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Dulce

As semanas se arrastavam como uma lesma tentando rastejar sobre a neve de um inverno rigoroso. Todos os dias eu fui acordada pelos sinos irritantes dos conselheiros, anunciando o início de mais um longo dia de preparação para o trono. Não que eu não quisesse ser uma rainha, de fato não via a hora de poder exercer esta função. Mas a estrada até a coroa era esburacada e instável, deixando-me em um eterno sentimento de tédio durante a viagem entre meus aprendizados.

Eu estava na mesa da sala de jantar principal do castelo. Em minha frente, pratos de vários tamanhos e dezenas de talheres, algumas eu nem sabia que existiam. Um professor de etiqueta me explicava para que cada coisa daquela servia.

— Por que a gente não pode usar qualquer coisa? — bufei, apoiando meus cotovelos sobre a mesa.

— Damas não colocam os cotovelos sobre a mesa. Para apoiar vossos braços, deve-se utilizar-se dos pulsos. — abaixei meus braços devagar até encontrar meus pulsos na beira da mesa. — Não vai querer que seus cotovelos fiquem rígidos e grossos.

— Não posso ter cotovelos delicados, senhor. Como vou machucar os inimigos? — eu não conseguia disfarçar o quanto não queria estar ali. Ele apenas suspirou e balançou sua cabeça em negação.

— Madame? — Faustus, o conselheiro de mais honraria, adentrou na sala. — Quero avisar-lhe que logo após a aula de etiqueta à mesa, a senhorita deverá ir até vossos aposentos para tirar as medidas do vestido de noiva.

— Quem vai fazer o meu vestido? — perguntei.

— Os melhores alfaiates do reino, madame.

— Não, eu mesma quero fazer, com a ajuda da Angelique.

— Sinto informa-lhe, mas não seria aceitável que a futura rainha costurasse suas próprias vestes.

— Como futura rainha, eu decido quem toca em minhas roupas. Eu irei costurar o meu vestido e não aceitarei nenhuma sugestão ou ajuda de alguém que não seja a minha amiga Angelique. Sugiro que mandem trazê-la ainda hoje. — sorri sarcasticamente.

— Como quiser, madame. — ele se curvou e logo depois, retirou-se.

— Com licença. — Maitê adentrou, carregando uma panela de ensopado e o colocando sobre a mesa.

— Dando continuidade à nossa aula... — o professor retirou a tampa da panela, deixando que o cheiro de vários temperos impregnasse o local.

— Nossa. — coloquei as costas da minha mão sobre o meu nariz, tentando abafar o cheiro forte que me causou um embrulho no estômago. — Não acha que colocou alho demais, Maitê? — perguntei tentando não soar grossa.

— Mas é o seu ensopado favorito, eu não alterei nada. — olhou-me com estranheza.

— Madame Dulce, o ensopado geralmente é servido como a entrada do jantar. Em que prato ele deve ser servido e quais talheres devem ser usadas?

— Este é o prato. — apontei para o prato menor, porém mais fundo. — E esta é a talher. — uma colher pequena e também funda.

— Muito bem! — ele assentiu com aprovação. — Pode servi-la. — pediu para a Maitê.

— Não, obrigada. — fiz uma careta. A última coisa que eu queria agora era tomar esse ensopado.

— Precisamos verificar se aprendeu a comer corretamente. — ele fez sinal para que Maitê enchesse o prato e assim ela fez.

Em outras ocasiões, eu certamente estaria com água na boca, doida para me deliciar no melhor caldo que já provei em minha vida. Agora eu só queria que tirassem aquilo da sala para que o cheiro parasse de invadir as minhas narinas.
Peguei a colher e a enchi com o líquido.

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