VIII

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Râbi'a desfrutava de um passeio matinal pelo jardim privado, o ar fresco lhe ajudava a amenizar as dores que sentia em seu corpo, embora não houvesse dito nada sobre o que sentia, tinha quase certeza do que aquilo significava. Sempre chega o momento na vida em que uma escolha sabia deve ser feita, todo o equilíbrio de uma dinastia estava nas mãos de Râbi'a, mas algum dia iria deixar aquele mundo e quem tomaria deu lugar a deixava extremamente preocupada, não tinha fé nenhum que Saliha iria manter a ordem no harém, e Yasemin ainda nem havia dado a luz a um menino.

Estava presa em um labirinto sem encontrar a saída. Olhou para o anel de esmeralda em seu dedo, o anel que simbolizava o poder das sultanas, somente uma sultana que demonstrasse força para superar tudo merecia usar aquele anel. A primeira a usar foi a poderosa sultana Hürrem, um anel feito pelo falecido, sultão Süleyman, a própria Hürrem havia lhe dado aquele anel com o pedido de que seu legado continuasse. Não havia sido um caminho fácil para conseguir chegar ao poder a ponto de influenciar a política.

A sultana Hürrem sabia que um dia iria daquele mundo, uma pena ter ido tão cedo, mas seu legado ainda era mantido vivo com Râbi'a. Hürrem havia demonstrado bondade a Râbi'a, quase como uma mãe, mas no quesito força, Râbi'a teve que mostrar que era capaz sozinha.

Suspirou.

As lembranças do passado sempre a deixavam com aquela mesma sensação de vulnerabilidade, e odiava aquela sensação. Respirou fundo, buscando em sua mente recordar os melhores momentos de sua vida. Os momentos em que lutou com unhas e dentes para conseguir se tornar a única, se tornar Haseki foi uma das tarefas mais árduas, um título dificil de manter e extremamente fácil de perder.

— Sultana, tenho notícias. — Nilüfer kalfa estava ofegante, parecia ter corrido demais, e mesmo sem quase conseguir respirar fez uma breve reverência. — Sultana, Afife hatun e Haci ağa estão interrogando todos do harém. E agora pouco, Kassim disse que o sultão desejava ver a sultana Saliha.

— E? Se o sultão deseja ver Saliha, quem sou eu para impedir.

— Sultana, ouça-me, ontem houve uma briga entre Yasemin hatun e a sultana Saliha. A sultana ordenou que castigassem Yasemin, e ainda a jogassem no calabouço. E, agora, o sultão já sabe do ocorrido.

A valide suspirou, olhou para o lado um tanto irritada. Era óbvio que Saliha havia ultrapassado os limites ao machucar uma das favoritas do sultão, era realmente burra, tinha ambição, mas não usava a cabeça como deveria. Agora, Râbi'a se via numa posição de interceder a favor de Saliha, pois conhecia o gênio de seu filho e temia que nem o bebê no ventre de Saliha o fizesse parar.

A valide sultana mudou seu trajeto logo, sendo acompanhada por Nilüfer e as hatuns que sempre lhe serviam. O rosto da mulher estava travado em uma expressão de desgosto, pois a ela não importava Saliha, porém era Saliha quem carregava o futuro da disnastia no ventre.

Parou em frente a porta dos aposentos privados, e esperou que os ağas abrissem para entrar logo em seguida. Assim que entrou viu as costas de seu filho, ele estava parado perto de sua cama olhando para Yasemin que ainda dormia.

— Ahmed. — chamou e quando seu filho virou o rosto seu coração quase se despedaçou, jamais lhe agradou ver seu filho com aquela expressão de tristeza. — Eu soube do que aconteceu com a concubina.

Ahmed apenas balançou a cabeça e voltou a olhar para Yasemin.

— Me pergunto o que teria passado se eu não tivesse sido guiado até ela. Talvez estivesse morta a esta hora. — disse com uma voz séria.

A valide aproximou-se, podia ver melhor o estado de Yasemin, suas roupas estavam limpas, mas ela viu o vestido roxo de Yasemin sobre a mesa do sultão. Soltou o ar pesadamente. Achava um milagre ela ainda estar viva, e Râbi'a tinha certeza que quando Yasemin abrisse seus olhos estaria tomada pela fúria e desejo de vingança.

A inocência nunca sobrevivia naquele lugar, sempre foi assim. O harém não permitia inocência, e se caso entrasse, ele a destroçava da pior forma até que não sobrasse mais nada. Sentia pena de Yasemin, não queria que a ira de Saliha tivesse chegado a tanto, mas já estava feito, agora tudo o que podia fazer era evitar que seu filho se transformar em um mosntro.

Tocou levemente o ombro do sultão, tentando lhe transmitir algum apoio. Sabia que ele ainda estava arrasado por não ter protegido ao şehzade Süleyman, e agora a moça que tinha seu coração estava machucada. Olhou para Yasemin, mesmo inconsciente ela conseguia dar empurrões para a queda de Saliha, e isso deixava Râbi'a contente.

As batidas na porta fizeram ambos olharem para o ağa que havia entrado de cabeça baixa.

— Majestade. Valide sultana. A sultana Saliha está do lado de fora.

Ahmed respirou fundo, e ordenou que a deixassem passar.

— Filho, não se esqueça de que ela é mãe de seus filhos, e que está grávida. — Râbi'a advertiu, e tomou uma posição mais altiva.

Assim que Saliha entrou a expressão de Ahmed ficou endurecida, um misto de raiva e decepção gravados em sua face. Ela reverenciou aos dois e manteve a cabeça baixa. Os olhos de Ahmed faiscavam de raiva, queria pegar Saliha pelo pescoço, mas se recusava a punir a mulher que esperava mais um filho seu.

Aproximou-se da sultana, encarando-a com frieza e amargor.

— Cometeu um grave erro Saliha, ao mandar castigarem uma de minhas favoritas. Quem pensa que é para fazer algo assim?

— Majestade...

— Cala-te! — ordenou erguendo sua mão, e logo a fechou. Segurou seu punho atrás de si. Respirou fundo buscando se acalmar. — Foi longe demais com esta atitude. Agradeça por estar esperando um filho, senão seria castigada por maltratar a uma favorita. Que sirva de aviso, se isto acontecer novamente, te mandarei ao velho palácio.

Saliha ergueu o rosto pasma. O velho palácio era o destino final de uma sultana, lá todos os sonhos se transformavam em dolorosas lágrimas, e por isso, aquele lugar era conhecido como "Palácio das lágrimas".



___________¥Curiosidades¥___________

A sultana Mihrimah  foi uma princesa otomana, filha de Süleyman, o Magnífico e de sua esposa legal, sultana Hürrem. Ela foi a mais poderosa princesa imperial da história do Império Otomano e uma das figuras proeminentes durante o Sultanato das Mulheres. Esta chegou a ser chamada de Valide sultana, mas sua cunhada Nürbanu foi quem tomou o posto da sultana Hürrem.

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