Trigésimo Terceiro

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- Você nos deu um susto!

Anahí sussurrou assim que a mãe abriu os olhos na manhã seguinte. Ainda estava um tanto quanto debilitada, mas não deixou de esboçar um sorriso assim que as mãos da filha alcançaram as suas.

- Não foi minha intenção - murmurou rouca - Quero ficar muito tempo aqui ainda, preciso ver essas meninas nascerem.

- E vai - lhe sorriu - No que depender de mim, você terá o melhor tratamento possível. Quero acompanhar tudo de pertinho, e sem dúvidas Alfonso vai se assegurar de que tudo esteja em ordem.

- Eu sei que vai - Marichello apertou a mão dela.

As duas ficaram mais algumas horas conversando enquanto Alfonso falava com o médico da sogra do lado de fora do quarto. A princípio Marichello estava bem, e se recuperaria sem sequelas, o que fora motivo de comemoração para todos. Assim que Anahí saiu do quarto, Adella e Candice puderam falar com a mãe, que ficou satisfeita e até mesmo mais animada com a visita de todas as filhas.

Anahí e Alfonso precisaram voltar para Nova York no dia seguinte, os dois fariam a primeira cirurgia juntos. Seria um procedimento de quinze horas para extração de um rabdomiossarcoma na base do crânio de uma menina de 6 anos. A família viera do Canadá somente para a cirurgia, depois de muitas recomendações quanto ao trabalho dos dois e da qualidade técnica do hospital.

- Tem certeza que está bem para operar? - Alfonso pediu, pela centésima vez, enquanto faziam a assepsia das mãos.

- Já é a milésima vez que você pergunta isso - Anahí rolou os olhos, tirando os anéis - E pela milésima vez: sim, nós estamos bem e podemos muito bem fazer essa cirurgia.

- Desculpe a insistência, mas me preocupo com vocês - ergueu as mãos limpas, segurando a porta com o quadril para que ela passasse.

- Se houvesse algum problema, eu mesma me negaria a fazer o procedimento - piscou estendendo as mãos para que a enfermeira colocasse as luvas.

Alfonso fez o mesmo e Christian não demorou a se juntar a eles.

- Lâmina dez - Alfonso pediu a instrumentista. Já tinha três horas que estavam em cirurgia. Anahí estava pronta pra começar a dissecação - Está tudo bem? - pediu a ela que riu por trás da máscara.

- Devia ser proibido operar com seu próprio noivo obcecado - comentou com Christian - Sim Alfonso, eu estou bem, será que pode se concentrar no seu trabalho?

Alfonso se calou, e Christian se limitou a rir. Anahí dissecou o tumor com maestria, se certificando que não havia ficado nenhum resquício. Como houve perda de massa, Christian colocou uma prótese cervical de titânio, e Alfonso finalizou as suturas sob aplausos da galeria que assistia a tudo desde o começo. Estava lotada, desde alunos até colegas como Maite.

- Acho que mereço um sorvete de chocolate com bastante calça de caramelo - Anahí comentou, assim que se desfaziam dos equipamentos de proteção.

- Acho que você merece é deitar e descansar, ficamos quase doze horas em pé. Seria bom não se esforçar tanto, acho que eu devia falar com seu chefe para...

- Faça isso e irá dormir no sofá pelo resto da sua vida - advertiu.

- Eu sei que você ama o seu trabalho Annie, acontece que você está carregando duas bebês, e você sabe muito bem os riscos que isso envolve!

- Nós já tivemos essa conversa Poncho! Vai querer mesmo me chatear com isso outra vez? - o encarou seria, arrancando a touca e soltando os cabelos.

- Ei vocês dois! - Christian tentou descontrair, brincando - Devíamos estar comemorando, um rabdomiossarcoma exterminado assim, em uma única cirurgia. É motivo pra dose dupla de tequila.

- Eu estou exausto - Poncho disse, meio chateado pela discussão - Vou pra casa. Te vejo no estacionamento?

Anahí se limitou a murmurar um sim, e ele saiu, deixando-os a sós.

- O que foi dessa vez? - Christian cruzou os braços, depois de se desfazer das luvas.

- Poncho está me sufocando, me tratando como uma inútil. Como se eu não fosse capaz de continuar trabalhando só porque estou grávida. Christian, Maite está grávida de oito meses e não vejo toda essa marcação cerrada com a irmã .

- Annie ele só tá querendo o seu bem e das meninas, não fique chateada com isso.

- Tentarei não ficar - suspirou - Bom, já vou, senão daqui a pouco o meu cão de guarda vem até aqui me buscar - rolou os olhos.

- Anahí Anahí - Christian negou com a cabeça rindo - Pega leve!

Anahí passou na cantina e pegou o tal sorvete que tanto desejava. Estava andando pelo corredor quando o celular tocou. Atendeu no segundo toque, era Adella, preocupou-se com a mãe, mas graças a Deus o motivo da ligação era outro.

- Então? O que me diz?

- Esse final de semana? - mordeu os lábios, tomando o elevador.

- Vai estar um dia lindo! E a casa vai estar limpa e vazia, uma ótima oportunidade para espairecermos. Chamei Candice também, espero que não se importe.

- Tudo bem - concordou - Vou falar com Poncho, mas acho que iremos sim.

- Ai que bom - sorriu - Aguardo você me ligar então.

- Pensei que teria que ir te buscar - Poncho brincou, já ia dar partida no carro quando Anahí o parou.

- Escuta Poncho, nós precisamos conversar.

- O que foi? - suspirou.

- Isso! Essa super proteção toda. Não vai funcionar. Isso não vai rolar se você não parar de me sufocar. Eu tenho tanto medo de perder nossas meninas quanto você! Acha que ainda não me culpo pelo o que aconteceu? Com nossa outra filha? - soltou o ar, tentando conter as lágrimas - Mas você está me deixando mal. Está me fazendo sentir inútil, desmotivada, como se eu precisasse que as pessoa fizessem tudo pra mim, como se eu não fosse capaz de fazer meu próprio trabalho. Você cogitou ir falar com meu chefe, sabe quanto isso é constrangedor?

Alfonso abaixou a cabeça tentando absorver as palavras dela. Talvez realmente tenha exagerado.

- Desculpa amor, eu não tive essa intenção. É só que - suspirou - Eu tive medo. Insegurança. Vocês são minha vida e quero protegê-las acima de tudo.

Anahí sorriu carinhosa, acariciando o rosto dele e depois seus lábios.

- Eu sei meu amor - beijou-o novamente - Eu sei, mas nós estamos bem. Nós estamos bem e felizes e nada de mal vai acontecer - levou a mão dele até sua barriga.

A paz estava selada outra vez.

Sob a pele do lobo Onde histórias criam vida. Descubra agora