Trigésimo Nono

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- Mãe - Anahí sussurrou, cruzando os braços pelo frio. Já era entardecer e o céu começava a ficar alaranjado. Um vento suave deixava o clima bem ameno - Eu acho melhor a gente ir, as meninas devem estar enlouquecendo o Poncho e papai.

Marichello mal pareceu ouvir. Estava alheia a tudo, depositando a rosa vermelha, favorita da filha na lápide. Anahí não gostara nada da ideia de acompanhá-la, mas nem o pai, nem Alfonso estavam dispostos a fazê-lo, pensou em pedir a Candice, mas não ousaria incomodá-la no oitavo mês de gravidez. Faziam dois anos que Adella havia falecido e nesses dois anos muita coisa havia mudado.

Maite e Mane finalmente haviam se casado no papel, após uma longa briga com Levy, ex marido de Maite, para que assinasse os papéis do divórcio dos dois. Além de Samuel que agora tinha dois anos como as primas, o casal teve mais uma menina, Katherine. Era linda é esperta como Maite, porém os olhos eram idênticos aos de Mane. Maite saíra do hospital para se dedicar aos filhos, agora tinha tempo para a Yoga que tanto amava e até estava planejando escrever um livro sobre a maternidade. Dava aulas na Universidade de Nova York ao curso de medicina e Mane continuava advogando com Nate no escritório que agora havia se tornado maior e mais renomado.

Por falar em Nate, ele e Candice se casaram em uma linda cerimônia na praia, como era o sonho dela desde que brincava com as irmãs quando os pais as levavam para passar férias em Venance Beach. Candice esperava seu primeiro bebê, Santiago, como seu avô. Anahí seria madrinha e não cansava de bajular aquele pequeno que sequer havia nascido.

Dulce e Christopher ainda estavam juntos e pais de Patrício e Joaquim, Pato e Joca como carinhosamente eram apelidado pelos amigos dos pais. Os dois tinha um ano de diferença de idade. Joca era o mais novinho, de apenas três meses de idade, o xodó da casa, mas ambos eram a cara de Christopher. Dulce ainda trabalhava no hospital, mas Christopher passará a se dedicar a um projeto pessoal e estava indo mundo bem como o consultório, onde semanalmente, dispunha de quatro consultas totalmente gratuitas e com fim filantrópico.

Anahí e Alfonso também estavam extremamente felizes. A pequena Chloe de agora sete anos passava as férias com os avós maternos. Já Anahí e Alfonso estavam na casa dos pais dela, onde comemorariam os dois anos das gêmeas. Por falar em gêmeas, essas estavam cada vez mais inteligentes e falantes, o que Poncho jurava terem puxado de Anahí, mesmo que Ruth afirme que ele quando criança, falava até pelos cotovelos.

Marichello sentiu Anahí tocar-lhe o braço, a fim de chamá-la para que fossem para casa. Nunca haviam falado sobre o dia do acidente, e a mãe estranhava a falta de comoção por parte da filha que era sempre tão amorosa. Anahí não dissera nada para não magoar a mãe, queria que ela tivesse uma última imagem da irmã boa, se fosse possível, não por Adella, mas sim por Marichello que já havia sofrido o suficiente.

- Mãe, está na hora de ir.

Marichello levantou revoltada com Anahí. Será que não conseguia sentir nada pela irmã? Sabia que as duas tinham suas desavenças, mas era demais agir assim tão friamente.

- Escuta Anahí, eu sei que Adella te fez muito mal, mas ela está morta, será que não consegue nutrir nenhum sentimento por ela?

Anahí passou a mão pelo rosto, suspirando pesadamente.

- Mãe, eu não quero falar sobre...

- Não quer falar sobre o que? Você me decepcionou muito Anahí - Marichello lamentou, balançando a cabeça - Nunca pensei que agiria assim com tanta indiferença.

- Mãe, eu não quero tocar nesse assunto, não quero te causar mais dor do que eu sei que você já sente. Vamos nos poupar disso sim? - implorou. A mãe no entanto prosseguiu.

- Me poupar do que? O que é que eu não sei Anahí?

A morena ponderou por vários minutos, olhou para os olhos acusatórios da mãe, exatamente como ela fazia quando a irmã a culpava por algo que ela mesmo havia feito. Os olhos de Marichello tinham dor estampados no que antes era um azul cristalino. Não queria feri-la, já bastava o sofrimento que sentia pela perda prematura da filha, mas ela não poderia deixar com que a mãe pensasse isso dela.

Por vários e vários anos, Anahí tomou a culpa por coisas que não eram culpa dela: jarros quebrados, dinheiro roubado da carteira, sujeira sobre a pia da cozinha, o chão do banheiro molhado, o gato que havia fugido. Foram anos sendo anulada, diminuída, negligenciada pela própria irmã que nunca fora honesta com ela. Mas Anahí era diferente, diria a verdade, por mais duro que fosse. Depois disso ajudaria a mãe a superar mais essa dor, jamais seria capaz de abandona-la.

- O que sentiria por alguém que tentou te matar?

- Do que é que está falando Anahí? - ela cruzou os braços na altura do peito, secando as lágrimas que antes mareavam seus olhos.

- Era para eu estar ali, naquela lápide a sinalizou - Minhas filhas nasceram prematuras porque Adella tentou me matar. Ela causou a própria morte quando tentou me arremessar do penhasco onde estávamos.

- Como, isso não é verdade, não - Marichello olhou o chão, começando novamente um choro doído.

- Nós fizemos uma perícia mãe, uma reconstituição. Eu me lembro de tudo, exatamente de tudo que aconteceu naquele dia. Minha irmã queria que eu fosse para o "quinto dos infernos" como ela mesma disse. Não consigo compartilhar dessa dor porque ela tentou me matar mãe. Ela queria acabar com a minha vida, me tirar de Poncho, me privar de conhecer minhas filhas. Eu já a perdoei para que descanse em paz - Anahí limpou os olhos molhados, aquele assunto era muito delicado e intenso - Mas não consigo mãe, não consigo sentir pela morte dela. O único que sinto é livramento, é a certeza que agora sim minha família está protegida e em segurança.

Marichello começou a chorar compulsoriamente abraçando Anahí. Afagou seus cabelos com carinho, sussurrando milhares de vezes a palavra "desculpe-me".

- Devíamos ter te dito antes mãe, desculpa por te fazer passar por isso agora.

A mãe nem conseguiu responder, somente chorava inconsolável. Deixou a rosa cair por entre os dedos, e Anahí gentilmente a recolheu e a colocou sobre a lápide da irmã. Amparou a mãe a levando até a caminhonete, o caminho até em casa fora feito em completo silêncio. Assim que chegaram em casa a morena agradeceu mentalmente por estar só Poncho em casa, assim pouparia seu pai de ver a mãe naquele estado. Anahí a ajudou a subir as escadas e a tomar um banho quente, lhe deu um calmante, um beijo terno e a cobriu, fechando a porta do quarto.

- O que houve? - Poncho perguntou assim que ela chegou a sala completamente exausta.

- Tive que contar tudo a ela - jogou-se nos braços dele, agora chorando - Não queria ver minha mãe sofrendo assim Poncho, mas não tinha mais como segurar.

- Está tudo bem meu amor - a aninhou no peito dele, a fim de deixá-la mais calma - Acho melhor suspendermos a festa das meninas - ela o encarou - Por hora.

- Elas vão ficar arrasadas - lamentou - Não sei se é uma boa ideia.

- Sua mãe está destruída, e temos que respeitar isso - subia e descia com o carinho pelas costas dela. Anahí estava em seu colo - Vamos comemorar á moda antiga, vou preparar um piquenique delicioso no parque, vamos andar de bicicleta, comer algodão doce, e prometo que farei de tudo para que o dia seja especial para elas, só nós quatro.

- Eu não sei o que faria sem você - beijou os lábios dele, olhando-o encantada.

- Nem eu sem você minha vida.

Sob a pele do lobo Onde histórias criam vida. Descubra agora