Capítulo 36.

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Rafael Marques

Os médicos salvam vidas todos os dias, gastam a maioria do seu tempo fazendo isso, salvando vidas. Eles removem tumores de todos os cantos do corpo, dão batidas aos corações e uma nova chance pra quem sobrevive. Fazem milagres, são endeusados e com razão, já que além de cirurgiões são seres humanos, que sentem.

Já fazia um bom tempo que a Mel tinha entrado para a cirurgia e eu, Isa e os pais dela estávamos aflitos aguardando qualquer notícia.

O padrasto dela e os irmãos tinham ido embora, mas voltariam assim que tudo tivesse acabado.

Meu peito estava apertado, eu nunca fui de conversar com Deus, mas hoje eu rezei como as senhoras que vão todos os dias a igreja. Eu pedi a todo tipo de entidade divina que as pessoas acreditam que mantessem a Meline bem e aqui comigo. 

Eu não queria que as memórias se apagassem, que virassem só recordações.

Eu sentia que o destino foi ermo conosco, e assim nos encontramos. Nada disso poderia simplesmente virar pó do dia pra noite.

Pluguei meu fone no celular e liguei em uma das playlists que ela tinha feito no meu spotify, coloquei no modo aleatório. As primeiras notas da música do Ali Gatie começou a tocar "It's You" e eu só queria sentir o alívio de saber que ela estava viva.

As horas iam passando e de tempo em tempo uma interna vinha nos avisar da situação da cirurgia, em qual passo estavam e como a Meline estava.    

A minha bunda já estava doendo de ficar sentado nessa cadeira, então resolvi dar uma volta, Anavitória cantavam "Cecília" enquanto eu ia até a cantina ou lanchonete, não sei dizer, comprei um suco de laranja e tomei ele na área de fumantes que tinha em uma parte pra fora.

Tinha uma árvore na frente do que era tipo um deck onde eu estava, era uma árvore enorme, linda e cheia de vida, ela dava tantas flores que o chão já estava forrado delas, acho que é um ipê, mas não tenho certeza. "Pra você guardei o amor" do Nando Reis começa a tocar e, eu sabia que se tudo desse errado, já ia ter dado certo, que o tempo que nós vivemos juntos tinha me tornado alguém melhor e acredito que ela também, me fez parar pra apreciar cada detalhe que me cercava, coisas que eu nunca tinha dado tanta importância, que talvez fosse até ingratidão da minha parte.

Reparei que um grupo de pássaros voam em ninhadas no mesmo horário pela janela do meu quarto, que antes de cada jogo de futebol do meu irmão, minha mãe tem o cuidado de fazer o seu lanche preferido, e era assim comigo também, eu nunca fui grato as pequenas coisas.

O meu pai sempre que chega do trabalho agradece a minha mãe por ter cuidado da casa e de nós, não teve um dia em que essas não foram as primeiras palavras dele desde que eu comecei a reparar, e o meu irmão faz questão de deixar os amigos dele de lado pra jogar vídeo game comigo pelo menos uma vez no dia.

E a Mel...
Ah, a Meline tem o maior coração que eu já conheci, e o sorriso dela me deixa atordoado, toda vez antes de abrir um sorrisão, ela da um sorriso de lado sem mostrar os dentes, e é a coisa mais linda do mundo.

Do dia em que surgiu a oportunidade da cirurgia até atualmente, eu venho me perguntando o que foi que ela reparou em mim, o que eu tenho que deixa ela encantada, qual é o meu detalhe?

Meus pensamentos vão por água abaixo em "Olhos Castanhos" da Luísa Sonza quando sinto uma cutucada no ombro. Viro vendo a interna com um sorriso de orelha a orelha, pauso a música e ela começa a falar.

-Com licença senhor Rafael, a mãe da Meline pediu que eu viesse te informar que ela saiu da cirurgia, ocorreu tudo muito bem! - Meu coração fica aliviado e eu só consigo agradecer a Deus por ter dado essa nova oportunidade pra Meline.

(...)

Assim que ela saiu da cirurgia nós não podemos vê-la, esperamos em torno de mais umas duas horas e aí fomos liberados. Eu deixei os pais dela entrarem antes, a Isa e até os irmãos. Quando entrei senti minhas pernas formigarem.

Sento na poltrona do seu lado e seguro sua mão.

Sua pele estava pálida, as unhas com um esmalte em tom cinza descascando e a mão gélida. Eu sou louco por essa mulher, realmente não sei o que eu faria sem ela.

A doutora nos avisou que talvez demorasse até doze horas pra ela acordar e aí íamos ver se não ficou nenhum dano da cirurgia, eu estava tão ansioso pra ver ela acordada.

-Rafa, vamos lá pra casa, você precisa tomar um banho, comer alguma coisa. - Isabella fala abrindo a porta do quarto.

-Eu tomei um suco de laranja. - Falo e ela sorri de lado.

-A Mel não vai ficar feliz de saber que você tá fedido e sem comer. - Acabo rindo e concordo com ela.

-Mas tem que ser vapt vupt, eu quero estar aqui quando ela acordar. - Ela assente e eu levanto soltando a mão da Mel.

Me despeço dela e depois saio atrás da Isa.

Entro no carro e dirijo até o apartamento delas pra deixar a Isa lá, combinou de passar lá daqui uma hora e vou pra casa.

Entro e deixo a chave do carro na mesinha no hall de entrada.

-Filho? - Ouço minha mãe me chamando da cozinha.

-Oi. - Falo e ela vem tirando o avental até chegar em mim.

-Como foi? Você não avisou nada! - Fala ansiosa e eu sinto meus olhos enchendo de lágrimas. - Você tá me assustando menino! - Bate com o pano de prato no meu braço.

-Deu tudo certo mãe. - Caio no choro e ela me abraça.

-Aí que bom filho! - Ela diz afagando minha costa enquanto eu só desmorono. - Você precisa dormir menino, já nem sei a quantas horas você tá de pé. - Se afasta olhando meu rosto e averiguando se estava tudo bem.

-Daqui a pouco eu vou voltar pra lá mãe, ela ainda não acordou. - Aviso e ela revira os olhos.

-A amiga dela te avisa e você vai. - Diz simples.

-De jeito nenhum, eu vou tomar um banho e um energético. - Falo enxugando minhas lágrimas.

-E vai comer, tem lasanha na geladeira, vai tomar um banho que eu vou colocar a lasanha pra esquentar e não demora no banho que a água tá fraca hoje. - Manda e eu concordo.

Amando a dor.Onde histórias criam vida. Descubra agora