Só a metade não basta

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"Depois que um corpo comporta outro corpo, nenhum coração suporta o pouco."

Alice Ruiz

Ela deslizou as mãos da barriga lisa até as coxas alisando o tecido do vestido vinho que usava. Um tecido macio e leve que ia até o meio de suas coxas, A peça tinha mangas curtas e um decote redondo o que deixava praticamente sem mostra dos seios. Tinha um corte simétrico e elegante. Uma peça bonita mais simples da qual ela usava em casa quando queria vestir-se um pouco melhor, ou talvez ir a um shopping, ou fazer compras... nada especial.

Hinata encarou-se frente ao espelho, os cabelos negros azulados longos dessa vez estavam presos em um coque desconstruído enquanto sua franja grossa estava bem bagunçada dando um ar despojado a mulher, um par de brincos de pérolas e um cordão com pingente. Ergueu o pulso checando em seu relógio vendo estar quase na hora. Desceu então do quarto de modo a esperar pelo marido. Ela estava linda, perfumada, arrumada... E extremamente ansiosa por alguma razão, e sentia-se tão boba por isso. Talvez porque a presença dele havia se tornado ansiada por ela, afinal, cada vez mais as desculpas e atrasos começavam a tomar conta da rotina deles.

A mesa posta estava perfeita. Aino fizera um trabalho magnifico e embora a mesa fosse grande, porque eles costumavam dar jantares maiores para familiares e amigos, a forma montada pela mulher deixava o toque acolhedor e intimista aos dois apenas.

Intimidade... eles careciam daquilo de volta. A coisa toda parecia tão mecânica e fria... quase como uma obrigação matrimonial.

Hinata andou até o aparador, mexeu no arranjo de lírios-brancos novinhos que estavam ali e perfumavam incrivelmente o ambiente, ela os adorava em momentos especiais, tal como amava girassóis, cada qual com seu significado especial. Andou pelo espaço, serviu-se de água, bebeu um pouco, sentou-se no sofá... O pulso erguera novamente: quase oito da noite. Então seu celular vibrou na mesa ao lado e ela o puxou vendo se tratar de uma mensagem do marido. Abriu-a:

"Sinto muito, amor. Tive um imprevisto de última hora e acabarei me atrasando, farei o possível para chegar cedo"

Ela novamente sentiu aquele embrulho horrendo no estômago, como se tivesse um buraco ali. Respirou fundo. Pegou uma das suas novas revistas e começou a lê-la tentando inutilmente quebrar aquela sensação de descaso e abandono que aumentava subitamente. Lia tudo, mas não absorvia nada, e olha que aquela edição a havia deixado ansiosa já que teria uma matéria sobre Sai, marido de sua amiga Ino, como um conceituado artista contemporâneo que vinha ganhando notório destaque. No entanto, mesmo esse fator não a prendeu, somente a distraiu superficialmente. Olhou o relógio novamente, vendo que esse aproximava-se das nove. Ela tinha uma crescente frustração em si, questionou-se momentaneamente se o casamento havia amornado? Esfriado de repente e ela não se dera conta? Porque não conseguia simplesmente ver em que momento as coisas haviam mudado, quando as coisas a dois deixaram de ser prazerosas, desde quando o trabalho cansava tanto, desde quando eles pareciam dois estranhos ou aquelas rachaduras entre os dois tornava-se um abismo. quando uma simples conversa tornava-se arma na mão do outro e virava uma guerra?

Largou a revista sobre a mesinha de centro e levantou-se caminhando em direção ao bar, do lugar buscou apenas o saca-rolhas, voltou-se então a mesa de jantar e embora não fosse uma perita em vinhos, abriu aquela garrava de tinto muito habilmente a levando ao nariz em seguida apreciando o cheiro da uva por um instante, virou então o conteúdo no que seria sua taça de vinho e a encheu quase que completamente. Virou o primeiro gole fechando os olhos sentindo toda a acidez e nenhuma doçura da bebida que era perfeita para aquela carne, mas perfeita ainda para o seu estado de espírito naquele instante. Pegou a garrafa com a outra mão e saiu dali encaminhando-se pelas escadas em direção ao terraço da casa, esse ficava no terceiro andar e era elaborado exclusivamente para ser seu ateliê. Sobre uma mesa de apoio ela repousou taça e garrafa, e então alcançou um dos seus aventais o colocando, pegando um pequeno controle, ela ligou o som colocando ao fundo músicas Blue-eyed soul. Conhecendo cada canto daquele seu lugar especial, ela pegou uma tela mediana em branco e a colocou sobre o cavalete.

Reconquistando minha esposaOnde histórias criam vida. Descubra agora