MIGUEL

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   Quando da minha varanda vi que a festa havia terminado, sabia que era a hora de começar a agitar meus planos de tirar Catarina da mansão. Esperei duas horas para ter certeza de que todos estariam em um sono pesado, qualquer mínimo deslize e eu colocaria tudo a perder. Quando deu cinco horas em ponto, coloquei minha mochila nas costas, e sai do prédio, me concentrando em como faria para entrar na mansão sem ser notado. Abri o portão pequeno da entrada e antes de seguir até os fundos da casa, me certifiquei de que o segurança não estava por perto, depois disso segui pelos cantos da propriedade, meu coração batia tão alto que eu quase achei ser capaz de ouvi-lo. Quando cheguei na janela da cozinha onde Luíz tinha me instruído a entrar, notei que ela já estava escancarada, de imediato fiquei aliviado, mas em seguida entrei em pânico, talvez quem estivesse tentando matar Catarina também soubesse da facilidade de entrar por aquela janela. Senti meu corpo inteiro estremecer, mas me obriguei a entrar e agir o mais rápido possível, se o assassino estivesse lá dentro eu não iria dar mais tempo a ele.
Subi na bancada da pia, e por sorte estava livre, desci com cuidado mas com pressa, e no momento em que seguia até a sala para subir para os quartos, vi uma sombra no vão da entrada da sala. Por um momento senti minha respiração falhar. Eu tinha sido pego.
Vi quando a sombra da mulher alta se aproximou até ser iluminada pela luz da lua que entrava pela janela, pela expressão dela não soube dizer o que ela estava pensando, mas eu estava de mãos atadas naquele momento.
-Dona... _Murmurei, quase num sussurro.
-Ela está no quarto, vou acompanhar você se não se importar. _Falou, meneando com a cabeça.
Eu não consegui sair do lugar, estava confuso com aquilo. Ela não chamaria o segurança? a polícia?
-Você vai ficar aí parado?
-Espera... eu não entendo, não vai surtar por eu ter invadido a sua casa? _Indaguei, ainda sussurrando.
-Recebi uma mensagem durante a festa, ainda estou tentanto entender tudo o que está acontecendo, mas fui fortemente convencida a ajudar você a tirar Catarina daqui o mais rápido possível.
-Então foi a senhora que deixou a janela aberta?!
-Sim, agora vamos logo!
-Poderia ter aberto a porta pra mim então, não precisaria entrar como um ladrão! _Murmurei a acompanhando, e ouvi ela bufar em reação ao que eu dissera.
Caminhamos pelo corredor dos quartos e eu comecei a ficar nervoso outra vez.
-Espera, quando Catarina acordar vai surtar e sair gritando pela mansão, isso não vai ser muito legal! _Sussurrei, quando chegamos na porta do quarto dela.
-Eu dei um calmante para ela antes de colocá-la na cama, ela pode até ficar consciente mas vai ser quase como uma marionete, só vai precisar controlar o surto dela mais tarde quando o efeito passar... boa sorte. _Ela sussurrou as últimas palavras, abrindo a porta do quarto.
O quarto estava quase completamente escuro se não fosse pela luz do banheiro que estava acesa, dando uma baixa iluminação ao ambiente.
-Pega a mochila dela ali no canto, eu coloquei algumas roupas e utensílios que ela não vive sem, vai ser importante para evitar um surto maior do que o esperado. _Roberta disse, pegando um casaco do cabideiro e indo até Catarina, que estava deitada embaixo das cobertas.
Roberta a levantou da cama e colocou o casaco dela por cima da camisola preta e observei quando Catarina resmungou, mas não deu menção a despertar completamente, o que foi um alívio.
-Me dê a mochila dela, e pegue ela para levarmos até o carro... você tem um carro, não é? _Roberta indagou, preocupada de repente.
-Sim, está estacionado do outro lado da rua. _Falei, a entregando a mochila e indo até Catarina.
Passei a mão pelo pescoço dela e senti seus cabelos ainda úmidos e ela cheirava a sabonete, depois passei o outro braço por baixo de suas pernas e a ergui. Ela murmurou de novo e até abriu os olhos, me encarando por um momento, mas então deitou a cabeça no meu ombro e aquietou-se outra vez.
Descemos até a sala e em seguida passamos pela porta dos fundos, Roberta me assegurou de ter visto o segurança cochilando na garagem pelas câmeras de segurança, mas mesmo assim nos apressamos até o portão. A rua ainda estava escura e assustadoramente silenciosa, apesar de já conseguir ver um ponto de luz no horizonte, quando nós três atravessamos em direção ao carro. Abri a porta de trás e a coloquei deitada, depois coloquei nossas mochilas no chão do carro e fechei a porta, pronto para ir.
-Escuta garoto, eu posso não ser um exemplo de mãe, e nem quero ser, mas eu amo essa garota, ela é a coisa mais importante que meu marido me deixou, e eu estou deixando ela nas suas mãos e espero que entenda a responsabilidade que tem em mantê-la viva! _A mulher falou segurando meus ombros, os olhos estavam marejados, prestes a desaguar.
-Eu... eu me importo mais com ela do que com qualquer outra pessoa nesse momento, e vou protegê-la com a minha vida se necessário, não se preocupe.
-Acredito em você, agora vai, é arriscado ficar aqui por mais tempo.
Assenti e entrei no carro, dei uma última olhada em Catarina e depois na madrasta dela parada na rua escura, e então coloquei o pé no acelerador e não olhei para trás.
   Dirigi por mais de uma hora sem parar, e apenas quando o sol já estava alto no céu, me permitir parar no posto de gasolina e abastecer o carro. Me guiando pelas placas na estrada e pelo GPS sabia que já tínhamos saído de Blumenau, já era um alívio mas ainda tínhamos muita estrada pela frente, e eu só conseguia me perguntar o que eu iria fazer pra deixar Catarina dentro do carro depois que ela acordasse e começasse a surtar com toda aquela situação. Fui até a loja de conveniências do posto e comprei alguns pães de queijo e dois sucos, talvez conseguisse acalmar a fera com comida, apesar de achar que teria que comprar alguma peça da última coleção de umas das marcas de roupas que ela gostava para acalmá-la de verdade. Entrei no carro e dirigi por pouco menos que vinte minutos até ouvir a voz rouca e sonolenta atrás de mim:
-O que está acontecendo? _Olhei rapidamente pelo retrovisor, ela ainda estava deitada e procurava se apoiar no banco para levantar. -Que? Miguel? _Dava pra ver a completa confusão estampada no rosto dela.
-Bom dia... _Murmurei, receoso pelo o que viria a seguir.
-Para onde... o quê? por que... você pode me explicar o que está acontecendo? eu estou sonhando? _Questionou, a confusão ainda se apossando dela.
-Calma, eu estou te levando para longe de Blumenau, mas está tudo bem! _Me apressei em dizer, olhando rapidamente os olhos arregalados dela.
-"Está tudo bem"? você enlouqueceu? quando eu entrei nesse carro? hoje... hoje é o dia da minha posse da presidência!
Catarina começou a observar as coisas a sua volta, e percebi a respiração descontrolada, precisava contar tudo a ela logo, ou seria assassinado dentro daquele carro.
-Fui buscar você na mansão essa madrugada...
-Como eu não acordei? não me lembro de nada! quer dizer... eu lembro do seu rosto, mas acho que era um sonho idiota!
-Não era, você de fato despertou em certo momento, mas depois capotou de novo.
-Isso não é possível, você me dopou?! _Ela indagou, quase gritando.
-Eu não... _Murmurei, e observei a expressão dela passar de raiva para incredulidade.
-Roberta... é claro!
Vi Catarina balançar a cabeça em negação e depois forçar a porta, tentando sair.
-Ficou louca? estamos no meio da estrada! _Falei, mas ela continuou forçando as trancas.
-Para essa droga agora, eu vou sair daqui! _Gritou. -Você é maluco!
-Eu vou parar, mas tem que me prometer que não vai fugir como uma desesperada, nós já estamos longe de Blumenau, nem eu e nem você conhecemos nada aqui!
-Me deixa sair! _Gritou mais uma vez.
Suspirei, e mesmo que contrariado, joguei o carro para o acostamento, ligando os alertas e destravando as portas.

Aquela jaqueta de couroOnde histórias criam vida. Descubra agora