Kami estava ali. Sentada na mesa, com uma pequena xícara com café, na qual ela bebida tranquilamente. Hoje não há panquecas, bolo ou sucos como o costume e sim um clima grotesco, com um silêncio quase ensurdecedor e uma energia completamente negativa, que chegava até a pesar meus ombros. Kami nem sequer me desejou bom dia ou dirigiu sua palavra à mim, apenas levantou seu olhar para mim e abaixou o mesmo na direção de um papel na ponta da mesa.

𝐁𝐑𝐀𝐙𝐈𝐋𝐈𝐀𝐍, 𝗺𝗮𝗹𝗼𝗹𝗲𝘆.  ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora