CATARINA

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  Como eu odeio acordar cedo. Eu até gosto da escola, não dos estudos, mas dos professores e dos meus amigos, mas custava as aulas começarem após o meio-dia? Por sorte, ou não, a escola acaba em poucos meses, o que me deixa muito apreensiva já que definitivamente não estou preparada para assumir os negócios da família. É isso mesmo, diferente de todos os adolescentes que conheço eu não tenho nenhuma pressa de completar meus 18 anos, mas só me restam três meses até a maioridade. Talvez soe como ingratidão o que vou dizer agora, mas sentada na minha cama enorme, olhando meu quarto imenso e perfeitamente decorado, saindo na sacada e observando meu grande jardim e carros caros na garagem, eu só consigo sentir um grande vazio. É legal ser rica, ter mordomias e luxos, mas nem tudo o dinheiro compra, e felicidade e amor são exemplos disso.
Meus pensamentos foram interrompidos pelo furacão Louise, que entrou afobada no meu quarto, como sempre.
-Sabe que está atrasada, não é? Revirei os olhos, abrindo o closet e ignorando-a.
-Acabei de ler o horoscópo da semana, e adivinha? vai ser uma boa semana para grandes feitos pra mim, acho que finalmente vou conseguir chamar o Bruno pra sair! _Ela disse, animada.
Bruno era nosso colega de turma, ele era o mais nerd de toda a escola, mas Louise era secretamente apaixonada por ele desde os 15 anos.
-Já está na hora, o seu tempo com ele está acabando. _Murmurei.
-Não me lembre disso! _Ouvi ela bufar, e mexer em uma das gavetas da minha penteadeira. -Não quer saber o seu horóscopo?
-Já disse que isso é besteira...
-Vai ser uma semana de novidades!
-Não me diga! _Ironizei, aquelas revistas sempre diziam coisas tão óbvias, só mesmo Louise para acreditar nelas.
-Um dia você ainda acreditará nos astros!
Dei uma risada e entrei no banheiro. Após me arrumar para a escola, eu e Louise descemos e encontramos Tina na cozinha com nosso café da manhã dentro de potinhos.
-Aqui, para vocês irem comendo no carro.
Tina tinha sido minha babá desde que eu nasci, por isso sempre foi uma pessoa de confiança do meu pai e da minha madrasta, o que deu a ela o cargo de governanta, podemos chamar assim, depois que fiquei grande o suficiente para não precisar mais de uma babá. Ela também era mãe de Louise, minha melhor amiga. Lembro que aos cinco anos ouvi Tina conversar com meu pai sobre ter que deixar o emprego, ela chorava muito e depois eu fui saber que o marido dela havia ido embora de casa e deixado ela e a filha sozinhas, com isso, Tina não tinha com quem deixar Louise. Eu implorei tanto para que meu pai a impedisse de ir embora que ele acabou sugerindo à Tina que viesse morar com a filha aqui em casa, e foi assim que eu acabei me aproximando de Louise e construindo a amizade que temos hoje.
-Você acha que ele vai dizer não ao meu convite de chamá-lo para sair?
-Eu acho que ele não sabe nem que mulheres existem... _Murmurei, acenando para o motorista do carro e me sentando no banco ao lado de Louise.
-Não seja maldosa!
   Quando entrei na sala para a terceira aula da manhã todas as garotas da minha sala já se aproximaram para elogiar meus novos sapatos e a maquiagem que usava naquele dia, de alguma forma eu era admirada por elas desde que éramos do ensino fundamental, e apesar de não entender todos aqueles elogios, eu tinha me acostumado e até gostava de toda a atenção.
-Obrigada meninas, e como foi o fim de semana de vocês? _Perguntei, enquanto seguia até minha cadeira e elas vinham atrás, falando todas ao mesmo tempo.
-Que máximo, Alice, e eu adoraria passar a tarde na sua piscina nova, Nina! _Falei apenas o que queriam ouvir para que ficassem felizes e me deixassem respirar um pouco.
Quando finalmente a professora de gestão entrou na sala, todas se afastaram da minha mesa e seguiram para seus lugares. Por um segundo eu olhei para fora da sala e vi quando um garoto passou devagar olhando para dentro, ele parecia mais velho e eu definitivamente nunca tinha o visto pela escola.
-Hoje vamos deixar as contas e a parte "chata", como vocês dizem, de lado e vamos debater um pouco sobre o futuro, em menos de três meses a mordomia de vocês acaba e vão ter que encarar a vida adulta, a faculdade, emprego, e precisamos ter um norte, afinal, ninguém quer sair da escola e ficar perdido enquanto a vida corre.
Já sabia que a aula ia ser estressante só pelo assunto, e para minha completa falta de sorte fui a sorteada por ela para começar o debate.
-Catarina, quais são suas metas após a escola?
Bufei, como se ninguém ali soubesse o meu destino estupidamente traçado.
-Eu não escolhi o meu futuro, escolheram por mim, então basicamente eu vou ocupar a cadeira da presidência da rede hoteleira da família Aires.
-A Aireshotels é uma empresa bem conceituada no estado, mas pelo seu tom presumo que não a interesse tanto...
-Nem um pouco!
-Tudo bem... se você pudesse se livrar dessa incubência, o que faria do seu futuro?
-Estudaria moda, e criaria uma marca de roupas.
-De fato, isso é muito mais a sua cara! Faça as suas metas talvez você possa concluí-las em algum momento da sua vida.
Achando graça da positividade dela, eu apenas ri, assentindo e dando a deixa para que ela pulasse para outra pessoa. O restante da aula foi um saco, fiquei ali ouvindo o futuro dos sonhos de todos os meus colegas de classe enquanto tentava desesperadamente esquecer o pesadelo entediante que seria o meu.
-Cats, hoje vou ficar para a aula extra de redação, você vai? _Louise perguntou, enquanto saíamos da sala.
-Se eu fosse fazer a prova do vestibular, talvez... mas como isso não vai acontecer, vou para minha casa que é melhor, pelo menos lá tem a comidinha deliciosa da Tina e uma hidromassagem perfeita após essa aula estressante.
-Beleza, avisa a minha mãe que chego antes das 14:00, e não precisa mandar o motorista vir me buscar, eu volto de ônibus mesmo.
-Eu não deixaria que andasse de transporte coletivo, gostaria que chegasse viva em casa.
-Você é muito dramática, um dia vamos dar um passeio no "transporte coletivo" e você vai ver que não é todo esse terror que você acha.
-Só de vê-lo de longe eu já fico satisfeita, mas já que insiste tanto em andar nesse troço, fique a vonta... _Parei de falar ao notar que Louise olhava para algum lugar atrás de mim com uma fisionomia esquisita. -O que foi?
-Tem um garoto encostado nos armários e está olhando demais pra gente, mas eu nunca o vi por aqui antes.
-Eu posso olhar?
-Disfarça! _Ela disse, como se não fosse ela a pessoa menos sutil que existisse, na verdade nós competíamos um pouco nesse quesito, talvez nossa única semelhança.
Quando me virei só vi um monte de gente que eu já conhecia, e ouvi Louise bufando atrás de mim.
-Ele percebeu que falávamos dele, assim que você se virou ele também virou e saiu apressado entre o pessoal.
-Vai ver ele nem estava olhando pra gente, você é meio paranóica!
-Okay, talvez eu seja, mas é estranho ver aluno novo no final do ano.
-Ele pode ser da turma do supletivo...
-Mas são cinco meses de aula pra essa turma, e o cara só deu as caras agora?
-Ah Lise, vai ver a gente que nunca notou a presença desse ser humano por aqui.
-Acho difícil, o cara é um gato!
-Queria ter tido a oportunidade de me certificar disso! _Brinquei, abrindo meu armário e pegando minha bolsa.
Depois de me despedir de Louise, segui pelo jardim da escola, alguns alunos estavam pelo gramado estudando, e me senti ainda mais injustiçada, queria poder estar estudando para o vestibular, odiava quando as pessoas me diziam coisas como "você tem sorte, não precisa se preocupar em ser alguém na vida porque já tem tudo planejado", "eu daria tudo para ter minha própria empresa aos 18 anos sem precisar passar por uma faculdade". Eu daria tudo apenas para poder escolher que caminho seguir na vida.

Aquela jaqueta de couroOnde histórias criam vida. Descubra agora