Assim que consegui parar de rir do nervosismo de Miguel com a minha brincadeira, vi ele tirando os livros da mochila, depois de ter falado quase toda a minha vida para ele eu presumia que poderia saber um pouco sobre a dele, já que eu não sabia quase nada sobre a família dele e sobre seu passado.
-Você não fala muito né?
-Eu... eu não tenho uma vida interessante como a sua, não tem nada a ser dito. _Ele respondeu, abrindo um livro.
-Você trabalha com crianças? _Insisti.
Ele ficou em silêncio por uns instantes, como se pensasse no que dizer, até as mais fáceis das perguntas ele parecia ter que decidir o que responder.
-Por quê? _E então respondeu com outra pergunta.
-Pela foto do seu perfil, você está na piscina com várias crianças em volta.
-É, eu dou aula de natação aos sábados.
-Que legal, não sabia que era atleta e faz isso há muito tempo?
-Vamos começar a aula ou você vai querer continuar com a entrevista?
Bufei, ele sempre fugia quando o assunto era a vida dele. Resolvi que seria uma questão de honra saber mais sobre o misterioso Miguel, mas não naquela hora.
-Tudo bem, chato! vamos nessa!
Duas horas se passaram, o sol estava se pondo quando Tina bateu na porta do escritório, tirando nossa atenção das planilhas e números dos livros.
-Querida, não quero incomodar mas passei só pra avisar que vou até o mercado com o motorista, compras do mês, quer alguma coisa especial?
-Só o de sempre, obrigada.
-Tudo bem, juízo vocês, e não se esqueça do seu castigo viu mocinha, estou longe mas estou de olho. _Ela disse, piscando para mim e saindo.
Bufei e fechei o livro, já estava saturada de olhar para ele.
-Pelo visto já chegou ao limite por hoje, não é?
-Já ultrapassei o limite há muito tempo, mas você fica tão animado e bonitinho explicando que eu não quis cortar a sua vibe. _Falei, me levantando e esticando a coluna, estávamos sentados há muito tempo.
Observei ele dar um meio sorriso, e se tivesse a pele um pouco mais clara eu poderia jurar ter visto seu rosto avermelhar em reação ao que eu dissera.
-Bom, então eu vou nessa.
-Vai pra casa? amanhã é feriado, se eu pudesse procuraria uma festa por aí.
-Geralmente eu não saio muito, mas como amanhã não tem aula eu chamei um amigo do clube para tomarmos uma cerveja mais tarde.
-Do clube em que você dá aula?
-Sim, eu mudei de turno e então não estou mais vendo ele, achei que seria legal manter as poucas amizades que eu tenho. _Ele sorriu, guardando os livros na mochila.
Um sentimento de tristeza me invadiu de repente ao vê-lo se arrumar para ir embora, a companhia dele me fazia estranhamente bem, eu esquecia de todas as minhas preocupações, era tão leve estar com Miguel, tão simples quanto ele parecia ser.
-Eu podia ir com você... _Comentei, sentando na mesa.
Ele desviou a atenção da mochila e me olhou com uma das sobrancelhas negras arqueadas e uma expressão estranha.
-Pensei que estivesse de castigo.
-E eu estou, mas se você não contar pra Tina, eu não conto. _Falei, dando o meu melhor sorriso de "por favorzinho".
-É melhor não, até porque vamos a um barzinho distante daqui, e definitivamente não faz o seu estilo aquele lugar.
-A minha casa também não faz o seu, mas aqui está você! me deixa conhecer um pouquinho do mundo fora do "castelo"!
-Não. _Ele falou, fechando a mochila e a colocando nas costas. -Lá terá bebida e você é menor de idade.
-Eu não vou beber, só quero viver! quero sair daqui! _Falei, descendo da mesa e indo até a porta. -Por favor, Miguel! _Pedi, fazendo beicinho e bloqueando a porta com os braços.
Ele ficou me encarando alguns instantes antes de suspirar e assenti com a cabeça, ainda que um pouco contrariado.
-Mas não quero que me cause problemas!
Pulei e joguei meus braços em volta do pescoço dele, mas assim que percebi ele ficar tenso e me dar conta de que era a primeira vez que tínhamos um contato mais íntimo me afastei rapidamente.
-Eu... eu te espero do outro lado da rua em meia hora. _Ele falou, ainda desconsertado.
-Eu preciso de mais que isso para me arrumar!
-Não entendo o porquê, mas okay... quarenta minutos e só! _Disse, enquanto seguíamos até a porta.
-Tudo bem! Nos vemos daqui a pouco.
Observei enquanto ele seguia pelo jardim e ri quando Fenrir correu e quase o derrubou querendo brincar. Assim que ele foi embora, eu corri até o quarto de Louise, precisava planejar minha fuga e ela era minha única salvação.
-Lise, preciso da sua ajuda! _Falei, já entrando no quarto dela.
-Nem vem...
-Não é nada demais! _Disse, tentando amenizar o que ia pedir. -Eu... vou sair com Miguel daqui a pouco, e queria que me desse cobertura.
-Você o quê? _Ela quase gritou, levantando da cama em um movimento brusco.
-Ele vai em um bar com um amigo e eu... pensei que podia ir junto. _Dei de ombros.
-Catarina Trindade Aires, você enlouqueceu? _Indagou. -Por que quer ir a um bar com um cara que você mal conhece, em plena quarta-feira e pior, estando proibida de sair?!
-Eu sei, eu sei... não é uma das melhores ideias que já tive, mas me deu vontade de sair, quebrar umas regrinhas, só isso.
-Então por que não chama as garotas da escola? por que tem que ser com o Miguel e em um barzinho?
-Que chatice, Louise, eu não sei... _Murmurei, realmente não sabia porque estava tão animada em ir a um bar de classe média - eu esperava que fosse pelo menos - mas estava.
Louise continuou me encarando com os braços cruzados, com um olhar que sempre arrancava meus segredos sem que eu pudesse evitar.
-Tudo bem, eu gosto de estar com ele, amanhã é feriado então provavelmente não nos veremos, e a companhia dele me faz bem... só isso _Tentei ser sincera e não fazer daquilo uma grande coisa.
-Não acredito que está apaixonada por ele! Definitivamente Miguel não é o tipo que faz você se interessar!
-EU NÃO ESTOU APAIXONADA! eu só estou curtindo a amizade dele, não tem nada demais nisso!
-Ata, a euforia em que você está só pelo fato de sair com ele me prova o contrário do que diz, mas você deve ter razão, afinal, eu quase não te conheço né? só o quê, uns 10 anos? _Ela bufou, irônica.
Suspirei, antes de olhar o relógio na estante dela e me dar conta de que só tinha mais trinta minutos para me arrumar.
-Vai me ajudar ou não?
-O que quer que eu faça?
-Quando sua mãe chegar e perguntar por mim apenas diga que estava com enxaqueca depois da longa aula que tive com Miguel e que preferi ir me deitar mais cedo e que não quero ser incomodada.
-Eu odeio quando me faz mentir pra ela.
-Eu sei, me desculpa, mas é só mais essa vez! _Falei, com as mãos em gestos de súplica.
-Mais uma vez em mil que ainda virão né?
Fiz uma careta, assentindo.
-Tá bom, mas me promete que volta antes do sol pelo menos?!
-Mas é claro, não vou dar sorte ao azar, e Miguel não parece ser do tipo que curte madrugar.
Beijei o rosto dela rapidamente e voei até meu quarto. Abri meu closet e fiquei uns cinco minutos escolhendo o que usar, não queria exagerar, mas a roupa menos chique que eu tinha eram meus pijamas de seda. Em um tempo recorde me arrumei, assim que vi pela sacada da varanda Miguel parado na rua me apressei em pegar a bolsa, e antes de sair parei diante do espelho para dar uma última olhada, vestia um blazer preto e decotado sem mais nada por baixo, o que me deixava muito sexy devo enfatizar, também usava a calça menos chamativa que tinha no armário e uma sandália de saltos razoáveis. Passei pela casa me certificando de que Tina não tinha voltado, em seguida atravessei o jardim e precisei fazer um pequeno suborno para que o porteiro não comentasse com Tina sobre a minha saída. Quando atravessei a rua e me aproximei de Miguel não soube decifrar sua reação ao me ver, era espanto? choque? indignação? admiração?
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Aquela jaqueta de couro
Roman d'amourCatarina Aires mora em Blumenau desde que nasceu, é herdeira das empresas de sua família, escrava de uma posição que não quer ocupar e correndo um risco que desconhece, a jovem impetuosa será salva por um motoqueiro misterioso, o que ela não sabe é...