MIGUEL

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    Quando abri os olhos fui atingido por uma luz forte que me forçou a fechá-los outra vez, mas a voz que ecoava pelo quarto me obrigou a ignorar a luminosidade dolorosa.
Catarina estava discutindo com... a tv?!
-Isso aqui é um hospício? _Minha voz saiu abafada por conta de algo que ocupava metade do meu rosto, e quando eu o tirei de mim percebi que era um respirador. Ao falar senti como se minha garganta estivesse cheia de cimento, seca e fechada.
Assim que ela se virou para mim, todo incômodo na garganta, a sensação de sede, a cabeça dolorida, a falta de ar, tudo se esvaiu no momento em que aqueles olhos castanhos pousaram em mim. Esperei que ela dissesse alguma coisa, mas então ela começou a chorar, tapando o rosto com as mãos. Fiquei sem reação, eu odiava vê-la chorar, e não fazia ideia do porquê daquela reação, ela não estava feliz?
Tentei me mover para abraçá-la, mas percebi que estava ligado a vários fios e meu corpo não me obedeceu tão rápido quanto eu esperava. Observei rapidamente o ambiente ao meu redor e então a ficha de que eu estava em um hospital caiu, e algumas imagens borradas dos últimos acontecimentos que eu fora capaz de absorver passaram na minha mente como flashs.
Depois de mais um comentário meu, Catarina finalmente levantou a cabeça, secando as lágrimas e sacudindo levemente a cabeça tentando se recompor, ato que eu já tinha visto ela fazer bastante, e de repente percebi o quanto sentia falta dela, uma saudade esquisita estava instalada no meu peito, o que me deixou confuso, eu amava tanto aquela garota assim? até onde eu me lembrava talvez eu estivesse sem vê-la por um ou dois dias no máximo.
Catarina disse que precisava chamar uma enfermeira, mas assim como eu ela não parecia querer se afastar e com um pedido discreto consegui fazê-la ficar.
Ela ainda estava longe demais, cada célula do meu corpo implorava pelo toque de sua pele macia, então estendi a mão, esperando que ela se aproximasse. Assim que tocou a minha mão, em um ato inesperado - e necessário - ela se jogou em cima de mim, me envolvendo com seus braços pequenos.
Apesar de todas as sensações boas que aquele abraço me trouxe, também senti um incômodo no meu braço, o braço que tinha sido atingido por um tiro até onde eu me lembrava.
Mesmo lutando contra a dor, precisei pedir que Catarina se afastasse, mas me arrependi assim que os braços dela estavam longe de mim outra vez, aquela dor era pior. Ouvi ela se desculpando, mas não a olhei, estava encarando o curativo no meu braço, era um curativo pequeno para quem tinha acabado de levar um tiro, e a dor também não estava mais tão intensa como deveria... talvez fossem os analgésicos. Será que já tinham tirado aquela bala de mim? provavelmente sim, não esperariam muito, apesar de eu não fazer ideia há quanto tempo eu estava ali naquele hospital.
-Eu... vou chamar o médico, e avisar a sua vó, ela vai ficar feliz em saber que você acordou.
Olhei para ela ao ouvi-la falar na minha vó, e antes que ela saísse eu a chamei, ignorando meu ferimento e me atentando aos fatos que importavam. Catarina tinha sido levada por dois assassinos, um deles sendo o próprio tio, o pai dela tinha ido atrás deles de carro enquanto Roberta me trazia para o hospital, como será que as coisas tinham se desenrolado depois?
Minha vó devia ter ficado muito nervosa quando soube do meu incidente, como será que ela estava? Catarina parecia bem fisicamente, mas será que ela só estava se esforçando em parecer bem? Eu podia esperar pelas informações detalhadas, mas precisava me certificar de que todos estavam bem.
-Eu não estou conseguindo juntar os acontecimentos na minha cabeça, mas as últimas cenas não me parecem nada boas, só preciso saber se está tudo bem?!
Ela deu uma breve risada e me observou com um olhar diferente por breves segundos antes de responder.
-Agora está. _Disse e me deixando apenas com um sorriso, ela saiu.
Em menos de um minuto vi um homem e uma mulher entrarem, li rapidamente seus crachás enquanto eles verificavam os aparelhos ao meu lado. Eram um médico e uma enfermeira, ambos pareciam bastante entusiasmados em me ver acordado.
-Como se sente? _O médico perguntou, colocando uma luz forte em cada um dos meus olhos e em seguida voltando a analisar o monitor que estava do meu lado.
-Bem... eu acho, só estou com a garganta um pouco seca.
-É normal, ficou bastante tempo sem beber nada e sem falar, assim que ingerir um pouco de água vai melhorar.
-Bastante tempo quanto? _Perguntei, aquela dúvida já estava me matando.
-Hoje fazem doze dias, certo? _Ele virou-se para a enfermeira, que confirmou com a cabeça.
-Doze dias?! _Indaguei, assustado e surpreso.
-Eu sei que é confuso, provavelmente para você pareceram algumas horas, mas logo você vai se situar de tudo, vamos pedir alguns exames e te manter aqui no cti por mais algumas horas em observação, se tudo estiver bem você poderá se transferido para um quarto amanhã de manhã.
-E quando eu vou pra casa? _Perguntei, querendo sair dali o mais rápido possível.
-Isso só saberemos depois que sair os resultados dos exames que você vai fazer e também depende de como seu corpo vai reagir nas próximas horas.
Assenti, e enquanto o médico anotava algumas coisas numa prancheta, eu observei o quarto outra vez, e notei que tudo era de ótima qualidade, até mesmo a televisão que tinha sido alvo da ira de Catarina há alguns minutos atrás.
-Quanto vai me custar mais um dia nesse hospital?
-Perdão? _Ela indagou, confusa.
-Já passei muitos dias aqui, isso já vai me custar uma fortuna, porque estou certo de que isso não é um hospital público.
-Não, não é mesmo, mas suas despesas já foram pagas, não se preocupe com isso, agora eu vou providenciar seus exames e permitir que algum familiar venha te ver.
Mas é claro que tinha sido Catarina, quem mais seria? minha vó não tinha dinheiro para pagar nem o estacionamento desse lugar. Enquanto pensava em como faria para devolver toda aquela grana que eu nem sabia a quantia, vi minha avó abrir a porta, a expressão maravilhada no rosto e a mão trêmula no coração.
-Meu filho, você acordou mesmo!
-Parece que sim, mas a senhora está bem? _Perguntei, enquanto ela se aproximava, pegando a minha mão e dando vários beijinhos, algo que ela fazia sempre que eu estava doente quando criança.
-Eu estou ótima, meu querido, tão aliviada em vê-lo desperto!
-O médico disse que fiquei desacordado por doze dias, vó!
-Sim, foram longos dias, eu fiquei em pânico quando soube que você tinha levado um tiro, eu sabia que devia ter te afastado de todo esse rolo de gente rica desde o começo!
Dei um meio sorriso, enquanto ela se sentava na cadeira ainda segurando a minha mão.
-Não vó, isso não foi nada comparado ao caos que poderia ter sido, eu precisava estar envolvido no "rolo" dessa gente rica, não se arrependa disso, porque eu não me arrependo, mesmo tendo perdido doze dias numa cama de hospital.
Ela sorriu, acariciando o dorso da minha mão.
-Acho que tem razão, e essa família foi muito generosa conosco, o senhor Jonathan Aires pagou todas as despesas do hospital, a senhora Roberta te trouxe até aqui o mais rápido que pôde e a Catarina... ela é um amor, a menina ficou desamparada, passou todos os dias aqui, só saía de noite para ir descansar em casa e de manhã voltava antes mesmo do meu turno como acompanhante terminar, se ela precisasse disputar comigo por um segundo a mais do seu lado, ela sem dúvida disputaria.
-Tenho certeza que sim. _Falei, dando uma risada, imaginando que Catarina não hesitaria em brigar nem mesmo com uma senhorinha para conseguir o que queria. -Mas não devia ter permitido que o senhor Aires pagasse nada!
-Meu neto, pelo o que soube você chegou no hospital a beira da morte, não podia me dar ao luxo de negar nada, queria que tivesse o melhor atendimento possível, e ele também não ia abrir mão tão fácil, é um homem de muito cárater.
-É, eu sei... depois resolvo como farei para retribuí-lo, agora quero que me conte como a senhora ficou durante esses dias, e a sua saúde?
Ela começou a contar tudo, e eu fiquei ali ouvindo com toda a atenção do mundo, afinal, apesar de só ter descoberto agora, faziam semanas que eu não ouvia suas histórias.
    Minha noite de sono não foi das melhores, rolei na cama boa parte da noite. A ansiedade para encontrar Catarina na manhã seguinte também contribuiu para a minha insônia, eu tinha ficado semanas apagado, sem conversar com ela, sem vê-la, e não via a hora de recuperar cada segundo perdido.
Quando o sol raiou, recebi mais uma visita do médico e logo fui transferido para um quarto, o que era uma ótima notícia de acordo com o doutor, eu estava me recuperando muito bem. Enquanto tomava café, a porta foi aberta e vi a cabeça de Catarina aparecer no vão, sorridente, exatamente como eu tinha imaginado durante toda a madrugada.
-Ai minha filha, ainda bem que chegou, esse aí ficou em cólicas a noite inteira à sua espera, pelo visto a minha presença não é mais tão importante quanto antes. _Minha vó disse, rindo e me dando um beijo na testa.
-Não seja boba, eu adorei passar a noite com a senhora, mas não vou mentir que não via a hora de ver você. _Falei, olhando para Catarina, que ainda sorria de orelha a orelha, iluminando o quarto inteiro. 
-Achei que só eu tinha acordado de uma em uma hora durante a madrugada esperando que meu alarme tocasse logo. _Ela disse, cumprimentando minha vó com um abraço e em seguida vindo até mim. -Como você se sente? Estou feliz em vê-lo fora daquele CTi, sabe quantas pessoas morreram ali em duas semanas?! bom, não queira saber.
-Eu me sinto bem, e estou muito feliz de não ter sido uma dessas pessoas...
Esperei que ela sorrisse, mas apenas sacudiu a cabeça como se quisesse apagar a mínima possibilidade e então fiquei pensando em tudo que ela passou naqueles dias, me coloquei no lugar dela e cheguei a conclusão que teria enlouquecido diante da mínima possibilidade de perdê-la.
-Bom, vou deixar vocês, preciso fazer nossas compras para a ceia de Natal, o médico falou que se ele continuar progredindo amanhã mesmo estará em casa.
-Natal?! não é um pouco cedo para pensar na ceia? _Indaguei.
-Meu amor, sabe que hoje é dia 23 de dezembro, né? _Catarina disse, fazendo uma careta.
-Não é possível... é muito... bizarro, eu apaguei no dia 12 e eu literalmente, dormi e acordei no natal!
-É confuso querido, mas logo as coisas se ajeitam na sua cabeça, agora eu vou indo.
-Dona Marlene, não se preocupe com a ceia, meu pai pediu que eu os convidasse para passar o natal com a gente, se vocês quiserem, claro.
-Minha querida, vocês já fizeram tanto por nós, não podemos aceitar!
-Isso não é um presente, na verdade seria uma ótima forma de agradecimento se comparecessem na ceia.
Minha vó olhou para mim esperando pela minha opinião, então assenti com a cabeça, concordando e vendo o sorriso de Catarina aparecer outra vez.
-Então está combinado, quando Miguel tiver alta nós o levaremos lá pra mansão, e encontramos a senhora lá.
-Perfeito, pode deixar que levarei roupas limpas pra você, meu filho! Ah, e sua mãe ligou hoje cedo mas você finalmente tinha dormido então disse que você retornaria assim que possível, não se esqueça.
Apenas assenti, sabia que minha mãe não podia largar a família que tinha para ficar ali comigo, mas esperava ao menos vê-la agora que tinha acordado de um coma. É como todos dizem: decepcionado, mas definitivamente não surpreso. Nos despedimos da minha vó, e finalmente eu e Catarina ficamos a sós, eu tinha tanta coisa para perguntar a ela.

Aquela jaqueta de couroOnde histórias criam vida. Descubra agora