De onde está saindo tanto homem gato nesse prédio ultimamente? Dos esgotos?
Era isso que eu estava me perguntando antes do elevador parar e eu meio que entrar em desespero. Odeio lugares muito apertados.
— Está se sentindo bem? — pergunta o rapaz, com uma voz absurdamente rouca.
Sua gentileza é tamanha, que me faz ter vontade de lhe oferecer as pastilhas para a garganta que tenho na Charlote. Será que está doendo muito?
— Obrigada por perguntar, estou sim.
Ele assente e aponta para o celular, me pedindo licença para continuar seu telefonema.
Educado, mas aparentemente é só comigo.
— Preciso desligar, continua falando comigo por mensagem. — Seus dentes trincam quando escuta a resposta. — Jura que está me fazendo essa pergunta estúpida? Se o débito cair mais, quero que sente e fique olhando. — Passa as mãos pelo rosto, respirando fundo, para tirar paciência de onde aparentemente não tem. — Claro que não, Letícia! Se acontecer, bipa a chefe, porra! — responde, desligando na cara dela.
Seus olhos escuros se mantêm na tela do celular enquanto procura por um número nos contatos, mas os meus não conseguem mais sair dele. Ele não é só bonito. É um verdadeiro pecado.
Débito? Tipo de conta bancária? Só escutei até aí.
— Pai?
O Sr. Manuel nunca mencionou que tinha filhos durante nossos papinhos matinais. Será que esse mocinho pecaminoso também trabalha para o imperador do diamante? Ou seus príncipes? Pelo visual despojado e as roupas de corrida de marca, não me parece que esteja aqui a trabalho.
O Dr. Pallace não era somente dono do prédio que tem seu sobrenome, como também de todos os seus apartamentos, menos aquele que vendeu para o advogado do diabo e que, posteriormente, foi alugado para mim. Souza's era um bem de família. O tipo de bem que a gente não se desfaz. Ele passou nas mãos de todos seus ancestrais antes de parar na dele e imagino que, a essa altura, seu bisavô esteja se revirando no túmulo porque aceitou vendê-lo, mas a fofoca que rola no Xavier &Pallace é que o joalheiro ofereceu um valor bem acima do mercado pela propriedade como um todo e que a proposta era tão irrecusável que, nem pelo seu vô, meu chefe conseguiu recusar.
Enfim, todos os apês agora também pertencem à famosa família italiana, que continuou mantendo a maior parte dos contratos de aluguel com os moradores, mas descobri pelo síndico, naquele papo que batemos quando tentei reclamar do meu vizinho, que tiveram contratos que não foram renovados ou foram rescindidos depois da compra, como é o caso das duas coberturas para onde os príncipes se mudaram. Sendo assim, faz sentido que alguns dos seus funcionários tenham se mudado para cá. Será que é o caso desse moço? Bom, não é da minha conta.
— Pode voltar ao Souza's? O elevador parou.— conta ao pai.
Curioso. Só agora reparei que sua voz rouca e profunda não me é de toda estranha. Será que trabalha com telemarketing?
Está mais para disque-sexo.
Por um instante, imagino que seu tom rouco é o responsável por fazer meu estômago se apertar, mas aí me lembro de que estou presa dentro de uma lata de sardinha.