360 HORAS

Capítulo 52

Ano de 2006

Elizabeth
Ele me ensinou a amar. Foi o meu primeiro amor. Sempre dizem que o primeiro é o mais difícil de superar. Esse é o problema, eu não quero supera-lo. Não quero ama-lo menos, não quero que ele seja apenas uma mera lembrança, não quero esquece-lo. Quero sentir o cheiro dele de repente, mesmo sabendo que ele não está por perto; quero fechar meus olhos e imagina-lo perfeitamente; quero olhar uma roupa numa vitrine de uma loja e pensar que é a cara dele. Não quero supera-lo.

Mas eu preciso supera-lo. Estou devastada e não posso continuar assim. Eu não vou suportar isso por muito mais tempo. Por isso, eu preciso supera-lo, preciso que essa dor se torne mais amena e suportável. Preciso não acordar no meio da noite o procurando ao meu lado na cama, preciso fechar os olhos sem que lágrimas escorram deles, preciso que meu coração pare de se afligir e acelerar quando ver o rosto dele em uma pessoa qualquer no meio da rua, preciso deixar de me sentir tão sozinha e incompleta, preciso não permitir que a saudade dele acabe me consumindo, preciso para de encarar a porta de casa esperando ele abri-la e voltar pra mim.

Uma parte minha foi levada quando ele partiu. Tenho total e plena consciência de que jamais irei recuperar essa parte. Apenas temo que aquele pedaço de mim fosse o necessário para eu me sentir feliz.

Com as mãos trêmulas, desdobrei a carta e não pude impedir as lágrimas de escorrerem mais uma vez. Meus olhos ficaram embaçados e eu mal podia ler o que estava escrito. Esfreguei os olhos, respirei fundo e li:

“Elizabeth,
Se está lendo isso então quer dizer que eu morri. E, bem, isso é uma merda. No dia em que saíamos do hospital com a notícia de que eu tinha apenas 360 HORAS, eu escrevi uma lista de dez coisas que gostaria de fazer antes de morrer e juntamente com a lista, escrevi essa carta. Natália e Alicia foram convidadas a ir em nossa casa para darmos as notícias e, nessa noite, entreguei esta carta a Natália e lhe pedi que entregasse a ti quando eu morresse.
Sinceramente, não há nada que eu possa te dizer que vai lhe trazer conforto nesse momento. Ah, minha princesa! Mas bem que eu queria... Queria estar com você agora e eu sinto muito que tenha que passar por isso.
Minha menina dos cabelos escuros, quero que feche os olhos e se lembre de nós. Uma lembrança feliz, de uma vergonha que passamos, de alguma risada eufórica, de algum cafuné em uma noite de filmes. Chega de lembranças tristes, vivemos tantas coisas lindas para serem facilmente descartadas por causa de um acontecimento ruim.
Você sabe que eu queria te abraçar, queria estar por perto e sentir seu perfume mais uma vez. Prefiro acreditar que mesmo após partir eu ainda me lembrarei da sua risada estrondosa, dos seus olhinhos brilhando e das suas sobrancelhas arqueando na tentativa de me repreender em alguma maluquice. Espero que essas lembranças lhe acompanhem também. Há muitas coisas que espero, na verdade. Uma delas é que fique bem e sei que isso parece óbvio e clichê mas de qualquer forma, queria deixar claro.
Consigo, perfeitamente, imagina-la correndo pela casa atrás de duas ou três crianças que estão prestes a deixa-la louca. Consigo imagina-la casando com um homem que a mereça, que acorde todas as manhãs e lembre-se do quão sortudo é por ter você – exatamente como fiz durantes todos os dias que vivi. Queria ter a maturidade necessária para não sentir ciúmes ao imaginar isso, mas não sei se serei capaz. Mas não se sinta culpada por amar de novo, amar outro homem não irá diminuir o amor que sente por mim. Não há apenas uma alma gêmea e ficarei eternamente grato por ter sido a sua, mas isso não quer dizer que você não encontrará uma outra alma gêmea. Alguém predestinado a você da mesma forma que eu fui.
Eu já estou orgulhoso de você por tudo que irá viver. Você está destinada a coisas grandes! Sei que vai ficar bem porque é forte. Forte de um jeito que eu jamais pude ser e de um jeito que jamais conheci alguém que foi.
Você é o meu trevo de quatro folhas. Porque a sorte nunca foi ter um trevo, mas sim, encontrar um. E, bem, que bom que te encontrei! Tenha total e plena consciência de que você me fez o homem mais feliz do mundo pelos poucos dias que vivi e eu jamais trocaria o que vivemos por uma outra vida qualquer. De certa forma, estou feliz em morrer aos vinte e dois sabendo que amei e fui amado profundamente e ao lado de ti, o grande e único amor da minha vida.
E, quem sabe se o Paraíso realmente existir, talvez possamos nos ver novamente. Poderemos viver juntos, porém, dessa vez para sempre. Eu amo você daqui até a lua, minha Elizabeth.

Com todo o meu amor, coração e alma,
Felipe.”