Eu estava em pânico. Senti meu quadril bater com força na porta do carro ao ser jogada por aquele cara imenso. Antes que eu pudesse focar na dor, minha atenção se voltou a pessoa dentro do carro.
-Tio? _Indaguei, a voz trêmula quase como um sussurro.
-Oi querida.
Ao tempo em que dizia isso já sentia seus braços me puxarem para dentro, e então a porta foi fechada. Me debati, e ao ver o homem dar a volta no carro indo em direção ao banco do motorista, percebi que em poucos segundos aqueles dois malucos me levariam para longe, e depois... Eu não queria pensar no que viria depois.
Meu tio se agitou ao olhar para fora, virei-me pra janela e vi Miguel avançar até o carro, senti tio Félix me empurrar um pouco para o lado e antes que me desse conta ele sacou uma arma, foi o tempo de eu prender a respiração e então o som gutural atingiu os meus ouvidos.
-Miguel! _Gritei, um urro quase animalesco escapando dos meus lábios.
Foi tudo em uma fração de segundos, os olhos de Miguel estavam nos meus e então não estavam mais. Com a pressão do tiro ele foi jogado para trás, caindo no asfalto. O meu mundo parou naquele instante. Eu queria ter tido mil reações diferentes, mas meu corpo não obedecia a nenhum dos comandos dados pelo meu cérebro. Eu fiquei paralisada, o medo me consumindo por inteira.
O carro foi ligado e vi a paisagem se movimentar diante dos meus olhos, mas era como se tudo fosse um sonho, de repente nada daquilo parecia real. Virei minha cabeça em direção ao vidro traseiro do carro, quando vi Miguel se levantar e correr atrás de nós, eu queria gritar para que ele não se esforçasse, queria ordená-lo a ficar vivo, mas eu não podia. Antes que o carro se afastasse o suficiente, vi Miguel cair na estrada. Meu coração afundou até o estômago. Naquele momento, ele poderia estar morto. E eu seria a próxima.
-O garoto não devia ter se metido em assuntos de família. _Ouvi meu tio dizer, me soltando e se ajeitando no banco do carro.
Lágrimas silenciosas desceram pelo meu rosto, mas não consegui dizer nada, minha voz estava presa na garganta, quase me sufocando.
-Sigo em frente, senhor Aires? _O motorista grosseiro, perguntou.
-O mais longe possível, não podemos deixar mais rastros do que já deixamos, era pra ser apenas UMA pessoa morta!
Senti um frio percorrer todo o meu corpo enquanto encarava a estrada vazia.
-O que... o que você vai fazer, tio? _Me ouvi dizer, temerosa, com medo das minhas próprias palavras.
-Não era pra ser assim meu bem, sua madrasta estúpida não deveria ter insistido em te colocar no meu lugar, e agora o que me resta é tirar você a força, eu sinto muito.
-Vai fazer comigo o mesmo que fez com o meu pai? _Perguntei, o encarando.
-Então você já sabe disso também... agora eu me pergunto, como é que sabia que eu ia tentar matá-la na manhã da posse? ou melhor, como aquele garoto intrometido sabia, porque pelo o que eu vi nas filmagens da câmera da mansão você estava desacordada quando ele te colocou no carro.
-Então foi assim que chegou até mim... _Murmurei, abismada com a ardilosidade dele.
-Não foi difícil perceber que Roberta mentiu quando disse que você estava doente, eu só precisei de uns contatos para ter acesso às câmeras de segurança.
-Você é um monstro, meu avô tinha razão quando não quis colocar você como presidente da empresa, você é sujo, inconsequente e ardiloso!
Senti apenas meu rosto queimar, e então me dei conta de que tinha acabado de levar um tapa na cara.
Ele tinha me batido?!
Ao mesmo tempo que ódio se alastrou dentro de mim, o medo cresceu igualmente.
-Já deu de conversa, acho que aqui está bom, ninguém por perto, apenas eu, você e a minha arma.
Assim que notei o carro desacelerando, soube que precisava fazer alguma coisa ou seria morta ali mesmo e ninguém ficaria sabendo. Em uma fração de segundos, notei a tranca da minha porta aberta, na correria para me colocar no carro provavelmente ele tinha esquecido de trancá-la, e aquela era a minha única chance. Ou eu morreria ali sem lutar, ou morreria com um tiro nas costas, minhas opções não eram boas, mas eu escolhia lutar até meu último segundo.
Assim que notei o carro desacelerando, minha mão foi como um raio até a maçaneta e me vi pulando do carro ainda em lento movimento, tropecei assim que coloquei meus pés na estrada, mas me ergui e comecei a correr na direção contrária a deles.
Foquei meus olhos no horizonte, o sol já estava quase concluindo sua descida, era quase como a minha luz no fim do túnel. Ouvi meu tio gritar meu nome e em seguida um tiro atrás de mim, mas não parei, apenas acelerei.
Eu estava convicta de que não conseguiria mais fugir, meu peito queimava, minha boca estava seca e minhas pernas trêmulas e latejantes, e quando eu jurava que minha última visão seria o leve tom arroxeado do céu, uma luz apareceu. Faróis de um carro.
Comecei a balançar os braços, e enquanto fazia isso, arrisquei olhar para trás, meu tio e o outro cara se aproximavam, a arma ainda mirando as minhas costas. Outro tiro soou, e para a minha sorte quem estava em posse da arma era o meu tio, e mesmo sendo o monstro que era, claramente não teve oportunidades de treinar sua mira.
O carro que vinha em minha direção parou e quando o motorista saiu eu precisei de todo meu auto controle para não chorar e correr para os braços dele. Meu pai.
-Entra no carro! _Ele gritou, apesar de sua voz soar distante diante do meu pânico quase ensurdecedor, eu entendi e corri para a porta do passageiro.
Minha visão estava embaçada pelas lágrimas, meu coração batia tão alto que eu podia escutá-lo, meu peito e pernas ainda queimavam da fuga e eu nem sequer conseguia respirar controladamente. Observei meu tio parar e sua expressão virou uma máscara de incredulidade ao ver meu pai diante dele, também com uma arma apontada em sua direção.
Senti o medo que tinha em perder a minha vida se esvair, e agora temia pelo meu pai, eu mal tinha processado a informação de que ele estava de volta, não o perderia outra vez. Não queria perder mais nada, em menos de uma hora já tinha perdido metade do meu coração ao ver Miguel jogado naquela estrada com uma bala no corpo.
O homem que eu não conhecia estava atrás do meu tio, ele não estava armado, o que era menos um problema pra lidar. Eu não conseguia ouvir o que meu tio falava, mas me esforcei em focar nas palavras do meu pai, que estava mais próximo do carro.
-Félix, você não tem que jogar sua vida inteira no lixo por uma obsessão absurda de um cargo que nunca sequer foi prometido a você!
Vi meu tio fechar a cara, quase conseguindo ver o ódio exalar dos poros dele, e observei a boca dele se mexer, o que ele falou fez meu pai balançar a cabeça, com um ar de frustração.
-Você é doente, mandou que atirassem em mim e me jogassem em um rio! Se não fosse por um pescador eu teria morrido! Observei você esse tempo todo, sabia que ia se voltar contra a minha filha, mas não pensei que seria sujo o bastante a ponto de tentar matá-la!
Meu tio começou a falar mais alguma coisa, e enquanto fazia isso vi ele acenar para que o homem atrás dele fosse buscar o carro. O cara assentiu e correu de volta para o local onde o carro tinha sido bruscamente parado. Gelei da cabeça aos pés aos me dar conta do que ia acontecer a seguir.
Meu tio tinha sido capaz de tentar matar o próprio irmão, atirou em Miguel e me mataria se tivesse tido a chance, ele não hesitaria em atirar em nenhum de nós naquele momento. Concluir aquilo me fez pensar que eu deveria fazer alguma coisa imediatamente, por minha culpa talvez Miguel estivesse morto naquele momento, não deixaria que o mesmo acontecesse ao meu pai.
Percebi que os dois ainda estavam tentando negociar, e fiz os movimentos mais sutis que consegui enquanto passava para o banco do motorista. Minha mãos tremiam quando as coloquei no volante e meus pés nem mesmo tinham certeza de qual pedal pisar.
Quando meu tio engatilhou a arma eu vi que não teria mais tempo para pensar ou hesitar. Encarei meus pés e me lembrei de uma cena que ocorreu durante a viagem com Miguel há dois dias atrás. Ele usava seu tênis vans surrado de sempre e eu tinha perguntado se com todo o dinheiro que ganhou me espionando se não tinha conseguido comprar um novo, ele me mostrou seu dedo médio e então pisou fundo no acelerador. O pedal da direita. Respirei fundo e apertei as mãos suadas contra o volante e então pisei fundo, sem tirar os olhos do meu alvo. Em um milésimo de segundo enquanto o carro fazia o curto trajeto, pensei ter ouvido a sirene da polícia, mas acreditei ser só o meu último fio de esperança tentando me fazer parar, mas com polícia ou sem polícia, era tarde demais para voltar atrás. Meu tio virou a cabeça na minha direção, os olhos arregalados, em seguida ouvi um baque abafado e o corpo dele bateu no capô antes de aterrisar na estrada.
Por um segundo tudo pareceu congelar e silenciar ao meu redor. Mas então senti uma mão no meu braço e me virei, vendo meu pai com a expressão mais assombrada que já tinha visto na vida.
-Pai... eu... não queria, eu só... _As palavras cortadas e amedrontadas saíram sem controle da minha boca.
Mais uma vez ouvi sirenes, e luzes vermelhas e azuis iluminaram o ambiente já escuro. Era mesmo a polícia.
-Meu bem, fica aqui, eu vou cuidar de tudo! _Ele me disse, beijando o topo da minha cabeça e fechando a porta outra vez, indo até o carro de polícia.
Fiquei paralisada ali, apenas observando a movimentação a minha frente, não queria me mover e correr o risco de ver o meu tio. Eu tinha o atropelado. Quando a ficha caiu, fiquei assustada. Eu não fazia ideia que seria capaz de tal coisa, mas tinha certeza que naquele momento alguém se machucaria, poderia ter sido meu pai ou o tio que tinha feito da minha vida um pesadelo, eu não tinha outra opção, ao menos era no que eu queria acreditar. O policial vinha na minha direção, mas vi meu pai se apressar e voltar a ter uma conversa com ele, talvez movendo céus e terras para impedi-lo de me levar presa por homicídio. Mas e se ele não conseguisse?
Eu não podia ser presa!
Enquanto entrava em pânico, observei o policial anotar alguma coisa no celular e em seguida ele e meu pai apertaram as mãos, o que de alguma forma me deixou um pouco mais tranquila. Paralelo a isso, vi o homem que estava com meu tio ser algemado e colocado no carro da polícia, e aquela foi a minha pequena e breve satisfação daquela noite.
-Eu vou ser presa? _Perguntei assim que meu pai se aproximou, enquanto eu abria a porta do carro.
-Claro que não, querida, vai ficar tudo bem.
-Mas... eu matei o tio Félix?!
-Acho que não, vi ele se mexer, mas com certeza fez alguns danos, a ambulância já está a caminho. Falei com o policial e nós iremos dar nosso depoimento assim que possível, mas sabemos que agiu em legítima defesa, não há com o que se preocupar.
Aquilo deveria ter feito eu me sentir melhor, mas a sensação de peso no meu peito ainda estava ali. O pai que eu não via há quase cinco anos estava finalmente diante de mim e eu queria pular e gritar de alegria, mas naquele momento eu só tinha espaço para sentimentos ruins. Meu coração doía, e a minha cabeça só gritava um nome: Miguel.
-Pai... _Sussurrei, sentindo meus olhos arderem e um vazio atingir meu estômago. -O Miguel, eu acho que ele... tá morto. Ele levou um tiro, e ainda tentou correr para me salvar, mesmo sendo nitidamente impossível! Eu acho que o perdi para sempre. _Terminei, sentindo as lágrimas enfim descerem aos montes pelo meu rosto.
-Eu encontrei ele na estrada, filha... ele estava vivo, mas...
-Vivo? Miguel está vivo? _Indaguei, desesperadamente, e senti como se um ponto de luz acendesse dentro de mim.
-Querida, como eu disse, eu o encontrei vivo, mas a situação me parecia... delicada.
-O que quer dizer? onde ele está?
-Quero dizer que não sei se chegamos a tempo de socorrê-lo, ele tinha perdido muito sangue.
-Quem o socorreu? _Perguntei, ansiosa, mas a essa altura o ponto de luz já tinha se apagado outra vez.
-Roberta o levou para o hospital enquanto eu dirigia até aqui atrás de você.
Fiquei alguns segundos processando a informação, mas sem me permitir ter esperanças.
-Pai, eu preciso que ele esteja vivo. _Desabei.
Senti os braços do meu pai ao meu redor, me puxando para seu abraço saudoso e reconfortante. Eu chorava copiosamente e ele acariciava meus cabelos assim como fazia quando eu era criança. Então comecei a chorar de dor, mas também de alívio por ter aquele abraço de volta.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Aquela jaqueta de couro
RomanceCatarina Aires mora em Blumenau desde que nasceu, é herdeira das empresas de sua família, escrava de uma posição que não quer ocupar e correndo um risco que desconhece, a jovem impetuosa será salva por um motoqueiro misterioso, o que ela não sabe é...