Assim que vi Catarina bater o portão da minha casa, senti como se estivesse levando todo o ar com ela.
-Miguel... _Minha vó disse, com uma fisionomia confusa e assustada. -Eu achei que tinha contado a ela mais cedo!
-Eu não consegui! _Estava tão devastado que minha voz soou mais como um sussurro. -Que droga, não acredito que eu a perdi! _Chutei a cadeira, e ouvi a madeira rompendo.
-Também não é assim, foi um choque para ela, mas assim que a situação esfriar vocês podem conversar melhor.
-Não vó... a senhora não viu a decepção e o desprezo no olhar dela, ela nunca vai me perdoar e eu não posso culpá-la por isso!
-Filho, está tremendo, é melhor que se sente e...
-Não quero, eu preciso ver se ela ainda está lá fora, Catarina não conhece nada por aqui, é perigoso. _Falei, indo até o portão.
Estava tudo escuro, caminhei pela vila procurando por ela e quando vi alguém fechar a porta de um táxi ao fim da rua, presumi que fosse Catarina. Apesar disso, estava mais preocupado que antes, já era madrugada, não devia ter deixado que ela fosse sozinha ainda que se eu me aproximasse dela ela fizesse um escandâlo e me colocasse na cadeia, percebi que contanto que ela estivesse bem eu não me importaria com consequência nenhuma. Mandei várias mensagens para ela, todas visualizadas mas não respondidas. Comecei a vasculhar minha agenda e encontrei o número de Louise, por sorte Catarina tinha me passado o número dela há uma semana atrás quando quase insistiu para que eu fosse mais amigo de sua melhor amiga:
"-Louise, Catarina acabou de sair do meu bairro aqui em Fortaleza, acho que entrou num táxi, ela não quis que eu a levasse e está muito irritada, não responde minhas mensagens!
-Assim que ela chegar você pode me avisar? mesmo que ela peça para não fazer isso, apenas me dê um "okay", por favor!"
Alguns minutos depois Louise respondeu:
"-Como assim deixou que ela viesse a essa hora sozinha? e por que ela está irritada?""-Provavelmente ela vai te contar tudo, só me diga quando ela chegar"
Depois disso ela visualizou e também não respondeu mais. Voltei para dentro de casa e dei graças a Deus pela minha vó não ter dito mais nada e entendido que eu precisava ficar sozinho. Fiquei uns cinco minutos parado no meio do quarto, encarando de longe o papel em que há meses atrás eu tinha anotado o intinerário de Catarina, o papel estava com a borda amassada, indicando que ela o tinha apertado minutos atrás, procurei pela foto dela rapidamente mas com certeza ela a tinha levado. Ótimo. O que tinha me restado dela? Absolutamente nada.
Sentei na cama e fitei o teto, eu me sentia um lixo, sujo e repugnante, e a cada vez que o último olhar que ela me deu vinha à memória eu me sentia ainda pior. "Você é como todos os outros! Não, você é pior..." , "Eu odeio você, Miguel!", cada frase daquela me atingia como um tiro a queima roupa sempre que passava pela minha mente, ecoando nos quatro cantos do meu quarto e da minha cabeça. De cinco em cinco minutos eu olhava o celular, ansiando por notícias dela, cheguei a mandar mais uma mensagem, mesmo que ela não respondesse, se visualizasse ao menos eu saberia que ela estava bem. Mas ela não visualizou, o que me deixou ainda mais tenso. E naquele momento percebi que já fazia algumas semanas que eu não a acompanhava e protegia pela obrigação do meu trabalho, na maioria das vezes eu nem lembrava que estava sendo pago para fazer aquilo, eu apenas fazia porque era o que cada célula do meu corpo pedia, para que eu a mantesse segura e por perto, sempre.
Mais de uma hora depois, ouvi uma notificação, era mensagem da Louise:
"-Ela está em casa, não graças a você!"
Me ouvi expirar profundamente aliviado, era como se estivesse prendendo o ar desde o momento em que Catarina tinha saído daquela casa."-Como ela está?"
"-Eu não sei que merda fez á ela, mas nunca tinha visto minha amiga desse jeito, então apenas deixe ela em paz e vá para o inferno!"
Me sentia tão quebrado quanto Catarina, nunca pensei que fosse ser capaz de me odiar tanto, e de... me entregar tanto a alguém. Eu quis tanto protegê-la e no fim quem a machucou fui eu. Antes que pegasse no sono por exaustão, decidi que assim que amanhecesse eu iria me demitir, ligaria para o cara que me contratou e acabaria com aquilo, independente se Catarina me perdoasse ou não.
No domingo eu acordei com o cheiro do feijão da minha vó exalando pela casa, por um momento tudo me pareceu bem, mas então as lembranças dos últimos acontecimentos me alcançaram e me senti um caco de novo. Depois de um longo banho, tive um almoço silencioso, já que minha vó não queria me fazer falar no assunto e eu também não conseguia pensar em mais nada. Assim que terminamos, disse que ela podia ir assistir ao programa de tv que ela gostava e lavei as louças, enquanto as lavava fiquei pensando com mais clareza sobre a descisão de continuar ou me afastar do cargo. Eu não queria continuar com aquilo, diante das reações de Catarina eu pude ver o quão invasivo e absurdo era o que eu fazia, e como se já não fosse ruim o bastante, eu ainda acabei me apaixonando por ela... Mas tinha minha vó e o tratamento dela, ainda tínhamos remédios para um mês ou dois, mas caso eu deixasse o cargo voltaríamos a ter que decidir entre comprar medicamentos ou pagar as consultas outra vez.
-Vó... _Murmurei, me sentando ao seu lado no sofá.
-Diga meu filho.
-O que a senhora acha de eu abandonar a minha atual função? sabe, deixar de ter que seguir e proteger a... _Não conseguia nem pronunciar seu nome sem sentir um desconforto irritante no peito. -Catarina.
-Eu acho ótimo, desde o ínicio sabia que não terminaria bem e sabe que eu nunca gostei dessa sua "função", foi ótimo ter meus remédios sempre em dia, mas eu sobrevivi muito bem durante anos sem eles, vamos continuar lutando com o que temos e o mais importante, sem machucar as pessoas e nem a nós mesmos. _Ela falou, segurando a minha mão, me dando todo o conforto de que eu necessitava.
-Obrigado vó, porque eu realmente não consigo mais continuar com isso... mas vou pedir meu cargo fixo no clube de volta, e posso tentar alguns bicos, e também só tenho mais duas semanas de aula, o supletivo já está praticamente terminado, vou conseguir um trabalho melhor quando tiver meu diploma, nós vamos dar um jeito.
-Sempre damos.
Ao fim da tarde mandei uma mensagem para o Luíz - meu chefe misterioso - disse que precisava falar com ele e depois de algumas horas ele me pediu que fosse encontrá-lo amanhã bem cedo, antes do colégio. Passei quase a madrugada inteira pensando no que dizer para ele, odiaria que ele pensasse que estou caindo fora porque já conclui o supletivo, nós fizemos um acordo e eu estaria o quebrando, pensei em ser sincero, já estava claro que a verdade é sempre o melhor a ser dito, mas fiquei imaginando que ele riria na minha cara assim que eu abrisse a boca e dissesse o porquê de não querer mais trabalhar para ele.
Quando o alarme tocou a sensação era de que eu tinha acabado de pegar no sono, com um grande esforço eu me arrastei para fora da cama e me arrumei para ir até o esconderijo do meu futuro ex chefe. Bati na porta três vezes, como o combinado, e em alguns minutos ele a abriu, estava impecável com uma caneca na mão, como se fosse onze da manhã e não seis e meia!
-Miguel, entre... _Ele falou, simpático. Eu preferia quando ele era sério e calado, seria mais fácil de falar tudo o que tinha em mente. -Aceita um café? parece cansado.
-Não obrigado. _Murmurei, tentando controlar meu nervosismo.
-E então, Catarina está bem?
-Ela... está, está tudo bem com ela. _"Na medida do possível" quis acrescentar.
-Dá última vez você deu a entender que ela estava tentando uma aproximação, como tem sido essa... posso chamar de amizade?
O incômodo no peito apareceu outra vez, me lembrando de que até mesmo a amizade dela eu havia perdido.
-Nós nos aproximamos sim, mas agora eu não tenho tanta certeza de como está a nossa amizade.
-E isso tem a ver com a sua visita de hoje?
-Sim senhor, eu nem sei como dizer... mas não posso mais continuar fazendo isso, não quero mais a função. _Disse, sem olhá-lo diretamente.
Ele ficou em silêncio por alguns instantes, enquanto bebia mais um gole de café.
-Você tem feito um ótimo trabalho, por que exatamente está querendo abandonar agora? _Indagou, e vi que ele realmente estava buscando entender o meu lado.
-Não me sinto confortável em continuar com isso, e ela... descobriu tudo sábado a noite.
Luiz pareceu prestes a engasgar, mas então se recompos e ajeitou a manga da blusa.
-Como isso aconteceu?
-Como eu havia dito, nós nos aproximamos, tanto que a levei até a minha casa no sábado, por um descuido ela encontrou aquela foto que o senhor me deu e um papelzinho onde no começo eu fazia anotações sobre o dia dela, foi um pesadelo... _Murmurei, tentando não pensar muito para não acabar desmoronando ali como um imbecil. -Eu precisei dizer a ela que fui contratado para segui-la e a manter segura, ela estava achando que eu era um psicopata e ameaçou chamar a polícia, mas mesmo assim Catarina não quis me ouvir, estava furiosa, chegou a falar como se soubesse para quem eu trabalhava, mas deu a entender que era uma mulher.
-Isso não é bom. _Falou, se sentando e parecendo pensativo. -Mas ela não suspeita de mim... como poderia também?!
-Na verdade ela nem pareceu muito convicta do que eu falei, acho que nunca mais vai confiar em mim outra vez. _Dei de ombros, fingindo não me importar tanto com aquilo, quando na verdade apenas pensar nisso já me corroía por dentro.
O homem me deu uma olhada e suspirou.
-Precisa continuar perto dela, nosso acordo não terminou ainda.
-Mas senhor eu não posso continuar fazendo isso! Não quero correr o risco de magoá-la ainda mais! _Falei, quase implorando para que ele me deixasse fora daquilo de uma vez.
Ele assentiu e pensei ter visto um breve sorriso, deixando a caneca de lado ele se virou para mim.
-Está apaixonado por ela, não está?!
Engoli em seco, será que eu tinha tatuado isso na minha testa em algum momento sem perceber?
-Parece patético, mas sim, nós nos apaixonamos, e mentir e omitir tudo isso dela, essa loucura aqui, esse... tá vendo, eu nem sei o que estamos fazendo, eu não sei nada! mas toda essa merda me fez machucá-la e perdê-la! _Desabafei.
Ele me olhou por alguns instantes e seu olhar parecia quase compreensivo.
-Agora mais do que nunca não pode abandonar a sua função, vejo que se importa com ela tanto quanto eu, e as próximas semanas serão cruciais para segurança dela. _Falou, franzindo as sobrancelhas, parecendo realmente preocupado. -Sabendo agora dos seus sentimentos por ela, não confiaria a vida de Catarina a mais ninguém que não fosse você, Miguel.
-Não entendo, como assim as próximas semanas serão cruciais?
-Lembra-se do homem que falei para que ficasse de olho em relação a Catarina?
-Eu lembro, mas nunca o vi, muito menos perto dela.
-Te contarei algumas coisas para que você não mude de ideia e veja o quão importante é que permaneça protegendo-a, mas precisa jurar que não vai contar a ninguém, nem a ela.
Tudo o que mais queria desde o início era saber os motivos daquilo tudo, mas agora não tinha tanta certeza, eu estava prestes a pular fora daquele barco.
-Eu juro. _Me ouvi dizer.
-Aquele homem é o atual presidente da AiresHotels, já deve saber que Catarina vai ocupar esse cargo assim que completar 18 anos... _Assenti com a cabeça e ele prosseguiu. -Pois bem, esse cara chama-se Félix Aires, é o tio dela, ele sempre foi ambicioso e tentou a todo custo sentar na cadeira presidencial, só que antes dele o presidente era o pai de Catarina, e Félix nunca aceitou isso, e só está sentado naquela cadeira porque... matou o irmão.
-Então... foi o tio da Catarina que matou o pai dela? meu Deus! _Murmurei, atordoado. -Talvez seja por isso que a madrasta dela não confia nele!
-Vejo que sabe bastante, mas tem toda a razão no que disse, Jonathan, o pai de Catarina, sempre fez questão de deixar Roberta alerta sobre as intenções de Félix. Agora me responde, o que você acha que ele será capaz de fazer para não deixar que Catarina tome a presidência? _Ouvi ele questionar, enquanto me encarava.
Senti meu corpo inteiro estremecer. Eu não deixaria que aquele assassino tocasse nela.
-Ele seria capaz?
-Seria! _Afirmou. -Eu grampeei o celular dele, tenho acesso aos seus contatos e conversas desde o mês passado, essa é a minha única chance contra ele, mas preciso que a mantenha segura enquanto foco em descobrir os planos dele e alguma prova que possa incriminá-lo.
-E por quanto tempo isso seria?
-Pouco, se ele for esperto não vai deixar nem que o evento de posse aconteça, porque depois que ela estiver na presidência vai dificultar as coisas para ele, então, se Roberta estiver fazendo exatamente como o pai de Catarina deixou planejado, e aparentemente ela está pelo o que você comentou, a posse será no dia seguinte ao aniversário dela, e é em um desses dias que Félix agirá.
-Mas como eu vou protegê-la de um assassino? eu sei ser sutil, passar despercebido, posso improvisar uma luta se necessário, até finjo uma cara de marra, mas é só isso!
-Só preciso que fique de olho e me informe caso veja uma aproximação suspeita do Félix ou de pessoas incomuns ao redor da mansão ou da escola, e que esteja pronto para sequestrá-la quando for preciso.
-Sequestrá-la? ficou louco?
-Fiz uso indevido da palavra... mas o ponto é que assim que soubermos quando ele for agir, precisarei que afaste ela de casa, da empresa, de qualquer lugar em que ele possa encontrá-la, e eu já tenho um plano para quando isso acontecer, não se preocupe, por hora preciso apenas que continue perto dela assim como antes.
-Mas... ela não quer me ver nem vestido de Gucci. _Falei, sorrindo ao me lembrar das milhares de conversas sobre moda que tivemos, ou melhor, das vezes em que ela falou, falou e eu apenas escutei.
-Okay, vocês realmente estavam próximos! _Ele falou, parecendo conhecê-la tão bem quanto eu. -Preciso que dê seu jeito, não tenho solução para tudo... insista em tentar fazer com que ela o perdoe.
Tive que rir, talvez ele não a conhecesse tão bem assim afinal.
-Apesar de saber que será uma tentativa frustrada, vou tentar conversar com ela e esperar que ela entenda tudo.
-Mas você não pode dar mais informações do que já deu! Tudo o que acabei de te falar é segredo absoluto, Catarina é impulsiva e imatura demais para algumas coisas, e com certeza ela faria um show na frente do Félix e colocaria a imprensa inteira para televisionar!
-Talvez seja necessário, assim todos saberão quem ele é e então ela estará segura.
-Não seja ingênuo, se fosse fácil não acha que eu mesmo já não teria o denunciado? mas não temos prova de nada, seria nossa palavra contra a dele, por isso é tão importante que ambos façamos nossa parte do plano, você a protege e eu me responsabilizo por conseguir uma prova de que ele vai tentar algo contra ela antes que de fato ele o faça.
Suspirei, pensativo. Como eu tinha me metido naquela história louca que mais parecia um filme de suspense? ação? romance? não, definitivamente romance não envolveriam um tio assassino e ambicioso. Eu não podia sair dali e fingir que Catarina não corria perigo, mas se houvesse 1% de chance de que ela me perdoasse e depois descobrisse que eu ainda estava a seguindo, seria o nosso fim.
-Escuta jovem, percebo que está em um dilema, mas se não me ajudar talvez não tenha uma chance de tê-la de volta, porque será tarde... e se for aliviar a sua consciência pesada, vamos combinar assim, eu aceito o abandono do cargo, está livre, mas agora como o homem que se diz apaixonado por Catarina acredito que tendo consciência do perigo que ela corre não vai deixá-la desprotegida, estou certo?
Acho que ele tinha razão, independente do que eu fizesse a partir de agora, seria por amor e nenhum interesse a mais.
-Certo. Seria incapaz de permitir que algum mal a aconteça, mas como não trabalho mais para você, não posso mais aceitar o dinheiro para os remédios da minha vó.
Observei ele negar veementemente com a cabeça.
-Sei que ela precisa disso, e sabendo não posso virar as costas, continuarei pagando os remédios como forma de agradecimento.
-Não será necessário, ainda temos remédios em estoque, e esse mês já conseguirei minha conclusão do colégio, também graças a você, e então poderei arrumar um emprego melhor que nos ajude.
-Não pensa em fazer um curso? se Catarina sair ilesa disso tudo eu posso continuar a recompensá-lo com os estudos.
-Eu penso em fazer um curso sim, talvez um técnico administrativo, uma faculdade quem sabe, mas agora a prioridade é a minha vó, e como já estamos de acordo, eu não protegerei Catarina como um trabalho e nem como um favor, farei isso por ela, e pelo o que sinto, então nada de "recompensas".
-Como quiser... mas se te interessar que eu indique uns cursos na área eu posso...
-Não ouviu o que eu acabei de falar? _Indaguei, sorrindo, sabia que ele queria me recompensar de alguma forma, mas não aceitaria mais nada dele, apesar de ser grato por tudo. -Obrigado por ter entendido o meu lado e por ter confiado em mim, mas se não se importa eu preciso ir agora, última semana de aula, não quero me atrasar.
-Claro, não o prenderei mais aqui. _Falou, me acompanhando até a porta. -Nas próximas semanas será muito importante que mantenha sua atenção não só em Catarina mas também ao seu celular, qualquer coisa que eu descobrir te avisarei, e posso te passar informações importantes caso precise afastar Catarina daqui.
-Sim senhor, ficarei atento, até mais.
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Aquela jaqueta de couro
RomanceCatarina Aires mora em Blumenau desde que nasceu, é herdeira das empresas de sua família, escrava de uma posição que não quer ocupar e correndo um risco que desconhece, a jovem impetuosa será salva por um motoqueiro misterioso, o que ela não sabe é...