Capítulo 31

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Ano de 2006

Felipe
Após chorar até minha cabeça doer ao ponto de parecer explodir, eu chamei os médicos novamente até a sala.

- Eu perguntei quanto tempo eu sobreviveria se fosse pra casa e vocês disseram que talvez quinze dias, se eu ficar aqui quanto tempo eu tenho? – perguntei.

- Vinte e cinco dias, no máximo. – Elias respondeu.

Acho que eu nem tinha mais lágrimas para chorar, meu peito estava tão apertado...

Dizem que quando estamos prestes a morrer passa um filme na nossa cabeça sobre tudo que vivemos, mas não é verdade. Tudo que eu consigo sentir e enxergar está relacionado ao momento de agora, sobre o que está acontecendo comigo neste exato momento.

- Você vai ficar, não é? – Elizabeth me perguntou com a voz embargada.

- Eu... eu não sei. – respondi.

E eu realmente não sabia. De repente minha mente não conseguia focar em nada, meu cérebro estava vazio, não importava o quanto eu me esforçava para pensar em algo, era um esforço insuficiente.

Elizabeth continuou:

- Você pode ter até dez dias a mais. Eu sei que você só vai ter esses dias a mais se te entupirem de remédio e isso é tudo que você menos quer. Mas de qualquer forma, o que importa é que são dias a mais, certo?

Como eu permanecia calado, ela continuava falando. Sinto que ela tentava me convencer de qualquer forma a ficar no hospital.

- Eu prometo que serão dias bons, eu vou ficar com você o tempo todo.

- Eu vou pra casa! – falei firmemente.

- Felipe, por favor. São dez dias a mais com você, não tire isso de mim. – Elizabeth falou em súplica.

- Já tomei a minha decisão. – olhei para os médicos que estavam parados na nossa frente e disse: - Eu preciso assinar algo?

- Vou trazer a papelada. – Janaína falou.

Um silêncio ensurdecedor surgiu enquanto a médica saiu para buscar os papéis. E o silêncio permaneceu após eu assinar. Me receitaram alguns remédios a mais, só pra eu não sentir muita dor e pra regular a minha pressão.

Antes de eu ir, Janaína me deu um abraço e com os olhos cheios de lágrimas disse:

- Não sei de que religião você é, ou se ao menos tem uma religião. Mas eu vou orar para Oxalá te trazer um transplante, as vezes quando a ciência é incapaz, tudo que nos resta é a fé. Mas ela é suficiente. – ela deu um sorriso e me abraçou de novo.

Coloquei a minha mão no obro dela e falei:

- Serei sempre grato por tudo que fez por mim, você é um anjo.

Ela assentiu com a cabeça.

Fui até Elias e o agradeci também.

Elizabeth segurou a minha mão e saímos andando em direção a saída do hospital, mas dei uma parada e olhei tudo a minha volta. Eu queria guardar na minha memória cada detalhe que vejo porque provavelmente essa é a última vez que verei esse hospital. E assim, fui embora dali.

Dentro do carro, no caminho para casa eu observava as paisagens, as coisas ao meu redor. E o nosso ponto de vista muda tanto quando se sabe que pode ser a última vez que vê aquilo. As árvores se tornam mais deslumbrantes, o canto dos pássaros se torna mais doce, o céu fica mais azul, o sol fica mais quente. Eu queria tanto ter dado valor a esses detalhes quando eu podia, quando tive a chance, quando eu não estava indo pra casa com o prognóstico de só sair de lá morto.

- Liz, para o carro. – falei enquanto olhava a paisagem pelo vidro do carro.

- Por que? Aconteceu algo?

- Só para o carro.

Elizabeth deixou o carro no acostamento e eu saí. Ela veio do meu lado e entrelaçou o braço dela ao meu.

Eu olhava fixamente para o sol que estava se pondo, mas tive que desviar o olhar quando meus olhos começaram a arder.

- Não é lindo? – perguntei pra Elizabeth.

Ela encostou a cabeça em meu ombro e respondeu:

- Sim, é extraordinário.

Andamos em direção a uma planície que estava do lado da estrada. A grama era tão verde e tinha algumas flores vermelhas e laranjas por entre a grama. Sentamos no chão e ficamos ali observando o sol partir.

- Por que nunca fizemos isso antes? Queria ter visto isso outras vezes. – comentei por meio de um sussurro.

- Eu também.

Em silêncio continuamos sentados, com a grama fazendo cócegas em nós e o vento nos arrepiando. E com o sol. Com o sol que mesmo de tão longe e quase trocando de lugar com a lua, ainda continuava ali brilhando, e incrivelmente dessa vez ele parecia brilhar mais do que as outras.

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