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Estar ao ar livre era como estar rejuvenescendo, gostava daquele lugar, mesmo que a única coisa que fizesse se resumisse a caminhar pelos jardins sendo seguida por alguns moças. Fechou os olhos por alguns instantes enquanto caminhava e respirou fundo, estava indo em direção ao estábulo, o sultão havia lhe dado um lindo cavalo branco de presente, e desejava poder montá-lo nem que fosse por alguns momento. Viu Kassim preparando o equino, e todos os eunucos que circulavam por ali fizeram uma reverência e mantiveram as cabeças baixas.

Kassim logo notou a presença da sultana, e virou-se para ela, fazendo uma reverência e mantendo seu olhar baixo. Uma regra para todos os homens, não se podia olhar para as mulheres do sultão, em especial as sultanas.

— Sultana. — disse com a voz baixa.

Kösem sorriu para ele e se aproximou do cavalo. Acariciou a crina do animal, e sorriu complacida com a pureza de um ser magnífico. Lembrava de seu pai, e seu amor pelos equinos era belos e capazes de levar qualquer um até o fim do mundo.

Montou no animal, e tomou as rédeas, sentia-se levemente nervosa já que era a primeira vez desde que chegou ao palácio que montava em um cavalo. Ela deu uma batida leve com os calcanhares, e o animal começou a marcha devagar, e quando deu por si estava cavalgando com velocidade pelo lugar. Estava indo para uma área mais florestal que nunca tinha visto antes, mas que tinha sua beleza. Parou quando viu uma estrutura de mármore branco, reconhecia aquele objeto, algumas pessoas usavam para beber água. Era comum encontrar-las por todo lugar florestado.

Respirou fundou, e conduziu as rédeas para a direção da qual veio, sabia que Kassim estaria em busca dela e não queria deixá-lo receber uma bronca por perder uma sultana. Contudo, foi devagar, o que foi um erro.

Uma flecha atingiu em cheio o peito da sultana, e esta acabou caindo do cavalo que se empinou na mesma hora. Ela bateu a cabeça em uma pedra e desmaiou. O cavalo fugiu, enquanto a sultana ficou abandonada, uma figura surgiu por detrás das matas e se aproximou da sultana desmaiada.

Um punhal estava na mão do assassino que ia se aproximando cada vez mais, chegou a encostar a lâmina em seu pescoço, mas escutou os galopes ligeiros de um cavalo indo em sua direção. Avistou Kassim indo com ainda mais velocidade, e com um olhar determinado a capturá-lo.

Kösem despertou naquele momento, estava atordoada, mas sentiu o metal frio em seu pescoço e o homem olhando para outro lado. Tirou a flecha de seu peito, e quando o homem a olhou, cravou a ponta da flecha no olho do homem. E enquanto ele se retorcia de dor no chão, ela usou suas forças para se levantar, mas sua cabeça ainda girava e não conseguia fixar-se em nada. A sultana cambaleou, distanciando-se do homem, Kassim desceu de seu cavalo e o assassino havia tomado forças para fugir, e ele teve que escolher de ajudava a sultana ou se capturava ao homem.

Optou por amparar a sultana que quase não sustentava a si mesma. Segurou-a em seus braços e viu a mancha de sangue em seu vestido, ela também segurava algo na mão e bateu no peito de Kassim com um olhar que pedia para segurar aquele pedaço de papel, e apagou novamente.




A sultana estava em seus aposentos, sendo cuidada por uma médica. Seu ferimento não havia sido muito profundo porque o broche que sustentava o véu ali, havia tirado um pouco da força e mudado por milímetros a trajetória da flecha. Uma sorte muito grande que Kösem tivera, sua cabeça doia devido a batida, mas sua raiva era tanta que lhe deu forçar para ficar de pé.

— Sultana, não pode...

— Saia daqui! — ordenou furiosa.

Ainda lembrava da sensação do metal contra seu pescoço, um assassino, enviaram maldito assassino. Já tinha em mente quem tinha feito aquilo, e de certo modo sentia-se frustrada pelo maldito erro que cometeu ao pensar que estava longe demais para ser tocadas pela valide. Sua fúria anestesiou completamente seus sentidos de dor, quebrou tudo o que podia em seu quarto. Gül ağa quase foi atingido por uma caixa de joias vazias, e ficou olhado completamente chocado para a sultana que caiu sentada sobre suas pernas em frente a lareira.

— Quem aquela velha maldita pensa que é? Eu vou destruir ela. — disse olhando para o fogo enquanto apertava um caco de vidro entre seus dedos.

Seu quarto estava um completo caos, com jóias, e coroas jogadas por todos os lados, espelhos quebrados e papeis espalhados. O ferimento em seu peito voltou a sangrar, manchado o tecido fino de sua camisola branca, suspirou, e logo ficou de pé.

— Nurhan. — chamou com uma voz séria. — Prepare-me um vestido vermelho.

— Mas, sultana... Sim, sultana. — Nurhan notou como não seria muito bom dizer algo para Kösem naquele momento. — Meleksima, anda comece a limpar o quarto. E vocês também.

A menina de cabelos ruivos olhou surpresa para a silhueta de Kösem, dava para notar como ela estava tensa. O ar naquele quarto havia tornado-se mais severo.

As escravas iam limpando tudo, enquanto Kösem se mantinha no mesmo lugar, olhando para as chamas. Elas tremiam e tentavam não fazer nada de errado, pois queriam evitar a todo custo que fossem repreendidas pela sultana.

— Gül ağa, o sultão já sabe sobre o ocorrido?

— Não, sultana, o sultão saiu mais cedo e não regressou, Kassim o espera para dizer.

— Vá até Kassim e lhe peça para guardar silêncio. E espalhe pelo harém o rumor de que o que sucedeu foi uma simples queda de cavalo, e diga a médica que é melhor manter sua língua quieta, ou não terá mais língua.

— Sim, sultana. — Gül ağa fez uma reverência.

Kösem abaixou a manga de sua camisola e olhou para o ferimento, era pequeno, sentou-se no banco que costumava ficar de frente a um espelho e agora só estava cacos. Preparou uma estranha mistura com algumas coisas que mantinha guardadas em potes e aplicou sobre o ferimento.

Nurhan voltou com seu vestido, e Kösem trocou-se. As escravas lhe ajudaram com suas jóias e seu cabelo, terminou com uma coroa sobre sua cabeça, encarou o vazio por alguns instantes antes de virar-se e seguir para fora de seu quarto. O harém inteiro abaixou a cabeça enquanto a sultana passava entre elas, parecia uma leoa faminta pronta para atacar quem cruzasse seu caminho e o primeiro a fazer isso foi Haci ağa.

— Sultana. — disse fazendo uma reverência. — Está bem? Soube que havia caído do cavalo e se machucado. Espero que...

— Estou muito bem, Haci ağa, não será um simples cavalo que ira me tirar de jogo. E diga a sua sultana para manter os olhos bem abertos, pois irei atingir onde mais doi nela. Passar bem. — deu um sorriso falso no final, e continuou a caminhar.

Cruzou o harém inteiro até o pavilhão real. Ia em direção aos aposentos do sultão, mas este não era seu objetivo, usou a passagem livre que dava acesso a varando do sultão, viu Kassim lá olhando o céu. Aproximou-se dele e parou ao seu lado.

— Sultana. — disse fazendo uma reverência.

— Creio que Gül ağa já tenha dito tudo, não é verdade? Ótimo. Conto com seu silêncio, Kassim, sua majestade não deve saber sobre o ocorrido.

— Mas, sultana...

Kösem o interrompeu erguendo sua mão, estava nervosa, mas não queria descontar essa raiva nele. Em parte estava em divida com ele.

— Estou em divida com você, mas não pense em se intrometer em um assunto que não é da sua conta. Se o sultão chega a saber sobre o assassino, irei fazê-lo se arrepender. — disse com seriedade e logo virou-se para ir.

Os passos da sultana estavam fervorosos, cada vez que pisava no chão parecia que um terremoto atingia o palácio. Sua fúria era enorme, assim como seu desejo por vingança.








___________¥Curiosidades¥___________

O kizlar ağa, formalmente o ağa da Casa da Felicidade, era o chefe dos eunucos que guardavam o harém imperial dos sultões otomanos em Constantinopla.
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