MIGUEL

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  Depois que comecei a dar um de segurança particular não identificado passei a odiar os fins de semana, simplesmente porque não sabia quando poderia parar de vigiar a madame bêbada, mas durante a semana era mais fácil, ela raramente fugia de sua rotina.
Por isso, aqui estou eu sentado em uma mesa de costas para Catarina, em um brunch muito luxuoso em um sábado e torcendo para que as pessoas não notem o quão distoado estou do ambiente.
Pensei que ficaria tranquilo do outro lado da calçada como sempre, mas então a riquinha decidiu sair de carro com um mauricinho que dirigia um porsche. Foi uma missão impossível segui-los de bicicleta, mas para minha sorte morávamos em um bairro pequeno e o estabelecimento não era longe da casa dela e foi fácil demais reconhecer o carro em que estavam estacionado em frente o brunch.
-Eu recebi um vídeo seu ontem. _Ouvi o homem que estava com ela dizer.
-Ah... recebeu é? _Catarina comentou, parecendo receosa de repente.  -E... que vídeo era?
Os dois estavam falando sobre a nova coleção de uma marca ou algo assim e do nada o cara mudou o assunto sem aviso prévio, e pelo visto, Catarina tinha ficado desconfortável com aquilo.
-Você estava em uma festa em cima de uma cadeira enquanto um adolescente qualquer entornava bebida na sua boca.
-Eu não me lembro exatamente disso, mas eu fui a uma boate ontem, festa da escola.
-E não pensou em me convidar?
-Você faria pouco caso da festa e me convenceria a não ir e ficar na sala do seu apartamento ouvindo você falar sobre negócios. _Ela bufou.
-Eu definitivamente iria, ainda mais se soubesse o quão bêbada e depravada você pretendia ficar.
-Eu não acredito que estou ouvindo isso!
É, nem eu acreditava no quão imbecil aquele homem era.
-O que foi? você vai me dizer que foi linda as atitudes que teve na festa?!
-Eu não vou dizer nada, eu não preciso me explicar, que se dane se foi linda ou não, a atitude foi minha, e eu só estava me divertindo!
-Bela diversão! as vezes eu me esqueço o quão infantil você é...
-Escuta aqui Jon, se você me chamou até aqui pra ficar me humilhando e falando merda sugiro que me leve para casa agora mesmo! _Catarina falou, aumentando o tom de voz.
-E eu sugiro que pare de fazer escandâlos como um louca, as pessoas estão olhando!
-Eu não me importo! _Vociferou ela.
-Tudo bem meu amor, só se acalma, eu fui idiota, o que acha de compensá-la com um daqueles sanduíches integrais que você adora?
Precisei segurar minha reação, mas quem em sã consciência adorava sanduíche integral? só podia ser piada! Aqueles dois eram uma piada, concluí.
-Que droga Jon, você sempre... quer saber, só me leva pra casa, por favor.
-Vai realmente agir como uma adolescente mimada?
-Eu sou uma adolescente mimada, ou não sabia disso quando me pediu em namoro? _Ela falou, se levantando.
-Você é inacreditável, é melhor sairmos antes que algum jornalista nos veja e invente manchetes sensacionalistas.
Observei o imbecil pagar a conta enquanto Catarina esperava ele no carro, julgando por sua fisionomia ela estava bastante irritada, e chegava ser incômodo em como ela conseguia ficar ainda mais linda com a cara fechada.
Depois que os dois saíram eu fiz o mesmo e segui com a bicicleta até a casa dela, quando cheguei o cara já tinha ido embora e eu não vi sinais de Catarina pelo resto do dia, no entanto, só fui embora quando a vi fechar as cortinas do quarto e apagar as luzes.
   Quando cheguei em casa minha vó estava na sala com um cigarro na mão e o controle da tv na outra enquanto mudava de canais incessantemente, e por conhecê-la deduzir que já fazia aquilo por algumas horas.
-Finalmente meu filho, estava vigiando aquela garota até agora?
-Estava.
-Você prometeu que não passaria tanto tempo a mercê desse emprego, se é que posso chamar isso que está fazendo de emprego.
-E a senhora tinha me prometido que pararia de fumar!
-Não mude de assunto!
-É vó, eu prometi mas não quero agir de má índole com quem me contratou, prometi que ficaria de olho na riquinha, e é isso que farei, e está valendo a pena, se liga no que eu trouxe! _Falei, sentando ao lado dela e abrindo as sacolas que tinha nas mãos.
-O que é isso tudo?
-São seus remédios, tem o suficiente para dois meses de tratamento e aqui tem algumas coisas de supermercado que estavam faltando em casa.
Vi os olhos da minha vó brilharem e aquele simples ato me fez ver que todo aquele esforço e estresse que o novo emprego me causavam estavam valendo muito a pena.
-Vou colocar essa pizza pra assar, hoje não vamos comer arroz e ovo! _Falei animado, seguindo até a cozinha.
-Eu nem me lembro qual o gosto de uma pizza.
-É vó, nem eu, mas vamos relembrar hoje e pretendo poder lembrá-la mais vezes!
-Falando em lembrar... hoje é aniversário da sua mãe, deveria ligar para ela.
-É, eu farei isso. _Comentei, tinha me esquecido completamente do aniversário da minha mãe, mas que culpa eu tenho, ela era tão ausente que as vezes até me esquecia de que existia.
Eu moro só com a minha vó há tanto tempo que nem lembro direito da vida que tinha antes. Morei com a minha mãe e minha vó aqui desde que eu me conheço por gente, meu pai apesar de me assumir nunca morou conosco, ele e minha mãe namoraram por alguns meses e quando ela disse que estava grávida ele quis pular fora e preferiu apenas mandar o dinheiro da pensão mensalmente, eu só o via no dia dos pais, ele passava aqui em casa e me levava para almoçar e jogar bola na praça, e depois sumia outra vez, hoje em dia nós apenas trocamos mensagens em datas comemorativas já que ele tem esposa e dois filhos para cuidar e dar atenção.
O fato é que nunca tivemos vida financeira estável em casa, minha mãe era empregada doméstica e minha vó convivia com uma doença degenerativa há mais de dez anos, o que a impossibilitava de trabalhar. Eu tinha treze anos quando minha mãe chegou com um cara em casa e disse que estava noiva, e uma semana depois deu a notícia de que iríamos nos mudar para casa dele, mas ele morava em outra cidade e vovó se recusou a deixar a casa em que ela viveu a vida toda para morar de favor com um homem que mal conhecia. Optei por não abandonar a minha vó, ela não sobreviveria sozinha, não conseguiria pagar as contas e nem comprar os remédios, precisava de mim, então, ao contrário da filha egoísta que ela tinha, eu fiquei e arrumei um emprego para ajudar em casa. Hoje em dia minha mãe tem outro filho de dois anos e aparece uma vez no ano por aqui, e só faz isso para amenizar o peso na consciência dela. Mas apesar de não ser presente ela ligava uma vez por semana para saber como estávamos, o que não significava nada para mim.
  Depois de comer ajudei vovó a se deitar e fui fazer a ligação para minha mãe.
-Meus parabéns, desculpe não ter ligado mais cedo tenho estado ocupado nas últimas semanas... sim, estamos bem. Não, não precisamos do dinheiro do seu marido, mas obrigado. Ah claro, vai lá, dê um beijo no meu irmãozinho por mim, apesar de ele não fazer ideia de quem eu seja. Boa noite, mãe.
E era essa minha relação com o que chamo de família, eu tento ficar feliz pelo fato da minha mãe ter encontrado alguém que a ame depois de ser abandonada pelo meu pai, mas é difícil quando eu lembro o quão insensível ela foi ao ir embora e ainda mais difícil ser um desconhecido para o meu irmão mais novo.
   Na manhã de segunda quando cheguei no colégio não tive tempo de me certificar se Catarina já tinha chegado, estava atrasado para minha primeira aula do dia. Na hora do intervalo sentei em um banco próximo ao pequeno lago que tinha no campus do colégio, sabia que sempre que tinha um horário livre Catarina aproveitava para sentar na borda do lago e ficar alimentando os peixes, então aquele era o jeito que eu tinha de saber se ela estava na escola ou se tinha matado aula e se eu deveria sair como um cão farejador pelo bairro atrás dela. Enquanto estava sentado observando o ambiente, me perguntei o real motivo pelo qual a pessoa que me contratou quer que eu siga aquela garota e a proteja 24 horas por dia, a informação que o cara tinha me passado era que por ser uma garota rica e herdeira de uma grande empresa ela não podia viver sem proteção, no entanto, sua personalidade indomável - palavras de seu protegido - não permitiria que colocasse um guarda costas atrás dela, por isso, tudo deveria ser feito sem que ela soubesse. Mas por algum motivo aquela resposta não fazia sentido para mim, ela não era a princesa da Inglaterra para tanto exagero, e ela tinha seguranças na casa, deveria estar acostumada a tê-los sempre por perto, mas pelo pouco que havia observado ela não parecia se preocupar com nada ao seu redor. Fui tão fundo em meus pensamentos que não notei quando Catarina e sua amiga de cabelo colorido sentaram em um banco ao lado do meu.
-Cats, olha... _Ouvi a voz da amiga, e quando me virei para olhar o que ela mostrava para Catarina me arrependi no mesmo instante, pois eu era o foco da atenção das duas.

Aquela jaqueta de couroOnde histórias criam vida. Descubra agora