IX

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Foi tudo um piscar de olhos, pelo menos para Yasemin que até onde se lembrava estava em uma cela escura com um vestido aos trapos e o corpo dolorido. E agora a dor estava mais suave, e o lugar bem iluminado com uma decoração rica em detalhes lhe deixou transtornada e sem saber o que fazer. Viu um céu azul que vinha de uma das portas, e levantou-se da cama pisando no chão frio com cuidado, pois seus pés também tinham sofrido com as pancadas. 

O ar límpido encheu seus pulmões junto a adorável fragrância da primavera levando sua mente a dançar no passado, com aquela sensação de ser um pássaro no céu voando livremente sem um rumo definitivo. 

Apoiou suas mãos no mármore frio e admirou aquela vista, a vista que somente uma rainha poderia ter todos os dias ao acordar durante a manhã. Observou os pássaros no céu e sorriu, feliz com aquela sensação de ter encontrado seu lugar no mundo, era aquele olhando tudo do alto, com o poder em suas mãos, intocável para qualquer um.

As marcas em suas mãos estavam desaparecendo, e isso a fez se perguntar quanto tempo havia ficado desacordada. Virou-se para retornar ao quarto, foi quando deu de cara com o rosto de Ahmet e o mundo inteiro parou para ela, não era novidade que o sultão mexia com ela e tinha medo disso pois amor era uma distração e não podia dar-se ao luxo de apaixonar-se, não naquela vida. Embora, a valide sultana tivesse sido clara que o amor era uma das maneiras de tornar aquele palácio em um paraíso, Yasemin, não desejava entregar seu coração a ninguém, nem mesmo ao governador do mundo.

Fez uma reverência demorada, e permaneceu com a cabeça e o olhar baixo. Não queria cair naquele feitiço do amor, precisava ser muito mais forte, o poder era tudo o que importava. Precisava de poder, não de amor. Fechou os olhos por alguns instantes buscando controlar seu coração que batia rápido, porém mesmo de olhos fechados era o rosto do sultão que surgia acelerando ainda mais sua pulsação. 

O toque suave em seu queixo a fez travar sua respiração, e ergueu o olhar para mirar o sultão. Havia medo em seu olhar, mas não dele e sim de si mesma, nunca havia pensado que o ditado sobre não escolher por quem irá se apaixonar fosse tão real. 

Aquele aroma de primavera parecia estar vindo do próprio sultão, e ela apreciava aquele aroma, fechou os olhos por alguns instantes enquanto respirava fundo para aproveitar o calor que surgiu inesperadamente em seu corpo. Não precisava de nenhuma palavra para que se comunicassem, seus corpos estavam começando a falar por si só e os dois compreendiam isso perfeitamente.

Uma atitude singela, mas que foi capaz de fazer o coração de Yasemin parar, um beijo em sua testa que a fez querer senti aquele mesmo toque em seus lábios e desfrutar ainda mais de um toque carnal e carregado de libido. Seus dedos deslizaram até suas bochechas e por mais que continuasse de olhos fechados, sentiu um nó formar-se em sua garganta e ao abrir aquele par de diamantes negros uma lágrima cintilante escorreu por sua bochecha.

Ahmed sorriu e a abraçou.

Nunca se sentiu tão em casa como naquele momento, fez perceber que aquela era a unica prisão que desejava, a prisão dos braços do sultão que eram capaz de encher seu coração com um sentimento tão puro que a fazia sentir-se indigna por não poder corresponder aqueles sentimentos com sinceridade. Eles se afastaram, e sem dizer uma palavra Ahmet a convidou para sentar-se com ele no divã e continuar admirando o céu.

Yasemin, ficou encolhida nos braços dele brincando com os botões de prata de seu manto, até que começou a cantarolar baixinho uma canção de ninar que seu pai havia lhe ensinado, era uma música grega, e ela sempre teve jeito para falar outras línguas e também para cantá-las como um anjo. 

Juntos até o crepúsculo, Yasemin saiu com cuidado daquele lugar confortável, foi silenciosamente buscar um manto para cobri ao sultão que dormia com uma tranquilidade que só uma criança poderia ter. Ela o cobriu com cuidado, e admirou o rosto dele por alguns instantes, mas precisava ir embora, aquele sonho doce deveria chegar ao fim, assim como todos os outros. Selou os lábios do sultão com delicadeza, e se foi.

A cada passo para longe daquele lugar ia sentindo a pequena Yasemin inocente sendo reprimida, havia deixado a inocência de lado desde que colocou os pés naquele palácio, mas ainda sim se recusava a matar seu eu do passado, acreditava que era o único meio de se manter a salvo da escuridão do harém, mas agora estava mais do que evidente, nas palmas de suas mãos, que a inocência era só um obstaculo para ser o alguém que nada pudesse abalar. 

Uma nova pessoa surgiu quando cruzou as portas do harém, e seu olhar de soberana não passou despercebido, continuou caminhando, mesmo com aqueles olhares que agora não eram mais de predadores querendo a presa recente, e sem de predadores que reconheciam que havia alguém muito mais forte que eles. Ela parou ao sentir um olhar sobre si e ao olhar para cima, viu o rosto desafiador de Saliha. Aquela nova mulher fez uma reverência, sem desviar os olhos de leoa daquela serpente com vestido de seda e coroa. 

Continuou, e caminhou sem parar até chegar nos aposentos da valide sultana. Diante dela fez uma reverência e se aproximou, segurando na mão que a sultana havia erguido, beijou e levou a sua testa em sinal de que a reconhecia como mais do que uma autoridade no harém, mas como uma nova mãe. E aquela nova mulher, precisa de uma nova mãe.

Já não era Yasemin, de Valência, a menina cigana que perdeu toda sua família, era uma outra pessoa com um dom precioso e um árduo caminho até conseguir atingir seus objetivos mais gananciosos. Agora era como todas as serpentes daquele harém, corrompida pela escuridão. 







___________¥Curiosidades¥___________

A sultana Safiye foi a concubina albanesa de Murad III e Valide Sultan do Império Otomano como a mãe de Mehmed III e avó dos sultões: Ahmed I e Mustafa I. Safiye também foi uma das figuras eminentes durante a era conhecida como o Sultanato de Mulheres

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