Duas semana já haviam se passado e Anahí não esboçava nenhuma melhora. Havia ganho uma licença de três meses do trabalho, mas Alfonso não conseguira o mesmo, para tanto teria que voltar ao trabalho hoje. Estava inseguro sobre deixá-la sozinha, por isso pediu que a mãe lhe fizesse companhia na parte da tarde.
Anahí continuava fria e distante, a mulher antes animada que adorava se vestir bem, se maquiar, que tinha uma vivacidade invejável, agora esboçava uma tristeza sem fim, um desânimo profundo que chegava causar comoção até no mais frios dos corações. Os cabelos passavam os dias presos em um rabo de cavalo, vez ou outra Alfonso a pegava chorando por algum canto da casa, longe de todos, ou a pegava fitando a janela com o olhar perdido como se estivesse apenas existindo.
A gota d'água se deu quando chegou em casa do supermercado e a pegou sentada no tapete do quarto de hóspedes com todas as roupinhas que havia comprado para a bebê, chorando abraçada a elas em um estado lamentável. Já havia perdido peso, mal se alimentava e a aparência era de cansaço e descaso, precisava urgente de ajuda profissional, e ele falaria com Christopher, psiquiatra e noivo de Dulce para que sugerisse alguém para cuidar do caso dela.
Alfonso se despediu de Anahí que tomava café quieta na mesa, molhava alguns biscoitos no leite. Chloe se despediu dela, beijando seu rosto, e ela acenou para a menina que saía porta a fora com o pai para mais um dia de escola. Ruth ainda não havia chegado, isso preocupava Alfonso, a mãe estava no trânsito e demoraria alguns minutos, mas preferiu confiar que Anahí não cometeria nenhuma loucura ou insanidade, então deixou-a sozinha. Talvez ela também precisasse desse espaço.
Assim que eles saíram Anahí se pôs a sentar no sofá, se sentia vazia, era uma sensação indescritível, algo que não desejaria nem ao seu pior inimigo. Vestia uma calça de moletom é uma blusa branca de mangas. Cobriu-se com uma manta e ficou a fitar o lustre que havia no teto da sala. Havia tomado as medicações hoje, por tanto estava mais calma, mas a dor ainda lhe dilacerava, não era capaz de saber se um dia superaria aquilo. Foi então que a campainha tocou. Deduziu ser Ruth, então calçou os chinelos e foi abrir.
Detrás da porta surgiu uma mulher completamente simples, de roupa velha e sapatos desbotados. A mulher a olhou envergonhada, mas tentou ser o mais gentil possível.
- Doutora Portilla? - pediu a senhora que aparentava ter algo como quarenta anos.
- Sim, e você é? - Anahí pronunciou, insegura sobre aquela visitante repentina.
- Será que eu posso entrar? - a mulher disse, apontando o lado de dentro.
Anahí tentou refletir sobre que decisão tomar, mas sua vida estava tão desgraçada e ela estava tão chapada de medicamentos que sequer conseguia raciocinar. Que mal aquela mulher podia fazer afinal? Com certeza nenhum maior do que o que lhe ocorrera nos últimos dias. Liberou a entrada da porta, as duas caminharam por um imenso corredor de mármore e Anahí sinalizou o sofá, assim que chegaram a sala. A mulher se sentou, ainda envergonhada com o luxo do lugar.
- O doutor Chávez me disse o que houve com a sua bebê, eu - procurou palavras - Eu sinto muito - lamentou sincera.
Anahí não queria falar disso.
- O que faz aqui? - perguntou áspera.
- Eu vim lhe agradecer - a outra disparou - Eu me chamo Maria Velasques. Sou mãe do Emanuel, o menino que a senhora salvou. Sei que perdeu sua filha enquanto o salvava, e sei que nada pode amenizar isso, eu mesma já perdi um filho. Eu sei a dor que está sentindo, mas quero que saiba que graças a você, uma vida foi salva. Você colocou a dor do meu filho acima da sua - se aproximou segurando as mãos de Anahí, que a essa altura já esboçava um leve choro - E eu nem sei se um dia eu serei capaz de pagar pelo que a senhora fez. Mas eu quero que saiba que se houver alguma coisa que eu possa fazer, qualquer coisa, eu estarei aqui, pois você pode ter perdido sua filha, mas meu filho renasceu graças às suas mãos, a sua bondade, à você doutora.
Anahí levou as mãos ao rosto deixando-se chorar. A culpa lhe consumiu por vários dias. Chegou a cogitar se havia negligenciado a própria dor, os próprios sinais do corpo que lhe avisavam que nada ia bem. Se tivesse ido a consulta antes talvez sua filha ainda estivesse dentro dela. Se culpava a todo momento, sem pausa, mas aquela mãe ali, no sofá da sua sala lhe demonstrando toda aquela gratidão, era a dose de empatia que ela precisava. E ela se deixou envolver naquele abraço.
- Sabe doutora - Maria disse, enxugando os olhos quando se separaram - Nós somos muito pobres, passamos muitas necessidades. A vida do pobre não tem valor nesse país. Muitos teriam deixado meu filho morrer pois seria apenas um menino pobre a menos para passar fome e ser sustentado pelo governo, mas você ignorou tudo isso. Você é humana, um verdadeiro anjo. Serei eternamente grata por ter salvo meu Emanuel. Meu menino está forte e saudável graças a senhora.
- Eu fico muito feliz que possa ter ajudado - suspirou, secando os olhos - Seu filho parece ser um menino muito especial pra você.
- Emanuel é meu segundo menino, o primeiro está no céu - explicou - Juan nasceu muito pequenininho, e da primeira vez não tivemos a sorte de encontrar um anjo como a senhora no caminho. Não tínhamos dinheiro e não tivemos um atendimento adequado. Então Juan foi morar com Deus, nos deixando um vazio muito grande. E então meses depois veio Emanuel, e com ele foi tudo diferente, ele quem me resgatou da dor, da solidão, do medo da tristeza. Ele quem alegrou meus dias e me fez sair da depressão em que eu estava. Por isso tenho certeza que isso vai acontecer com a senhora também - segurou as mãos de Anahí outra vez - Logo estará com seu bebê nos braços e ele lhe arrancará toda essa tristeza que está sentindo. Deus sabe o tempo certo de tudo.
- Difícil acreditar que Deus queira ver seus filhos assim como eu estou, sem forças para viver - riu sem humor.
- Tudo que ele faz tem um motivo. Sabe doutora, eu acredito que essas coisas ruins aconteçam pra noa tornarmos mais fortes, termos mais sabedoria, e com você não vai ser diferente, só tem que confiar Nele, e ele vai curar todas essas feridas - tocou o peito dela.
- Maria, você disse que são pobres, pobres como? Vocês passam fome? Tem onde morar? Emprego, roupas?
- Nós moramos em um barraquinho que construímos com bastante dificuldade na zona leste da cidade - sorriu - Mas não quero que entenda errado Doutora, vim aqui apenas para lhe agradecer não para lhe pedir nada, longe de mim, a senhora já fez mais por mim do que quaisquer outra pessoa já fez.
- Mas eu quero muito ajudá-los - Anahí apressou-se em dizer - Não consigo explicar, só senti que preciso ajudar de alguma forma. Você chegou aqui, e com palavras simples me fez ver coisas que eu estava me negando a ver em todos esses dias. Você me enxergou como pessoa - segurou as mãos dela agora - Você viu meu coração Maria.
- Senhora eu não quero nada, de verdade, só vê-la dizer isso para mim já é mais do que suficiente - sorriu terna.
Anahí pensou por um momento, tentando achar uma forma de ajudar, então algo veio a sua cabeça.
- E se eu lhe oferecer trabalho? Sabe cozinhar?
- Trabalho? - pediu, mal podia acreditar, estavam mesmo precisando de dinheiro, as coisas não iam bem com a reciclagem e seria ótimo ter comida pra por na mesa.
- Isso, mas só se você tiver com quem deixar seus filhos, lógico.
- É claro que sim senhora eu - Anahí a interrompeu.
- Então estamos combinadas - e depois de duas semanas Anahí conseguiu dar um pequeno sorriso, mesmo que singelo - Você pode começar na segunda? Preciso de alguém para ajudar com as tarefas e com Chloe, e você parece ser uma excelente pessoa. Vou conversar com Alfonso sobre isso, mas da minha parte já está contratada. O emprego é seu.
Maria a abraçou com vontade, parece que ali nascia uma linda e duradoura amizade entre mulheres que a vida havia obrigado a serem fortes. Sonoridade é tudo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sob a pele do lobo
FanfictionAnahí e Adella apesar de gêmeas são completamente diferentes. Enquanto uma é calma, dedicada e profissional, a outra é obstinada, audaciosa e sem escrúpulos. Depois de um desentendimento na adolescência as duas se afastam, vivendo cada uma sua vida:...