Capítulo 45

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Ano de 2006

Felipe
9° DIA
Hoje é o dia em que realizo o meu oitavo desejo, amanhã terei o dia livre e no dia seguinte viajarei para a praia, onde me casarei.

Pensei que com o passar dos dias a minha saúde iria ficar mais frágil, eu iria ter mais dificuldade para fazer coisas básicas e dores fortes me acompanhariam por onde eu estivesse. Mas está acontecendo o contrário, é como se eu finalmente estivesse saudável. Por um segundo cheguei a acreditar que a enorme massa dentro de mim teria desaparecido, que os últimos exames que fiz estavam erroneamente incorretos e que, na verdade, a quimioterapia havia funcionado. Mas por mais que eu queira que tudo que eu pensei seja real, é indubitavelmente inegável que mesmo desejando com todas as minhas forças restantes continuar vivo, isso tudo nunca passará disso: um desejo. Talvez um décimo primeiro desejo da minha lista, um desejo que jamais conseguirei realizar.

O meu oitavo desejo é um dos mais importantes para mim: “Ensinar Elizabeth a cozinhar”. Ela sequer aprendeu a fazer um simples arroz e fico pensando em como serão as coisas depois que eu partir. Há coisas que não posso fazer nada para ajudar, coisas que estão fora do meu controle, coisas assustadoras mas que infelizmente terão de ser assim. Mas há uma coisa em que posso ajudar, ensiná-la a fazer sua própria comida. Não quero que ela ligue desesperada para Natália ou Alicia pedindo que elas a digam como temperar um feijão. Quero que ela volte a normalidade o mais rápido possível, quero que ela desmorone mas saiba levantar-se, quero que a minha presença aqui durante todos esses anos não façam tanta diferença assim.

Elizabeth estava no quarto fazendo uma ligação com alguém, algumas frases eu não conseguia ouvir.

- Não... Suíça?... Sim, é um pouco longe. Nós vamos dar um jeito... – ouvi-a dizendo.

Quando ela saiu do quarto, contei o meu nono desejo. Não contei o motivo dele ser o meu desejo, pois seria melancólico demais. Apenas disse que hoje ficaríamos o dia todo em casa só para ela aprender a cozinhar. Vou lhe ensinar o básico, o necessário para ela não morrer de fome, o resto ela aprende com o tempo. O resto ela aprende quando eu não estiver mais aqui.

- Eu tenho uma coisa pra te dar. – falei. – Espero que te ajude tanto quanto me ajudou.

Estendi a minha mão e lá estava o caderno de receitas da minha avó. Tudo que sei sobre comida, aprendi com a minha avó. Quando ela estava muito adoecida e sabia que iria falecer, me deu esse caderno e disse: “Tudo que não tive tempo para te ensinar, aprenderá com isto. Desse modo, eu irei estar te ensinando mesmo quando não estiver aqui mais”. E desde então, mantive guardado o caderno, quando queria aprender uma receita nova eu olhava no caderno e quando esquecia uma receita antiga eu olhava no caderno também. Até hoje a minha avó continua me ensinando, é como se ela nunca tivesse partido. Um simples caderno de receitas a eternizou. E espero que eu também esteja eternizado por causa desse caderno quando for a minha vez de partir.

Como eu havia dito a ela anteriormente, ficamos o dia inteiro fazendo comida e por mais entediante que pareça ser, foi bem divertido. Ao final do dia eu havia cumprido o meu objetivo e mesmo após muitos erros ela havia aprendido, não posso garantir que é a melhor comida que já comi, mas tenho a garantia de que ela ficará bem. Ela tem que ficar.

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