O sol já tinha se posto quando Catarina despertou de mais uma de suas várias cochiladas, eu a observei de soslaio quando ela levantou do encosto do banco e pegou o pacote vazio, a procura de mais pão de queijo, mas ela comia dois a cada vez que acordava, e agora não tinha restado mais nada.
-Está com fome? _Perguntei, e ouvi ela arfar.
-O que que você acha? estou a base de suco e pão de queijo desde às sete da manhã, e também estou com dor nas costas de ficar nesse banco, e preciso de um banho! _Ela reclamou, cruzando os braços e fitando a estrada, de cara amarrada.
-Pior que eu também estou começando a sentir fome, ao contrário de você, eu só bebi meu suco mesmo, a madame light comeu todos os pães que eu comprei!
-Muito engraçado, em minha defesa eu passei a noite anterior enchendo meu estômago de álcool e uns canapés miseráveis!
-Bem que minha vó sempre disse que ricos não sabem dar festas.
-Não sei se concordo, nunca fui em festa de pobre para comparar.
-Pois saiba que nas nossas festas você sairia até com uma marmita para comer no dia seguinte.
Observei ela fazer uma careta, enquanto ria e mexia no celular.
-Preciso carregar meu celular também, Roberta quer que eu mande notícias de uma em uma hora!
-Tudo bem, pelo o que indica o gps só faltam mais um hora e meia até o destino final, acha que aguenta?
-Não mesmo, uma hora e meia é muita coisa para quem não sente mais nem a própria bunda.
- Então o que acha de pararmos em alguma hospedagem? podemos comer alguma coisa, dormir algumas horinhas e assim que clarear voltamos para a estrada.
-Eu acho ótimo! não vejo a hora de esticar as pernas em uma cama confortável!
Ficamos pouco mais de vinte minutos procurando um lugar para passarmos a noite, e depois ainda levei mais algum tempo tentando convencer Catarina de ficar em uma pousada, já que na estrada só tinham motéis baratos, enfim ela concordou, insatisfeita.
Enquanto estacionava o carro Catarina saiu e foi na frente ver se tinha quartos disponíveis, e quando entrei na recepção carregando nossas mochilas, a vi andar até mim com uma cara engraçada.
-Dê meia volta, não vou ficar nesse lugar! _Ela murmurou, me empurrando para a porta.
-Posso saber por quê? _Perguntei, sem sair do lugar.
-Os quartos não tem banheira, e isso não é o pior, eles não possuem ar condicionado!
A encarei por alguns instantes esperando que ela me dissesse que era piada, mas logo vi que ela falava sério.
-Então vamos para o motel do outro lado da rua, tenho certeza que deve ser bem aconchegante dormir nas camas onde mil casais já tr...
-Okay! inferno... _Ela resmungou, me interrompendo, revirando os olhos e observando a televisão de tubo que ficava na estante da recepção. -Nem mesmo as tvs de tela plana chegaram nesse casebre.
-Será que pode falar baixo?! _Pedi, quando vi a faxineira olhar para nós de cara feia.
-A verdade dói... _Rebateu, enquanto me seguia até a recepção.
Concordamos em pedir apenas um quarto com duas camas de solteiro, eu tinha que poupar o dinheiro que o pai de Catarina tinha me dado, e Catarina teve um pequeno surto ao notar que a madrasta não tinha colocado seus cartões de crédito na mochila.
Quando entramos no quarto eu achei ele melhor do que imaginava, não era espaçoso, mas tinha um guarda roupa, duas camas, um ventilador de teto e um banheiro com água quente, para mim já era mais que o suficiente, mas para Catarina não foi bem assim.
Após reclamar do quarto ter toalhas beges em vez das brancas, e alegar que aquilo era um crime na hotelaria, falar sobre o barulho que o ventilador fazia e do box do chuveiro ter cortinas e não blindex, ela finalmente cansou e após um banho de quase uma hora, que eu julguei ter acabado com a água daquele lugar, ela saiu renovada.
-Já pediu a comida? _Perguntou, tirando a toalha da cabeça e penteando os cabelos úmidos.
-De acordo com esse aplicativo por aqui só tem uma lanchonete, vende pizza e hambúrguer, o que vai querer? _Perguntei, tentando mexer no celular dela, aquilo parecia um robô.
-Não tem algo menos... gorduroso?
-Você pode pedir que tirem a carne, o bacon, o queijo e o presunto do hambúrguer e só comer o pão, ovo e alface, o que acha? parece ótimo! _Falei, forçando uma cara de nojo, e rindo após vê-la fechar a cara.
-Peça uma pizza, mas dois sabores, não quero nada de bacon e calabresa!
-Okay... metade da pizza feliz, que é a minha, e metade da pizza triste, que é a sua. _Disse, fazendo o pedido.
Catarina estava ao celular conversando com Roberta quando ligaram da recepção pedindo que fôssemos buscar a pizza, então eu desci e quando voltei ela estava sorridente sentada na cama.
-O que foi? te trouxeram toalhas brancas? _Brinquei, e sorri ao vê-la rir da minha piada.
-Não idiota, acabei de falar com a Roberta, ela me contou que como era de se esperar o evento da posse não aconteceu, meu tio apareceu na mansão e parecia furioso, ficou perguntando onde eu estava e então ela disse que eu passei mal na festa e precisei ficar em observação, não deixou ele se certificar do que ela dizia, o que provavelmente o deixou desconfiado...
-Acha que ele pode fazer alguma coisa?
-O que ele poderia fazer? invadir meu quarto para ter certeza de que eu estava mesmo doente?
-Não sei, ele já provou que é capaz de tudo.
-Isso é verdade, mas Roberta disse que ele saiu enfurecido e não voltou mais.
-E será que isso é um bom sinal?
-Eu espero que seja!
-Mas era por isso que estava toda alegre quando entrei?
-Não, era porque Roberta estava radiante ao telefone, assim que ela ligou eu já fui falando sobre o meu pai, e ela confirmou que ele está realmente vivo, depois que saímos no carro de madrugada ela recebeu outra mensagem dele, e então marcaram um encontro secreto, apesar de estar insegura ela foi, e lá estava o meu pai, em carne e osso! _Catarina disse, e percebi quando a voz dela embargou, parecia emocionada ao concluir as palavras.
-Eu me sinto até idiota por não ter pensado na possibilidade do seu pai ser o Luíz, eu ficava pensando que poderia ser algum outro parente ou até mesmo um amigo de confiança da sua família!
-Ainda não caiu a ficha, eu só vou acreditar que ele está vivo quando vê-lo na minha frente. _Ela falou, vindo se sentar na minha cama e pegando um garfo enquanto eu abria a pizza.
-Eu espero que tudo se resolva logo e ele não precise mais se esconder, e nem você...
-Como meu pai vai conseguir provas para mandar meu tio pra cadeia?
-Acho que nem ele tem muita certeza de como vai fazer isso, mas se ele fizer o que me contou, provavelmente a essa hora ele está com o assassino de aluguel que seu tio contratou.
Vi quando ela arregalou os olhos e me encarou boquiaberta.
-Como assim com o assassino? ele ficou louco?
-Pensei o mesmo, ele me disse que ia sequestrá-lo e fazê-lo confessar que Félix estava tentanto matar você, com certeza o cara deve ter conversas salvas ou alguma conta bancária na qual seu tio transferia dinheiro para ele, tem grandes chances do seu pai conseguir as provas ainda hoje.
-E como vamos saber a hora de voltar? _Perguntou, enfiando um pedaço de pizza na boca.
-Seu pai me manterá informado das coisas.
-Então você tem contato com ele? eu posso ligar pra ele? _Ela questionou, animada, quase derrubando a pizza na cama.
-Ele não meu deu nenhum número, apenas ele pode me ligar ou mandar mensagens, por questões de segurança.
Ela suspirou, desapontada. Ficamos em silêncio por mais alguns minutos, matando a nossa fome, e então observei ela me olhar e parecia querer perguntar alguma coisa.
-O que foi?
-O que você achou do meu pai? _Perguntou, como se apenas estivesse esperando a deixa.
-Ele... sabe, no começo achava ele frio, rigoroso, um pouco neurótico, porque eu não via como você poderia estar correndo todo aquele perigo de que ele sempre falava, mas depois passei quase a admirá-lo, se mostrou muito compreensivo e solidário comigo e com a minha vó, até mesmo quando eu fui até o esconderijo dele às seis da manhã pra dizer que não ia mais trabalhar seguindo você.
-Ele confia em você, e isso não é uma coisa fácil de se conseguir do meu pai.
-Sim, ele me disse isso, principalmente depois que eu disse que estava... _Calei a boca assim que notei que ia me comprometer, talvez aquele não fosse o momento dela saber que eu tinha declarado meus sentimentos por ela ao pai dela.
-O que? estava o quê? _Ela indagou, insistente como era de se esperar.
-Nada, é melhor guardarmos o resto dessa pizza para o café da manhã e irmos dormir. _Disse, me levantando com a caixa na mão.
-Eu não vou esquecer disso, na verdade, ainda tenho alguns questionamentos para te fazer, mas deixa pra depois, você realmente precisa dormir.
-Não entendi essa intonação sugestiva no final da frase.
-Ah você sabe, está meio acabado. _Ela disse, dando um risinho e pulando para cama dela.
-Isso foi cruel vindo do motivo de todo meu cansaço e preocupação!
Ela fez uma careta sem desviar os olhos dos meus, e essa era uma das coisas que eu mais gostava nela, ela nunca recuava, estava sempre mantendo a conexão através do olhar penetrante que tinha.
-Então eu sou o motivo da sua decadência?
-Pode apostar que sim, sabe a última vez que dormir? _Indaguei, mas não esperei que ela tentasse responder. -Há umas 32 horas atrás!
-Eu sabia que tinha o poder de tirar o sono de alguém, mas não sabia que era tão forte assim.
Observei ela lançar aquele sorriso cínico que só Catarina Aires sabia dar, e depois puxar a coberta, deitando-se de costas para mim. Precisei me concentrar para não ceder ao desejo de ir até ela e a envolver nos meus braços, meu cansaço ajudou com isso, apaguei as luzes e me deitei.
-Boa noite, Catarina.
-Boa noite, Miguel. _Ela sussurrou, e sua voz foi a última coisa que ouvi antes de cair em um sono profundo.
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Aquela jaqueta de couro
RomantizmCatarina Aires mora em Blumenau desde que nasceu, é herdeira das empresas de sua família, escrava de uma posição que não quer ocupar e correndo um risco que desconhece, a jovem impetuosa será salva por um motoqueiro misterioso, o que ela não sabe é...