CATARINA

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   Quinta-feira era sempre o dia mais chato da semana, só tinham aulas da área de exatas, que nunca foi o meu forte, e assim que terminavam minhas aulas eu tinha que correr para o curso básico de administração que minha madrasta, Roberta, estava me obrigando a fazer com um dos coordenadores da empresa.
E falando em madrasta, imagino que não esteja passando uma boa imagem dela, na verdade, ela não é esse monstro que eu faço parecer mas também não é uma das pessoas mais agradáveis para se conviver, por sorte ela esta viajando na maior parte do tempo.
Quando ela se casou com meu pai eu tinha oito anos, e apesar de deixar claro que não gostava da ideia de cuidar de uma criança que não era dela, ela nunca me tratou mal, e também nunca dei trabalho a ela já que quem cuidava da parte difícil da criação era o meu pai e a Tina. Depois que meu pai sumiu, sim, isso mesmo que acabou de ler, meu pai saiu de casa em uma quinta-feira a tarde e nunca mais voltou - mais um motivo para que eu odeie as quintas-feiras -, Roberta ficou mal com o sumiço repentino do meu pai e começou a gastar o dinheiro dele em viagens, mas também tomou para si a obrigação de me preparar para ocupar a cadeira da presidência da AiresHotels.
Pelo menos uma vez na semana ela ligava para Tina querendo saber se eu estava comparecendo às aulas do maldito curso e se eu estava indo às reuniões com meu tio, Félix, que era quem estava na presidência pelo menos até eu fazer 18 anos. Eu não entendia porquê meu tio não podia ficar com a presidência para ele, eu não tinha jeito para os negócios, já ele parecia fascinado por tudo aquilo.
  Depois do curso eu fui direto para casa, estava exausta de todos aqueles números, leis, contratos, tinha certeza que iria falir as empresas na primeira semana em que fosse responsável por elas. Sai do banho com meu roupão e enquanto penteava os cabelos fui até a sacada da varanda dar uma olhada no céu, o sol estava prestes a se pôr e aquela era minha hora favorita do dia.
Em alguns minutos o céu já estava lilás, quase completamente escuro, e quando fui voltar para dentro do quarto notei alguém do outro lado da rua, por estar distante eu não consegui ver seu rosto com exatidão, mas era um garoto, talvez um homem já, e estava encostado na árvore ao lado de uma bicicleta. Queria correr para dentro do quarto e pegar meus óculos, talvez me ajudasse a olhar o rosto do cara, mas acho que ele notou que eu estava o olhando de volta e subiu na bicicleta rapidamente, sumindo de vista.
Enquanto ficava intrigada com a possibilidade de ter minha casa vigiada por alguém, Louise entrou no meu quarto como de costume, sem bater.
-Roberta ligou para minha mãe e perguntou sobre você, disse que volta da Europa em novembro para saber como andam os preparativos para sua posse da presidência, falou algo sobre não deixar que seu tio se sinta livre demais porque ele poderia facilmente passar a perna em você.
-Ela tem um medo idiota de que meu tio queira as empresas só para ele, e na verdade se ele me pedisse e Roberta não me impedisse eu as darias com alegria.
-Mas é a sua herança, Roberta pode ser avoada e pouco presente mas ela se preocupa com você e em realizar aquilo que acha que era o que seu pai ia querer, que você tomasse o lugar dele nas empresas.
-O meu pai não tem que querer nada, se ele não está aqui não tem lugar de fala na minha vida.
-Você ainda acha que ele foi embora porque quis, não é?
-Não vejo outra explicação. Roberta acha que ele está morto, mas a polícia passou meses investigando e não achou nada, com o dinheiro que ele tem pode muito bem ter ido para um lugarzinho desses no fim do mundo.
-Eu não acho que ele deixaria você...
-Vamos mudar de assunto? _Pedi, odiava falar do meu pai. -O que são essas coisas que trouxe? roupas novas?
Louise fez uma careta.
-Muito engraçada, mas são fantasias para a festa de amanhã!
-Tinha esquecido dessa festa!
-O Jonas vai?
Jonas era o meu atual namorado, eu tinha conhecido ele em uma das sessões de fotos que eu fazia para uma loja de roupas da cidade, sim, eu também modelava nas horas vagas - apesar da minha madrasta não gostar nem um pouco dessa "exposição desnecessária e sem credibilidade" - Jonas era um dos sócios da marca de roupas, e após uma longa conversa sobre a coleção de inverno, o lindo e rico empresário me chamou para um jantar, e apesar de ser três anos mais velho do que eu, começamos a namorar uma semana depois do primeiro encontro. 
-Você jura que acha que ele sendo super ocupado e metido homem maduro vai querer me acompanhar em uma festa do colegial?
Louise fez uma careta reconhecendo o quão estúpida tinha sido sua pergunta.
-Tem razão... enfim, já sabia que esqueceria da festa e como você precisa arrasar, já que as expectativas em cima de você sempre são grandes, quando voltava da aula de redação eu passei na loja de fantasia e trouxe algumas.
-Tenho certeza que todas são de cartomante... _Falei, observando ela esticar as roupas na cama.
-Quase acertou, mas essa já é a minha fantasia escolhida, e não vou querer competir com você.
-Definitivamente não precisa se preocupar com isso porque videntes não fazem o meu tipo.
-Olha, eu trouxe Ariel, achei que ia combinar com seu cabelo, também tem viúva negra, daphne do scooby-doo...
-Você só trouxe fantasias de personagens ruivas?
-Achei que você não ia querer ficar andando de peruca por aí.
-É por isso que eu te amo.
    Na sexta-feira de manhã eu estava decidida a não aparecer na escola, já teria que aguentar meus colegas na festa mais tarde, e como só teria aula de educação física e inglês eu preferi passar mais tempo na cama. Antes que escurecesse eu decidi ficar um tempo no jardim, e enquanto desenhava algumas roupas das milhões que sonhava em produzir um dia, algo me chamou a atenção do outro lado da rua. Ali, encostado na árvore com um boné preto que tapava parte do seu rosto, estava um cara, que parecia ser o mesmo que aparentemente espionava a minha casa ontem. Distraído com o celular, ele ainda não tinha visto que eu estava o olhando, e aquela era a minha chance de descobrir quem era ele e porque estava espionando a minha casa. Aquilo poderia ser perigoso, e admito que estava com medo, mas isso nunca tinha me impedido de nada, e tinha um segurança próximo do portão, eu estaria segura caso aquele cara quisesse fazer algo contra mim.
Quando o portão abriu, fazendo barulho, ele levantou o olhar do celular, mas não o suficiente para que eu conseguisse olhar seu rosto por completo. Antes que eu pudesse atravessar a rua o babaca subiu na bicicleta idiota e deu partida.
-Ei! Quem é você? _Gritei, mas ele nem sequer olhou para trás, apenas continuou pedalando até virar a esquina.
Bufei de raiva, queria correr atrás dele mas o cara era rápido como o vento.
-Senhorita Aires?! _Ouvi uma voz atrás de mim. -Aconteceu alguma coisa?
-Está tudo bem... eu só pensei ter visto alguém ali e... esquece! _Murmurei, e após a fisionomia confusa do segurança eu apenas acenei e voltei para dentro de casa.
Se eu dissesse a ele sobre minhas suspeitas de que a casa estava sendo vigiada ele ia acionar a minha madrasta e ela mandaria o próprio FBI acampar aqui na frente, e eu não precisava de mais seguranças.
-Cats, eu estava procurando você! _Louise falou, aparecendo na sala enquanto eu entrava.
-Só fui desenhar um pouco...
-Tem certeza que foi só isso? tá estranha...
-É só um cara que estava do outro lado da rua, parecia que vigiava a casa, mas eu não consegui ver o rosto dele.
-Ele ainda está lá fora?
-Não, assim que notou que eu estava me aproximando ele subiu na bicicleta e foi embora.
-Suspeito... muito suspeito, por que ele fugiria?
-Para não ser pego, né!
-Muito engraçada, mas quero dizer, o que levaria ele a não querer ser pego, você entendeu!
-Eu não sei, mas também não quero ficar criando teorias na minha cabeça.
-Eu amo criar teorias!
-É Lise, eu sei bem disso... mas e então, o que queria comigo? _Desconversei antes que minha amiga de imaginação fértil começasse com suas devagações.
-Queria pedir aquela sua bota vermelha emprestada, acho que vai combinar com meu look de cartomante!
-Você tem sorte de usarmos o mesmo número de sapatos, e é claro que empresto, ou melhor, pode ficar com ela, eu nem sei porque comprei aquele troço.
Louise fez uma careta, parecendo magoada, mas logo sorriu e me abraçou.
-Obrigada! e eu sei porque comprou "aquele troço", foi porque era lançamento e você nunca deixa de adquirir um lançamento!
Eu assenti, ela tinha razão.
-Acho que está na hora de nos arrumarmos para a tal festa.
-Está mais do que na hora! E você já escolheu sua fantasia?
-Assim que eu estiver pronta você verá! _Disse, seguindo ela até o andar de cima.

  Quando eu encontrei com Louise na varanda tive que dar o braço a torcer e admitir que a fantasia dela estava realmente muito boa, apesar de excessivamente colorida.
-Jessica Rabbits! imaginei que seria essa, Ariel era óbvio demais e Daphne bobinha demais pra você. _Ela disse, me olhando.
Dei uma viradinha e joguei meus cabelos ruivos para trás em uma tentativa, de sucesso diga-se de passagem, de ser tão sexy como a minha personagem era.
-Você vai dar trabalho essa noite! _Louise disse, me puxando em direção ao jardim.
-Se não for pra ser assim eu nem saio de casa!
  Assim que o carro estacionou em frente a boate já podíamos escutar a música alta e as luzes coloridas que tomavam a rua inteira. Eu sempre gostei de festas, era legal se conectar com pessoas que você não conhecia, pessoas que não te bajulavam o tempo todo só por quem você é, e obviamente festas eram um bom motivo para eu colocar meu dom da moda em prática e ousar no estilo. Infelizmente naquela festa não poderia nem deixar de ser bajulada, afinal, todos ali me conheciam, e nem ousar do meu estilo, eu só estava imitando a roupa de alguém, ou seja, preferia estar em casa.
-Pensei que não viesse, já estava pronta para ligar no seu celular! _Heloísa disse, gritando ao me ver entrar.
-Mas só me atrasei uns quinze minutos! _Rebati.
-Okay, isso não importa, vamos entrando que as meninas estavam especulando qual seria sua fantasia, e a propósito, você é a Jessica mais bonita da festa!
-Espera aí, tem outra Jessica Rabbits aqui? _Interrompi, parando imediatamente.
Heloísa riu, forçadamente.
-Eu estava brincando, só queria ver sua reação!
Forcei um sorriso amarelo e peguei a primeira bebida que vi na minha frente, por sorte eu levei minha pequena dose de álcool na bolsa, e com isso a misturei com a bebida, mas precisaria de mais umas mil doses para me impedir de surtar naquela festa.
-Enquanto você vai para sua "coletiva de imprensa"... _Louise debochou. -Eu vou atrás do meu harry potter que está sozinho! _Ela falou, acenando com a cabeça para o nerd com um óculos redondo e uma capa fajuta.

Aquela jaqueta de couroOnde histórias criam vida. Descubra agora