Capítulo 44

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Ano de 2006

Felipe
Quando olhei ao meu redor já haviam outras pessoas sentadas ao nosso lado e observando a nossa conversa. Fizeram dezenas de perguntas à mim.

- Tem filhos?

- É casado?

- Onde está a sua família?

- O que o traz aqui?

Estavam tão interessadas em mim que me fez crer que eles não estão acostumados com visitas, tendo em vista que ficaram muito vidrados e instigados com um simples visitante sem nenhuma pretensão.

Quando acabou o interrogatório chegou a minha vez de fazer perguntas.

Acabei descobrindo a história de Louise. Ela tem um belíssimo sotaque e é francesa. Na época de guerra, Ernesto era um soldado brasileiro que estava guerrilhando na França e lá conheceu Louise. Os dois vieram para o Brasil onde casaram e viveram juntos por décadas e tiveram três filhos. Ernesto faleceu muitos anos atrás devido a um acidente no trabalho. Louise já era idosa e por isso nunca conseguiu emprego após a morte do marido. O maior desejo dela era voltar para a França, onde estava toda a sua família, mas nunca pôde realiza-lo devido a sua curta renda, já que apenas Ernesto trabalhava. Seus filhos já estavam crescidos e de acordo com o que Louise disse, “Não tinham tempo e nem vontade de cuidar da mãe velha deles”. Por isso, sua única opção foi ir para o asilo, já que não poderia voltar para a França e nem ficar com os filhos dela.

Também conheci a história de Joaquim. Seu avô foi escravo a vida toda, seu pai teve o direito de viver a liberdade mas ainda continuava sendo escravo pois ninguém gostaria de empregar um negro, por isso, ele tinha duas opções: morrer de fome e sede ou continuar sendo escravo mas ganhar um simples prato de comida pra conseguir sobreviver. E o mesmo aconteceu com Joaquim, pelo menos em maior parte da sua vida. Enquanto Joaquim era um escravo, ele teve um filho. Um único filho, Augusto. Seu filho e ele tinham que comer as sobras de seu “patrão”, Augusto era ambicioso, dizia desde jovem que jamais gostaria de ter aquela vida pra ele. O filho de Joaquim enchia os olhinhos de lágrimas quando via seu próprio pai lhe tratando como um simples empregado enquanto tratava os filhos do “patrão” como se fossem filhos dele. Joaquim brincava e fazia caricias nos filhos do “patrão”, ensinou-lhes a jogar bola e a andar de bicicleta. Enquanto Augusto nunca pôde ter isso, Joaquim era obrigado a tratar seu filho como um Ninguém. O “patrão” de Joaquim se achava empático e tolerante por não ter despedido Joaquim após Augusto nascer. E foi assim até Augusto ter idade e maturidade suficiente para sair de lá, na primeira oportunidade Augusto desapareceu e Joaquim nunca mais o encontrou. Sequer sabe se ele está vivo. Com o passar dos anos, Joaquim conseguiu um emprego salariado e com carteira assinada e passou sua vida inteira procurando por seu filho, gostaria de pelo menos pedir perdão a ele por não ter conseguido trata-lo como seu filho. Ao envelhecer, Joaquim não tinha mais ninguém e assim como Louise, sua única opção era o asilo.

Após ouvir tantas outras histórias emocionantes, me despedi de todos e fui para casa. Fui pra casa com uma vontade imensa de levar todos comigo e trata-los como se fossem meus próprios pais, mães, avós e avôs. Acho que eles também queriam isso.

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