Eu estava na escada do colégio, olhando para Miguel que estava sentado com seus cadernos no colo.
-Parece que agora eu serei sua stalker! _Brinquei.
-Eu nunca fui seu stalker. _Ele disse, estranhamente incomodado com o comentário.
Ao ouvir aquilo senti como se me sufocassem e quando senti o líquido quente no meu rosto notei que estava chorando.
-Você é um mentiroso! _Gritei.
Despertei assustada com meu próprio grito, arfando, e me surpreendi quando percebi que estava realmente chorando. Aquele sonho não era apenas uma invenção da minha cabeça, era também uma lembrança, e era só mais uma de várias que tinha tido, tantas coisas que deixei passar deixavam claro que ter Miguel na minha vida não era apenas coincidência ou destino, mas estava cega.
Três dias tinham se passado desde a noite em que descobri que o garoto por quem tinha me apaixonado era um mentiroso que trabalhava como um segurança disfarçado, pelo o que eu tinha entendido, e se é que aquela história era verdade.
Na segunda não consegui ir ao colégio, mas não me preocupei, aquela era a última semana de aula então eram só preparativos para a formatura e idiotices de despedidas. Mas naquela terça-feira me obriguei a levantar e seguir com a minha vida. Só tinha quatro dias para decidir meu vestido de formatura, marcar horário no salão e decorar meu discurso de oradora da turma, então não podia me dar ao luxo de ficar trancada no quarto tomando sorvete e me lembrando como tinha sido estupidamente usada e enganada sempre que olhava para a blusa de Miguel jogada no canto do quarto. Tomei um banho, passei um chá, gelo e alguns cremes no rosto na esperança de desinchá-lo, provavelmente aquele seria o primeiro dia que veria Miguel depois de tudo, e definitivamente não queria que notasse que chorei todos aqueles dias por causa dele. Vesti um jeans escuro e uma bata branca com delicados bordados azuis que eu havia comprado em Berna, quando passara pela Suíça a caminho da Itália, por último fiz minha melhor maquiagem diurna e calcei minhas botas de couro. Louise bateu na porta e entrou antes que eu a abrisse, e notei que ficou aliviada ao me ver de pé, já pronta para ir pro colégio, já que ontem ela implorou para que eu fosse e ainda assim não me convenceu a sair debaixo do cobertor.
-Nossa, é bom te ver maquiada e com os cabelos penteados novamente! _Ela disse, indo até a minha penteadeira e usando um dos meus perfumes. -E sem as olheiras e as bolsas embaixo dos olhos.
-Eu já entendi que está feliz em me ter de volta. _Murmurei, arrumando minha mochila. -Podemos ir?
-Que? ainda temos meia hora até o sinal de entrada, você sempre sai de casa faltando cinco minutos...
-Não quero correr o risco de esbarrar com... _Me interrompi, certa de que Louise entenderia o que queria dizer.
-Com o Miguel, né?
-Isso... ele sempre está sentada naquela maldita escada, e agora faz sentido o fato de até mesmo quando eu chegava atrasada encontrar com ele fora da sala.
-Por que faz sentido? você ainda não me contou direito toda essa história entre vocês.
-Faz sentido porque ele precisava ficar me esperando, precisava ter certeza de que eu estava na escola, de como eu estava, do que eu faria... _Minha voz falhou, achei que seria mais fácil falar sobre aquilo depois de três dias, mas não.
-Por que ele precisava saber disso tudo?
-Porque Miguel é a droga de um... espião, segurança, psicopata, eu sei lá!
-Espera, a aproximação dele foi planejada?
-Foi, você tinha toda a razão quando disse pra eu ir com mais calma, pra não confiar nele... eu me sinto tão estúpida. _Desabafei, sentando na cama.
-E como exatamente você soube disso? Ele te contou?
Dei uma breve risada irônica.
-Me contar? se eu não tivesse errado a porta do banheiro e entrado no quarto dele era capaz de eu continuar sendo enganada até termos rugas e cabelo grisalho.
-Okay, vamos parar com a história picotada e ser mais direta, que tal?
Revirei os olhos, não queria ter que contar tudo, era doloroso, mas sabia que ela não me deixaria em paz até saber da história completa.
-Tudo bem, depois que saímos do clube onde ele me levou no sábado fomos para a casa da vó dele, onde ele mora, ou morava, enfim, ainda tem algumas partes da história que eu preciso descobrir, mas voltando, teve um momento em que eu pedi para ir ao banheiro, e sem querer abri a porta errada, e acabei entrando no quarto dele, eu não ia bisbilhotar, mas antes que eu fechasse a porta vi um quadro, tipo esses quadros de aviso da escola, e tinha uma foto minha nele... _Disse, fazendo uma pausa para pegar a foto que eu tinha guardado na gaveta da cômoda.
-Como ele conseguiu uma foto sua com a Paris, você tinha o quê? 13 anos?
-14, e provavelmente ele conseguiu a foto por meio da pessoa que o contratou pra me espiar.
-Meu Deus, Cat... volta a contar a história, por favor, está cada vez mais bizarra!
-Não tinha só essa foto no quadro, embaixo tinha um papel com o meu cronograma semanal, tudo o que eu fazia, de que horas a que horas, tinha até meus momentos de yoga no jardim... quando vi aquilo e comecei a entender o que estava acontecendo fiquei sem chão, tremi da cabeça aos pés, e meu coração parecia querer explodir, e então ele entrou no quarto, no começo eu senti medo, queria correr dali o mais rápido possível, mas então ele começou a dizer que tinha sido contratado pra me seguir e me proteger, e então meu medo se tranformou em ódio e decepção, exatamente nessa ordem!
-Então ele estava te seguindo desde antes da festa a fantasia?
-Aparentemente sim, se lembra que eu disse que ele me colocou no táxi e deu meu endereço? na época eu fiquei desconfiada, como ele sabia a rua, o número da casa sendo um completo estranho?! devia ter seguido meus instintos!
-Isso é insano, mas quem contratou ele afinal de contas?
-Ele não disse, eu não dei muito tempo para mais explicações, mas nem era necessário, é óbvio que foi a Roberta que mandou que ele ficasse na minha cola, ela sabe que a Tina nem sempre pode me vigiar e arrumou alguém que fizesse isso enquanto eu estivesse fora da mansão, não é apenas coincidência que ele seja ótimo em administração, com certeza Roberta também o pagava pelas aulas que ele me dava, bem que eu achava estranho ele não cobrar por elas... e talvez ele recebesse até pelos malditos beijos que trocávamos! _Falei, e senti uma lágrima solitária cheia de amargura descer pelo meu rosto, mas a sequei com cuidado, não ia borrar a maquiagem por causa dele.
-Eu nem sei se quero saber o que você pretende fazer com o Miguel e com a sua madrasta depois disso... o coitado do Jonas está até hoje sem pegar nenhuma mulher desde o boato de que ele era gay.
-Na verdade eu não quero fazer nada, eu tenho certeza que me vingar do Miguel não vai me fazer sentir melhor... eu estava apaixonada, Lise, ainda estou, e isso é uma droga porque não me permiti ser a vaca vingativa de antes!
Louise assentiu, e segurou a minha mão dando um beijinho no dorso, essa era uma das coisas que fazíamos para mostrar apoio uma a outra.
-Acha que ele fingiu estar apaixonado?
-Isso tem me tirado o sono, eu não faço ideia, as vezes acredito que sim, que foi tudo fingimento para conseguir uma aproximação e a minha confiança, mas então eu me lembro de tudo que vivemos nesses meses, dos beijos, dos olhares, da dor que vi nos olhos dele antes de ir embora no sábado... mas saber se o sentimento dele era verdadeiro ou não, não me importa, ele mentiu, se aliou à Roberta pra fazer da minha vida um show de marionetes, me usou pra ganhar dinheiro, e isso não vai mudar.
-E quanto a Roberta?
-Não pretendo questioná-la agora, ela com certeza vai negar, e mesmo que admita isso não vai mudar as coisas, ela não cometeu um crime, eu não poderia fazer nada.
-Isso tudo é tão louco, eu odeio que esteja passando por isso.
-Eu sei, e obrigada por estar aqui, mas de agora em diante eu quero focar apenas na nossa formatura e no meu aniversário, falando nisso marquei horário com o salão de beleza no sábado de manhã, e vamos hoje mesmo na boutique escolher nossos vestidos, não temos muito tempo e precisamos arrasar, afinal, a gente só se forma no colegial uma vez!
-Você precisa me dizer antes de marcar essas coisas para mim, nem sempre minha mãe me dá uma mesada alta, sua doida!
-E desde quando isso é problema? e outra coisa, o salão e o vestido são presentes de formatura que eu estou te dando. _Disse, batendo na perna dela e levantando. -Agora vamos!
Para minha sorte não vi Miguel quando cheguei no colégio, apenas sua bicicleta, fui direto para o teatro onde ocorreria o evento da formatura, eu sempre ficava encarregada da decoração das festividades, e no meu último ano ali não poderia ser diferente.
A manhã passou voando, todo o comitê de decoração se empenhou ao máximo e tudo estava pronto para sábado, ao fim da aula encontrei com Louise no corredor, e após nos despedirmos de alguns professores que não veríamos mais durante os próximos dias, nós seguimos para a saída, e felizmente Miguel também não estava, e nem a bicicleta dele, o que indicava que já tinha até ido embora. Eu e Louise paramos em um restaurante no centro e após almoçarmos, seguimos para a boutique para escolhermos nossos vestidos:
-Rosa é a sua cor, não consigo imaginar um vestido melhor! _Falei, quando a vi sair do provador com um vestido frente única wild rose, que ficou incrível nela.
-Tem certeza? não está muito ousado nas costas?
-Está, e é por isso mesmo que está perfeito! _Falei, e rimos, rodando com nossos vestidos.
Eu tinha escolhido um vestido azul, trançado nas costas, apesar de não ter muito brilho, eu pretendia ousar o bastante com as jóias que usaria. Louise entrou no provador para tirar o vestido, olhei o meu uma última vez antes de fazer o mesmo.
Quando o carro parou em frente ao portão da mansão, senti meu coração acelerar quando vi Miguel sentado na calçada, não fazia ideia de quanto tempo ele estava ali, e nem se queria falar comigo ou só me vigiar na cara dura.
-Viu quem está ali? _Louise murmurou.
Afirmei com a cabeça, sem forças nem mesmo para falar. Enquanto o portão abria, Miguel se levantou e aproximou-se do carro, vi a boca dele se mover, mas não conseguia ouvir o que ele dizia, apenas murmurios. O carro entrou na garagem e olhei para trás, Miguel seguiu e entrou antes que o portão fechasse.
-Acho que ele quer falar com você. _Louise falou, abrindo a porta do carro. -Quer que eu mande ele embora?
-Não, eu mesma faço isso. _Disse, abrindo a porta e saindo. -O que você quer?
-Eu só quero conversar, não te vejo desde sábado, eu... fiquei preocupado.
Eu nem sequer tinha ânimo para os meus sorrisos irônicos, pois era o que aquela frase merecia, então apenas o encarei seriamente, e a cada segundo olhando seus olhos verdes, sua boca, seus cabelos escuros e a pele bronzeada, eu sentia minhas pernas mais fracas e o meu coração mais apertado.
-Eu estou ótima, agora pode voltar para o seu apartamento, ou devo dizer, lugar estratégico que usa para espionar a minha vida?!
Ele umideceu os lábios e passou a mão no cabelo, suspirando.
-Catarina, você precisa me entender, eu não te espiono, eu protejo você!
-Protege do que? de quem? _Perguntei, disposta a ouvi-lo.
-De... _Ele se interrompeu, e suspirou mais uma vez. -Eu não posso falar ainda, colocaria você em risco.
Balancei a cabeça, em negação, e então virei as costas, pronta para nunca mais falar com ele outra vez, mas então ele se apressou e parou na minha frente.
-Eu nunca menti sobre o que sinto por você!
-E como eu posso ter tanta certeza disso? você mentiu sobre todo o resto!
-Desse jeito!
Antes que eu pudesse me dar conta, nossos lábios já estavam unidos, meu corpo por um momento esteve entregue, por segundos fui capaz de esquecer tudo a minha volta, até mesmo as mentiras de Miguel. Quando nos separamos o olhar dele carregava tanta esperança e sinceridade que eu quase acreditei nele, mas pensava a mesma coisa há dias atrás, e na verdade ele estava me enganando, então meu julgamento não estava dos melhores.
-Isso não significa nada, não muda nada! _Murmurei, lágrimas encheram meus olhos, mas assenti, não ia chorar na frente dele outra vez.
-Não faz isso com a gente, não joga tudo o que temos no lixo por causa de um erro estúpido meu!
-Não Miguel, as coisas não funcionam desse jeito, confiança existe, e quando ela é quebrada não tem retorno, e quem jogou tudo o que eu achava que tínhamos no lixo, foi você!
-Catarina, tudo o que fiz foi pela minha vó, e pra tentar ter um futuro melhor, eu precisava do dinheiro, o clube não me pagava o suficiente para o tratamento dela e...
-Não coloque sua vó nisso, existem outros meios de se conseguir renda extra sem ser um completo babaca e brincar com os sentimentos de alguém!
-Pra você é fácil, mas eu nunca tive boas oportunidades, e odeio ficar fazendo a "vítima da sociedade" mas é verdade, você contrataria um cara de vinte anos que nem terminou o ensino médio?
O encarei, sem ter o que falar diante daquilo, odiava ficar sem respostas, mas a verdade é que naquele ponto ele tinha razão. Apenas naquele.
-Acho que o seu silêncio já é uma boa resposta. _Ele falou, suspirando. -Eu não vim até aqui pra brigar com você, já nos machucamos o suficiente...
-Não, você me machucou o suficiente. _Interrompi, corrigindo ele.
Ele assentiu em silêncio antes de continuar.
-Tem razão, mas queria poder consertar isso...
-Existem coisas na vida que não tem conserto, Miguel, e essa situação merda em que você nos colocou é uma delas. _Disse, e precisava sair dali, sentia que se ele se desculpasse e me olhasse com os olhos verdes suplicantes mais uma vez eu esqueceria tudo e envolveria meus braços ao redor dele. -Me esquece.
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Aquela jaqueta de couro
RomantikCatarina Aires mora em Blumenau desde que nasceu, é herdeira das empresas de sua família, escrava de uma posição que não quer ocupar e correndo um risco que desconhece, a jovem impetuosa será salva por um motoqueiro misterioso, o que ela não sabe é...