Nos últimos dias eu tentei manter certa distância de Catarina, desde que começamos a passar de uma amizade, para uma amizade colorida, eu tenho me sentido pior em relação a quem eu represento na vida dela, sobre mentir, sobre trabalhar para protegê-la, tem sido cada vez mais difícil continuar escondendo isso dela. Eu pensei que não me importaria em termos algo além de amizade, que seriam só beijos e tudo continuaria como sempre, mas a verdade é que eu não paro de pensar nela. Quando terminamos o beijo eu não quero ter que me despedir e voltar para casa, quero poder entrelaçar nossas mãos e caminhar no centro da cidade ou fazer uma pipoca e assistir um filme enquanto ela usa uma blusa minha, coisas que amigos não fazem. Isso tem me apavorado, tanto que hoje assim que terminei de dar aula no clube eu precisei passar na casa da minha vó antes de voltar para o apartamento, eu precisava desabafar com alguém que sabia das minhas condições, e ela era a única.
-A senhora tinha razão, vó... as coisas estão saindo do meu controle, eu não quero mais mentir para Catarina.
-Eu avisei, assim que vi seu rostinho desolado no dia em que magoou essa menina no colégio eu soube que tinha mais coisa envolvida nessa história... está gostando dela, não é?
Minha vó parecia que lia pensamentos, ela sempre sabia de tudo sem eu nem precisar abrir a boca. Assenti com a cabeça, concordando.
-Eu não contei nada antes porque pra mim tudo não passava de uma confusão da minha cabeça, mas nos beijamos há algumas semanas atrás, e desde então a gente tem vivido uma amizade com regalias, se é que me entende.
-Claro que entendo, já vivi muitas dessas amizades! _Ela disse, sorrindo. -Mas ambos concordam que o que vocês tem é apenas amizade?
-Aí é que está o problema, eu achei que concordava mas na última semana não tive mais tanta certeza disso, eu... não consigo deixar de pensar nela, de querer estar com ela, de ouvi-la falar sobre os desfiles de moda idiotas que ela assiste ou sobre o novo cabelo da Beyoncé... eu já amo até o cachorro dela! e as vezes ela é tão geniosa, me lembra a senhora e tudo que eu quero é que ela te conheça, mas essas não são coisas que amigos fazem!
Ela me olhou e sorriu, colocando a mão sobre a minha.
-Está apaixonado, meu neto. _Falou, simplesmente.
-Eu... eu nunca senti isso por ninguém, nem mesmo naquela vez que eu comprei todos os chocolates da venda para dar a neta da vizinha, eu só queria beijar ela... mas com Catarina... eu quero mais que isso, e por mais que estejamos em sintonia agora, parece que a qualquer momento uma muralha vai se estender entre a gente, tem tanta coisa que pode dar errado...
-É só você ser sincero com ela e contar sobre essa parte da sua vida que você esconde, pode se surpreender em como a verdade é libertadora e tem o poder de consertar as coisas.
-Mas não é só essa a questão, ela é rica, dona de uma empresa, e eu sou o quê? um mentiroso, pobre, que está se submetendo a um trabalho ridículo em troca de remédios e a oportunidade de terminar o ensino médio! eu não tenho nada para oferecer a ela!
-Isso não é importante, sentimentos são importantes!
-Não é simples assim... e eu nem sei o que ela sente, e se só estiver me usando para suprir seus desejos? afinal, esse foi o combinado, quem está fantasiando algo além disso sou eu!
-Você só vai saber o que ela realmente sente se perguntar!
Suspirei, e me mantive em silêncio, com mil questões rodando na minha mente.
-Filho, vá até ela e a convide para sair, será uma boa oportunidade para deixarem tudo às claras.
-Eu senti falta de nadar depois do expediente e o meu chefe me deixou passar no clube no fim da tarde para treinar um pouco, eu posso levá-la pra conhecer o lugar... é uma boa oportunidade de mostrar mais da minha vida e enfim poder ser completamente sincero.
-Faça isso, estarei aqui para o que precisar, e se tudo der certo na conversa você pode trazê-la para me conhecer enfim!
-Seria ótimo, farei isso agora mesmo! _Disse, beijando o topo da cabeça dela e pegando minha mochila. -Se eu não voltar hoje, amanhã estarei aqui para passar o dia com a senhora.
Me despedi e voei de volta para Jardim Blumenau, estava decidido a contar toda a verdade para Catarina e a me declarar para ela, ainda não sabia com que coragem eu faria isso, mas esperava que desse certo.
Quando abri a porta do apartamento ela estava com o celular na mão, e com uma expressão de ansiedade no rosto, e saiu entrando antes mesmo de eu a cumprimentar. É, passamos da fase das cerimônias.
-E então, que proposta é essa? _Ela perguntou, se jogando no sofá.
Era engraçado vê-la tão a vontade, no colégio ela era sempre tão requintada, e até mesmo em sua própria casa seus modos pareciam mais contidos, era quase como se ela se sentisse mais confortável ali. Comigo.
-Eu estive pensando... nós não nos vimos muito nesses últimos dias, eu tenho estado com a cabeça um pouco sobrecarregada, pensei que pudéssemos fazer alguma coisa mais tarde.
Ela me encarou com uma expressão de desconfiança.
-Está me chamando para um encontro?
-Não. Quer dizer, não sei, eu só queria que conhecesse o clube onde eu trabalho, eu tenho autorização para usá-lo mais tarde, você poderia me ver nadar e conhecer um pouco mais sobre mim já que reclama tanto disso, e depois nós podíamos comer alguma coisa lá perto, se você não se importar com as lanchonetes...
-Acho que já provei o quanto você tem credibilidade comigo no dia em que comi aquele cachorro quente que levou pra mim na nossa última aula, a propósito, passei mal por dois dias! _Ela falou, fazendo uma careta. -Mas a resposta é sim, eu topo conhecer o clube e comer mais cachorro quente envenenado com você!
Não pude evitar sorrir, eu já deveria saber que Catarina não negaria uma boa aventura na vida "entendiante" dela, como ela mesma sempre dizia.
-Tudo bem, nos vemos em duas horas então, eu te espero no portão da mansão.
-Okay, que tipo de roupa eu devo usar para ir a um clube no subúrbio? _Ela perguntou, se levantando.
-Primeiro, provavelmente só terá nós dois e o porteiro lá, segundo, vista qualquer coisa que não inclua salto alto!
Ela pareceu desanimada por um momento, talvez ela não gostasse da ideia de estar só comigo, ou talvez ela gostasse muito de salto alto, antes que eu falasse que ela podia usar o sapato que quisesse, ela voltou a sorrir.
-Tudo bem, então até daqui a pouco. _Falou, beijando meu rosto e saindo na mesma velocidade em que entrou.
Parei em frente ao portão da mansão e ela pediu que o porteiro me mandasse entrar e a esperasse na sala porque tinha se atrasado escolhendo a roupa, o que já não era mais surpresa para mim já que vinha acompanhando seus passos há dois meses e sabia do histórico recorrente de atrasos que ela tinha no colégio.
-Então vocês vão sair? _Louise perguntou, se sentando ao meu lado no sofá com um balde de pipoca, me oferecendo.
Aceitei um pouco e me ajeitei no sofá antes de responder sua pergunta, que soava mais como afirmação.
-É, nós vamos.
-Vai levá-la a mais uma aventura no subúrbio? _Perguntou, rindo.
Eu sabia que ela não estava criticando, parecia até animada, então eu ri junto.
-Você acha que ela vai gostar de comer coxinha e tomar cafezinho no copo de pinga?
Louise quase se engasgou com a pipoca, rindo ainda mais da minha pergunta.
-Está brincando? esse é o sonho da vida de Catarina Aires!
-Mas é claro que é! _Rebati a ironia.
-Agora falando sério, você sabe que eu sou a melhor amiga dela, talvez uma das poucas amizades verdadeiras que ela tem, por isso devo admitir que me preocupei logo que vocês se aproximaram, foi de repente e nós não sabíamos nada sobre você, e ela é sempre tão impetuosa e as vezes irresponsável que eu sempre acho que ela vai se meter em encrencas... só quero que saiba que ela confia em você, não a decepcione.
Senti meu estômago dar um nó. "Ela confia em você, não a decepcione". Aquelas palavras ficaram martelando na minha cabeça até Catarina aparecer descendo as escadas, dessa vez sem o blazer decotado e os saltos, devo admitir que fiquei aliviado com isso.
Ela usava um vestido verde que parecia realçar ainda mais a cor dos cabelos dela, e botas brancas que exalavam sua personalidade.
-Aliviado por eu ter me abstido dos saltos? _Ouvi ela perguntar, mas parecia que sua voz estava longe, eu realmente precisava focar no que ela falava ou babaria bem ali, diante dela. Parecia um adolescente idiota.
-Eu... com certeza estou, odiaria ter que servir de muletas pra você por mais uma noite. _Falei, seguindo até a porta.
Como já era de se esperar, assim que chegamos no portão o motorista dela estava nos aguardando, eu pensei em ser do contra mais uma vez, mas ela já estava entrando no carro, como se soubesse que eu iria me opor e não quisesse me dar a chance disso.
Fomos a meia hora até o meu bairro conversando sobre as diferenças de um lugar para o outro, comentei sobre como as ruas eram melhores pavimentadas no bairro dela, e ela falou que a iluminação do meu era bem precária também, no fim concordamos que as diferenças eram notáveis e que o meu não ganhava em nada do dela. Chegamos no clube e apesar das luzes estarem ligadas, tudo estava silencioso, como eu imaginei não tinha ninguém além do porteiro, então seguimos até a área da piscina.
-Aqui que eu dou minhas aulas, e também tiro uma horinha pra nadar despretensiosamente depois do expediente.
-Seus alunos devem gostar de você, por experiência própria posso afirmar que é um bom professor. _Ela falou, sentando em um dos bancos em volta da piscina.
-É, acho que eles gostam, mas eu já não gosto tanto assim de trabalhar aqui, antes eu adorava, mas quando descobri o que eu realmente gosto de fazer e o que quero pro meu futuro... esse ginásio por maior que seja se tornou pequeno demais. _Comentei, me sentando.
Ela ficou atenta a tudo o que eu dizia, sabia que ela se incomodava com o fato de eu não falar sobre mim, a menos que ela insistisse muito, então fiquei feliz ao ver que ela realmente se importava com cada palavra.
-E o que exatamente você quer pro seu futuro?
-Ser um empresário, é pensar alto, eu sei... mas é o que eu quero, por isso me esforço tanto em terminar o supletivo, quero poder ingressar na faculdade o quanto antes.
-Você será um grande empresário, tenho certeza disso, vejo a paixão que tem só de ouvi-lo falar, é a mesma que o meu pai tinha, e veja só onde ele chegou! é uma pena que agora a empresa tenha que ficar nas mãos de alguém que não se importa nadinha com ela. _Ela deu de ombros ao falar sobre si mesma.
-Como era o seu pai? sua relação com ele? _Perguntei, notava que ela tinha certa admiração ao falar dele, mas um ressentimento grande quase encobria isso.
-Sempre fomos muito unidos, eu não pude conhecer a minha mãe e ele fazia questão de tentar suprir a falta dela sempre estando comigo, ele não era daqueles pais ricos e ocupados que não sabem nem a data de aniversário dos filhos, ele queria saber de tudo sempre, mesmo depois que casou-se outra vez não deixou que aquilo atrapalhasse nossa relação. E é por isso que é tão difícil aceitar que ele tenha ido embora, sem dar satisfação ou nem mesmo se despedir, prefiro acreditar que tenha morrido, me sinto menos abandonada.
Ela encarava a piscina, os olhos pareciam brilhar, não sabia se era reflexo ou lágrimas prestes a descer por seu rosto. Quase que instintivamente eu levei minha mão até a dela e apertei-a de leve.
-Se ele te amava tanto quanto me parece, tenho certeza que de onde ele estiver, vivo ou morto, pensa em você a todo instante.
-É o mínimo que eu espero... _Ela sussurrou.
Não queria que aquele clima continuasse, então soltei sua mão e me levantei, tirando a blusa e os sapatos.
-O que... o que você está fazendo? _Perguntou, arregalando os olhos.
-Eu disse que venho aqui para nadar, é o que vou fazer! _Falei, tirando a calça e ficando apenas com um short que tinha colocado exatamente para aquela situação.
Pulei na piscina e ouvi quando ela deu um gritinho, provavelmente eu tinha a molhado um pouco, e obviamente foi de propósito.
-Miguel! _Ela vociferou, levantando e batendo no vestido.
-A água está deliciosa, deveria entrar!
-Eu não trouxe biquíni, seu idiota.
-Então entra assim mesmo, não é de aventura que você gosta?! _Falei, a desafiando. -Ou está com medo de tirar a maquiagem e estragar as ondinhas falsas do cabelo?
Ela arqueou uma das sobrancelhas, e sem pensar mais tirou as botas e correu, pulando na água.
-O que você dizia? _Ela perguntou, assim que voltou para a superfície, os cabelos molhados para trás, dando ampla visão de todo o seu rosto perfeito.
-Você realmente não gosta de ser desafiada, não é? _Falei, rindo.
-Engraçadinho, quero ver como vou voltar com essas roupas encharcadas, Tina vai me matar!
-A gente dá um jeito nisso! _Disse, jogando água no rosto dela.
Catarina fingiu uma expressão indignada e rebateu o jato de água, mas ao contrário de mim ela continuou jogando e jogando água para que eu não pudesse revidar.
-Você vai... me afogar! _Disse, rindo, tentando abrir os olhos.
-Não sabe brincar não desse pro play! _Falou ela, mas assim que esticou o braço para o próximo jato de água, eu consegui a alcançar.
Segurei seu pulso e a puxei devagar para perto de mim, conseguindo finalmente focar minha visão. O sorriso dela foi diminuindo ao passo em que começava a sentir a tensão que se formava no ambiente.
-Eu preciso falar com você sobre uma coisa... _Me ouvi dizer, estava pronto para contar toda a verdade a ela, era um bom momento.
-Okay, eu sei o que está tentando fazer, vai segurar minha atenção e então quando eu menos esperar me jogará água, mas comigo isso não vai rolar espertinho, eu sou...
Ela começou a falar sem parar, e descobri ali o quanto ela era competitiva. Eu simplesmente não conseguia começar a falar, a não ser, claro, que ela calasse a boca, algo que não parecia ser capaz de fazer.
-Catarina, eu posso falar?
-Nada disso, Mig...
Sim, eu precisei puxá-la para mais perto e a interromper com um beijo, e imaginei que nada poderia ser mais clichê que aquilo. Pensei termos nos beijado por uma eternidade, e quando finalmente nos afastamos eu nem me lembrava mais o que tinha pra falar. Nenhum de nós dois disse nada por alguns minutos, até que ela deu um longo suspiro, indicando que estava pronta para começar a falar primeiro.
-Essa foi a melhor forma que alguém já arrumou de me fazer calar a boca. _Falou, e então eu ri.
-Eu realmente espero que ninguém mais tente esse método além de mim. _Fui direto, e observei a fisionomia dela passar de surpresa para algo parecido com... alívio?
-O que quer dizer com isso?
-Eu... tudo bem... _Comecei, dando uma longa inspiração. Achei que seria melhor começar me declarando, caso ela me chutasse eu não teria necessidade de contar todo o resto. -Desde o dia em que te vi com os braços cruzados me encarando no corredor vazio do colégio, eu soube que não me livraria facilmente de você, e então quando brigou comigo no dia da reunião e disse que não queria mais me ver eu soube que você tinha ocupado um lugar dentro de mim muito maior do que eu pensava... o que me assustou... e quando nos beijamos naquela noite pela primeira vez eu senti algo que nunca tinha sentido na minha vida. O ponto é que eu estava gostando da nossa rotina de ficadas após as aulas, mas já tem alguns dias que eu não estou mais satisfeito só com beijos, que são incríveis, devo afirmar, mas quero...
-Mais. _Ela sussurrou, tirando a palavra da minha boca, sem desviar os olhos dos meus. -Eu achei que só eu estava sentindo isso, estava apavorada de ter entendido errado e estar precipitando as coisas, e então quando você ficou distante nesses últimos dias eu quase cheguei a conclusão de que você nem mesmo queria mais ficar comigo...
-Muito pelo contrário, precisei desses dias longe de você pra que eu não fosse influenciado por tudo isso! _Falei, fazendo um gesto idiota em frente ao seu rosto, e notei quando as bochechas dela ficaram rosadas. -Mas mesmo longe eu não conseguia parar de pensar, de querer... mas precisava decidir algumas coisas antes, odeio o fato de não ter sido sincero com você desde o ínicio e...
Ela riu, sacudindo a cabeça e pronta para me interromper outra vez.
-Você não poderia ser mais sincero, é o que me encantou em você desde o começo, tudo bem que quando nos falamos pela primeira vez na escola você mentiu, mas depois daquele dia não teve nenhum momento em que não sentisse sinceridade vindo de você. Você não se aproximou de mim pelo o que eu tenho, e nem pelo que represento e deixou isso claro desde o ínicio, e ninguém nunca tinha feito isso antes.
Eu fiquei sem palavras, como eu poderia dizer que escondia algo tão importante dela depois de tudo que ela tinha dito? eu me senti ainda pior, mas então antes que pudesse tomar as rédeas da situação outra vez senti as mãos molhadas dela envolverem minha nunca e encostar o nariz gelado no meu.
Então a boca dela envolveu a minha, me beijando, e foi o suficiente para eu não conseguir estragar aquele momento com a minha droga de confissão.
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Aquela jaqueta de couro
RomanceCatarina Aires mora em Blumenau desde que nasceu, é herdeira das empresas de sua família, escrava de uma posição que não quer ocupar e correndo um risco que desconhece, a jovem impetuosa será salva por um motoqueiro misterioso, o que ela não sabe é...