-Não sabe como fiquei aliviada em saber que você já tinha sido transferido para o quarto, isso quer dizer que está se sentindo bem melhor, certo?
-Certo, tive um pouco de insônia, mas era só ansiedade e muita confusão na minha cabeça.
-E também você dormiu por doze dias, acho que tá bom de descanso né? _Eu disse rindo, e fazendo ele rir junto.
Por breves segundos apreciei o som das nossas risadas, e poderia ter feito aquilo por mais mil anos se eu pudesse.
-Senta aqui, tenho muitas perguntas pra fazer. _Ele falou, chegando para o lado e abrindo espaço para mim na cama.
-O que você quer saber? _Perguntei, me deitando ao seu lado com todo o cuidado do mundo.
-De tudo que aconteceu depois que eu cai naquela estrada e perdi você de vista.
Assenti e comecei a contar como fiquei em pânico por não saber se ele estava vivo ou morto, contei sobre me jogar do carro e tentar fugir e da sorte que tive ao encontrar com o meu pai na estrada, e demorei meia hora só para contar isso porque Miguel ficava me interrompendo reagindo a tudo e pedindo detalhes.
-... E então meu tio e meu pai ficaram cara a cara, os dois estavam armados e eu no carro assistindo tudo, estava apavorada, sabia que meu pai não teria coragem de usar aquela arma, mas tio Félix teria, e em algum momento eu tive plena convicção de que ele estava prestes a atirar, naquela hora eu fiquei cega, deixei toda a razão de lado e fiz uma loucura... _Fiz uma pausa, imaginando a cena do carro atingindo meu tio, do barulho abafado e do rosto assustado do meu pai.
-O que você fez? _Ele perguntou, trazendo minha atenção de volta.
-Primeiro eu precisei me lembrar dos seus sapatos surrados...
-Quê? por quê? _Indagou, rindo.
-Eu não fazia ideia de qual pedal era o acelerador, mas então me lembrei de um dia da nossa viagem até a serra, eu estava muito indignada com os seus sapatos, e lembrava perfeitamente do momento em que você acelerou o carro, e então eu soube qual era o pedal.
-Você é inacreditável! _Ele disse, rindo, mas então ficou sério de repente. -Mas... por que você acelerou o carro?
-Eu... atropelei o meu tio.
Miguel ficou em silêncio por alguns instantes, com a expressão de incredulidade estampada no rosto, precisou de alguns segundos para absorver o choque.
-Você... matou ele? _Ele perguntou, segurando minha mão e a apertando de leve, como se dissesse que me ajudaria a esconder o corpo se fosse necessário.
-No momento em que vi o corpo dele tombar em cima do capô e cair na estrada, jurei que tinha acabado de cometer um homicídio, mas ele despertou alguns minutos antes do socorro chegar, então eu pude respirar outra vez... a ambulância levou ele ao hospital e ele precisou de uma cirurgia, acho que enquanto você estava na sala de cirurgia, ele estava entrando em uma também. _Falei, dando uma risada irônica. -A vida e suas ironias... não tão adoráveis.
Ele fez uma careta, apesar de querer parecer durão boa parte do tempo, Miguel era bonzinho demais para se satisfazer com aquele "incidente", mesmo que fosse do homem que quase matara ele com um tiro.
-Mas ele está bem? o que vai acontecer com ele? e a empresa? _Perguntou de uma vez, imaginava que ele teria muitos questionamentos.
-Ele está bem, estava internado em outro hospital mas recebeu alta ontem, a polícia pediu que ele não saísse da cidade até que fosse chamado para depor. Meu pai já denunciou tudo, a tentativa de assassinato contra ele, contra mim, contra você, ele conseguiu uma confissão com um dos ajudantes do meu tio, o que tornou tudo mais fácil, ele deve ser preso em breve... é o que eu espero.
-Tomara que sim, mas me conta, seu pai voltou a administrar os negócios?
Não pude evitar sorrir, tinha sido um alívio ouvir da boca do meu pai que eu estava livre do fardo da presidência, e foi ainda melhor vê-lo na sala da diretoria outra vez.
-Sim, a empresa ficou alguns dias sendo cuidada pela minha madrasta, meu pai ficou um pouco ocupado com a situação da denúncia contra o meu tio e também ajudando sua vó e a mim enquanto estávamos revezando os dias aqui no hospital, mas já tem alguns dias que ele voltou a ser o presidente da empresa, e graças a Deus por isso, não sabe como fiquei feliz ao ter a certeza de que não precisaria comandar os negócios.
-Imagino, e fico ainda mais satisfeito em ver esse sorriso no seu rosto... _Ele disse, mas um instante depois sua fisionomia mudou e ele ficou parado por alguns instantes parecendo pensativo.
-No que está pensando?
-Que agora que não está mais presa aqui, com certeza vai fazer sua faculdade em outro estado, né? _Podia sentir a tristeza no tom de voz dele.
-É... eu conversei com meu pai sobre isso e ele me apoiou, só estou esperando passar as festas de fim de ano para fazer a matrícula, na verdade eu estava esperando você acordar, eu não iria embora enquanto você não acordasse.
Ele assentiu, parecia querer falar mais alguma coisa, mas apenas sorriu e me puxou para um abraço. Eu precisava daquele contato como precisava de ar para respirar, e ali, com a cabeça próxima ao seu peito, ouvindo seu coração batendo, eu só conseguia pensar em como tudo parecia certo e completo agora.
-Então quer dizer que amanhã é natal?! _Ele disse, depois de um momento precioso de silêncio.
-Sim, estamos todos animados, achamos que íamos passar o natal aqui, e depois que soubemos que tinha sido transferido para o quarto ficamos esperançosos de que fosse ter alta logo, então meu pai deu a ideia de fazermos uma ceia todos juntos.
-Vocês já fizeram tanto por mim, não quero que eu e minha vó sejamos mais um incômodo.
-Não seja idiota, você é meu namorado, e dona Marlene é a sua família, ou seja, somos todos família!
-Eu sou seu namorado, é? não lembro desse pedido específico! _Ele disse, levantando uma das sobrancelhas negras, os olhos verdes e hipnóticos me fitando.
-Sabe o que é... eu fiz o pedido enquanto você estava em coma, você sabe, para não correr o risco de receber um não.
-Então meu silêncio te garantiu um sim?!
-Isso, e também o monitor cardíaco, quando fiz o pedido ele oscilou um pouco, primeiro achei que estivesse morrendo, mas depois vi que era só sua resposta ao meu pedido. _Falei, sorrindo.
-Bom, se eu disse sim até insconsciente, não há muito o que fazer... _Ele fez uma careta, e meu sorriso se alargou ainda mais. -Namorada. _Murmurou, rindo e me enchendo de beijos por todo o rosto.
Eu passei a noite com ele, não dormimos quase nada, ficamos repassando todos os acontecimentos desde o momento em que ele me salvou em um beco escuro e me ofereceu sua jaqueta pela primeira vez, há quatro meses atrás. Rimos, choramos, ou melhor, eu chorei, ainda estava emotiva com o fato de tê-lo de volta. Assistimos seriados bobos na tv e dormimos juntos na cama estreita do hospital.
Na manhã de natal, já acordamos com boas notícias, Miguel estava de alta. Meu pai foi nos buscar na hora do almoço, e fomos direto para a mansão. Quando chegamos, Dona Marlene já estava lá ajudando Roberta com a ornamentação da ceia que aconteceria mais tarde, Miguel tomou um banho, conversou com a mãe no telefone e depois descansou um pouco durante a tarde. Eu e Louise ficamos no meu quarto fazendo nossas unhas, nunca tinha ficado tanto tempo sem cuidar da beleza, e no natal não faria minha manicure ir até mim, então eu e Lou nos aventuramos a ser manicures, cabeleireiras e esteticistas por um dia. Foi bom já que faziam semanas que eu e ela não sentávamos e aproveitávamos a companhia uma da outra sem preocupações vagando nas nossas cabeças.
Quando finalmente a noite chegou, ajudei com os últimos preparativos da sala de jantar, Dona Marlene gerenciou quase tudo, eu e Roberta nunca tínhamos nos preocupado com nada, só chegávamos quando tudo já estava pronto, mas naquele dia decidimos dispensar todos os empregados logo cedo, então Tina e Dona Marlene ficaram responsáveis por toda a comida e o resto ajudaria com a decoração.
-Aí está você, como se sente? _Ouvi Dona Marlene falar, e então me virei e vi Miguel aparecendo na entrada da sala de jantar.
-Eu gostaria que todo mundo parasse de perguntar isso, eu estou ótimo!
-Nada de dores? _Roberta perguntou, enquanto eu estava ocupada demais julgando mentalmente a camisa ridícula que ele usava.
-Nada de dores, dona Roberta.
-Se quiser continuar frequentando a minha casa é melhor que pare de me chamar de dona. _Ela disse, fazendo uma careta.
-É melhor ouvir o que ela diz, uma vez errei sua idade e dei um ano à mais a ela, e adivinha? eu dormi no quarto de hóspedes por uma semana. _Meu pai falou, chegando e parando ao lado de Miguel.
-Vou me certificar de nunca mais cometer esse erro. _Miguel respondeu. -Senhor Luíz eu queria que falássemos a sós assim que possível, tudo bem?
-Me chame apenas de Jonathan, Luíz é só meu segundo nome e eu não o uso muito, por isso foi mais seguro usá-lo enquanto trabalhávamos juntos, mas agora somos família... _Meu pai disse, dando um tapinha nas costas dele. -Mas podemos conversar depois da ceia, também quero falar com você.
Miguel assentiu, e em seguida todos nos sentamos ao redor da mesa. Tina apareceu com o peru, então, dada a largada, todos nos servimos ao som dos fogos que já estouravam do lado de fora.
Comemos enquanto ouvíamos pela segunda vez do meu pai toda a história desde o dia em que tio Félix tentou matá-lo.
Era uma terça a tarde quando ele recebeu um telefonema do meu tio pedindo que se encontrassem na antiga casa dos meus avós, tinha duas semanas que meu avô tinha morrido devido a um infarto, então eles estavam tentando vender a casa que ficava no interior da cidade. Meu pai não avisou a Roberta onde estava indo porque acreditou ser uma ida rápida, mas não foi exatamente assim que tudo acabou acontecendo. Ele estava na estrada, passando por uma ponte que ficava próxima a casa, quando foi parado por um carro, dois homens saíram e atiraram nele a queima roupa. Meu pai ainda estava consciente quando ouviu um deles falar ao celular com Félix, mas antes que ele pudesse ter qualquer tipo de reação, os dois o pegaram e o jogaram no rio que atravessava a ponte. Foi um milagre ele ainda ter tido forças para nadar até a margem, e por sorte conhecia aquele lugar perfeitamente já que passara parte da adolescência nadando naquele mesmo rio. Ele desmaiou e quando acordou estava no pronto socorro do bairro, um pescador tinha o encontrado e chamou ajuda, meu pai ficou internado por um mês, e foi nesse tempo que pôde pensar com calma sobre o que fazer em relação a tentativa de assassinato que tinha sofrido.
Ele sabia que se voltasse Félix ia tentar de novo, e ele não tinha provas contra ele, então decidiu sumir por um tempo, e enquanto isso procuraria meios de incriminar ele, mas tudo isso levou mais tempo do que ele pensava. O detetive contratado por Roberta para encontrá-lo, de fato descobriu seu paradeiro enquanto ele ainda estava no hospital, mas meu pai o pagou o dobro da quantia dada por Roberta para que o homem não dissesse nada a seu respeito. Depois disso, ele passou alguns meses fora da cidade, e outros meses morando bem perto de nós, no mesmo apartamento em que instalou Miguel nos últimos meses. Ele sempre esteve preocupado com o futuro da empresa nas mãos do meu tio e a cada ano mais preocupado com a minha segurança.
-E então teve um dia que eu estava tomando um café numa padaria no bairro de Fortaleza e ouvi a conversa de Miguel com um amigo, ele dizia que queria muito terminar a escola mas que não podia abandonar o emprego, que já não pagava o bastante para pagar todo o tratamento de sua vó, eu já estava pensando em contratar alguém para proteger Catarina mais de perto, e vi ali uma oportunidade. Fiquei mais uns dois dias seguindo ele, queria ter certeza de que era um homem direito, vi o modo como ele cuidava da vó, a levando para caminhar, como se dedicava ao trabalho no clube, sempre focado e dando o melhor de si, e foi então que tomei a decisão de pedir a ele que cuidasse da segurança de Catarina. Sabia que não me arrependeria, e tinha razão. Mesmo diante de todo o trabalho que você dava, filha, ele não desistiu de ficar por perto nem por um segundo. _Disse, me olhando, dei um meio sorriso para ele e em seguida olhei para Miguel, que estava sem graça diante dos elogios do meu pai.
-Eu... agradeço por isso, além do mais, se não tivesse me recrutado como segurança particular eu acho que não teria conhecido Catarina. _Miguel falou, em seguida deu um gole no vinho, ainda desconcertado.
-Eu não consigo imaginar um cenário onde vocês pudessem ter se conhecido em uma situação diferente, de fato... mas fico feliz que tenham se encontrado, você é definitivamente o melhor namorado que essa garota já teve, porque os outros só faltavam disputar com ela sobre quem tinha o closet maior! _Louise falou, e imediatamente a xinguei sem emitir sons e fiquei feliz de termos aprimorado nossa leitura labial no decorrer dos anos.
Antes que ela retribuísse minha demonstração de "carinho", todos nos atentamos ao meu pai, que batia com o garfo na taça, chamando a atenção outra vez. Eu já imaginava sobre o que ele falaria, há dois dias atrás estávamos conversando sobre o futuro, e eu disse ao meu pai que por culpa minha Miguel tinha perdido uma bolsa em uma faculdade privada da cidade, eu ainda não tinha esquecido aquela história, e não deixaria que ele se prejudicasse mais por minha causa. Para minha surpresa, papai me contou que ele quem tinha indicado Miguel para a bolsa na faculdade. Ele tinha um contato importante lá dentro que devia um favor a ele, mas como Miguel não compareceu no dia da entrevista, eles tiveram que oferecer a bolsa a outra pessoa. Também não estando satisfeito com o fato de Miguel ter se prejudicado, assim que soube que ele tinha acordado do coma, ele me prometeu que iria dar um jeito de conseguir mais uma chance para que Miguel pudesse ingressar em uma faculdade. Ele ainda não tinha me contado se conseguiu a nova bolsa ou não, mas ontem me disse que tinha ótimas notícias em relação a isso mas que só contaria quando todos estivéssemos reunidos na ceia. Me ajeitei na cadeira, ansiosa para que ele começasse a falar.
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Aquela jaqueta de couro
RomanceCatarina Aires mora em Blumenau desde que nasceu, é herdeira das empresas de sua família, escrava de uma posição que não quer ocupar e correndo um risco que desconhece, a jovem impetuosa será salva por um motoqueiro misterioso, o que ela não sabe é...