XXIII

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Ahmet sentia-se culpado pelo desmaio repentino de Kösem, não queria sair do lado dela por nada, desejava permanecer com ela até final, a médica do harém estava cuidando dela, mas pela cara que a mulher fez, o sultão já esperava pelo pior. A doutora manteve a cabeça baixa e disse:

— O ferimento da sultana está infeccionado, majestade. Felizmente, não é nada muito grave, a infecção apenas a atingiu com mais força devido a sua gravidez. Como sabe, mulheres grávidas são muito frágeis. Especialmente a sultana, que ainda não se recuperou totalmente do parto dos trigêmeos.

Um misto de emoções passou por Ahmet, estava feliz por saber que teria mais um bebê, mas não se lembrava de ferimento algum. Assentiu em silêncio.

— De que ferimento está falando? — perguntou, e naquela hora uma expressão de pavor tomou conta de sua face.

Kösem havia ordenado que ninguém no palácio falasse sobre aquele ferimento ao sultão, e agora havia aberto sua boca. Ela olhou para Nurhan hatun, que lhe fuzilou com o olhar. A médica engoliu em seco.

— Majestade...

— Fale de uma vez. — ordenou, sem muita paciência.

— A sultana tem um ferimento de flecha em seu peito. Ninguém sabe como isto aconteceu, apenas me chamaram para cuidar-la, mas ela não permitiu e me disse para não lhe contar nada.

Uma fúria tomou conta de Ahmet, ele olhou para o rosto dormente da sultana e depois para médica.

— Se algo acontecer a minha sultana, a culpa será sua, e te matarei com minhas próprias mãos. — vociferou segurando com violência no rosto da mulher.

Ahmet deixou o quarto da sultana, estava irritado. Não entendia o motivo de Kösem lhe esconder algo assim, e também o que aconteceu para que ele tivesse um ferimento como aquele.

— Mürhan ağa, chame Kassim agora mesmo. — disse ao eunuco, que ficava na porta.

Entrou em seus aposentos, estava inquieto, queria encontrar quem foi capaz de disparar uma flecha contra a sua favorita. Assim que Kassim entrou, disse de imediato:

— Kassim, acabo de saber que a sultana Kösem está com um ferimento de flecha em seu peito. Quero que descubra como isso aconteceu, e encontre o responsável por isto.

O silêncio de Kassim chamou atenção do sultão e ao olhar para o rosto de seu amigo, notou que ele escondia algo, deu alguns passos na direção dele.

— Você sabe algo sobre este incidente?

— Há uns dias, quando me ordenou que entregasse o presente da sultana, ela quis montar-lo. A sultana seguiu por um caminho distante, ela estava demorando para voltar então fui atrás dela, vi o cavalo da sultana correndo sozinho... Apressei-me, e por sorte consegui chegar antes que o assassino tirasse a vida da sultana. Ela tirou a flecha de seu peito e enfiou no olho do homem, e se afastou dele. Eu queria ter ido atrás dele, contudo... A sultana estava ferida, havia batido a cabeça. Trouxe-a para o palácio e deixei Gül ağa levá-la para que a médica a cuidasse.

Ahmet segurou Kassim pela roupa, seu olhar estava carregado de ódio e desgosto pela falta de lealdade de Kassim.

— Como me escondeu isto? — gritou. — Eu sou o sultão, e seu dever é me informar tudo o que acontece neste palácio.

— Majestade... eu...

— Por sua falta de lealdade, Kösem e meu filho em seu ventre poderiam ter morrido!

— Se puder deixar explicar.

Ahmet respirou fundo. E se afastou, viu Kassim tirar algo de dentro do seu sobretudo, era um papel levemente amassado. Este entregou o papel ao sultão que ficou sem entender o motivo daquele papel.

— A sultana me pediu para que não lhe contasse nada, mas eu decidi investigar por mim mesmo. Este papel, foi a sultana que de algum modo tirou do assassino, e como pode ver majestade, tem um nome escrito, e não é só isso, consegui localizar o assassino, estava vindo dizer-lhe quando encontrei a sultana chorando no corredor e está desmaiou.

Ahmet leu o que dava daquele bilhete sujo de sangue, mas o que mais lhe chamou atenção foi aquela caligrafia, era muito familiar. Franziu o cenho e aproximou-se da lareira.

— E onde está o assassino?

— Morto, majestade. Alguém o encontrou antes e o matou, mas encontrei isto no esconderijo, é um título de uma propriedade e esta com o selo da valide sultana.

Ahmet paralisou, virou-se devagar, e viu nas mãos de Kassim um rolo de papel. Engoliu em seco.

— Tem certeza do que está dizendo? É uma acusação grave.

— Majestade, não me importo com as consequências, pois sei exatamente qual é a verdade. O senhor mesmo pode verificar.

Ahmet pegou o papel e o desenrolou, seus olhos foram direto no selo de sua mãe. Suspirou. Oh, Alá...

— Deixe-me sozinho.

Ahmet caminhou até sua varanda, ali estava um prova a qual não podia simplesmente ignorar. Sua mãe havia mandado matar a mãe de seus filhos? Não, não podia acreditar nisto. Declarar ela culpada seria condenar sua própria mãe a morte, e não desejava vê-la desse modo. Olhou mais uma vez para o papel em suas mãos. Hesitou por alguns instantes, iria destruir aquela prova e salvar sua mãe, ou iria ser um sultão justo e condená-la.

— Por que faz isto comigo Alá? Por que devo escolher entre minha mãe e a mãe dos meus filhos? — olhou para o céu nublado, completamente devastado.

Sentou-se no divã da varanda e ficou olhado o céu escuro, viu o sol nascer enquanto as sombras ainda rondavam sua mente. Estava tão focado em que decisão tomar que nem viu a aproximação de Selim, o menino estava acompanhando de Nurhan hatun, eles entraram pela lateral que era de livre acesso a varanda.

— Majestade. — ela disse, fazendo uma reverência.

— Pai! — Selim pulou em Ahmet e o abraçou com firmeza.

— Não deveria estar na aula agora?

— Eu queria ver Kösem, mas não me deixaram. Os serventes disseram que não posso ver a minha mãe... Por que não posso vê-la?

Ahmet olhou para Nurhan sem entender, e a hatun logo resolveu falar.

— Eu expliquei ao şehzade o motivo, a valide sultana deu ordens para que a sultana Kösem não se aproximasse dos şehzades.

Ahmet respirou fundo. Pensou nas palavras frias que disse a Kösem, sentia-se ainda mais culpado pelo que fizera. Olhou para Selim e sorriu.

— Primeiro vá estudar, e a noite poderá ver Kösem. — disse dando-lhe um beijo na testa.

Selim sorriu e desceu do colo de seu pai, o menino saiu correndo do animado, e Nurhan ia atrás dele quando ouviu a voz de Ahmet.

— Você fique, quero que me conte o que está acontecendo entre as sultanas.

Havia um olhar severo no rosto do sultão, parecia o olhar de um dragão faminto, e Nurhan sentiu medo só de encará-lo por alguns breves segundos.







___________¥Curiosidades¥___________

As sultanas otomanas de nascimento eram normalmente casadas com funcionários otomanos influentes, por suas mães ou avós paternas, que tinham o direito de arranjar seus casamentos e arranjar partidos que pudessem ser de uso político. Elas tinham privilégios no casamento que os separavam de outras mulheres muçulmanas: como o direito de ser a única esposa de seu cônjuge, de se recusar a consumar seu casamento até que estivessem prontos e de se divorciar quando quisessem. Devido ao fato de muitos deles se casarem ainda crianças e serem viúvas e divorciadas várias vezes, muitas vezes por motivos políticos, novos casamentos eram muito comuns. 
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