— Fui atropelada por uma carreta? — gemo de dor, encarando a garota vestindo jeans e camiseta que encontrei me observando dormir. Aos poucos, cada mínimo detalhezinho sórdido do que eu fiz na noite passada clareia nos meus pensamentos e meus gemidos passam a ser de vergonha. — Se não fui, será que ainda tem alguma chance de isso acontecer se eu descer e me estirar no meio da Florata?
— Para de ser boba! — gargalha, pulando em cima de mim para me encher de beijos. — Bom dia, coisa linda!
— Bom para quem? Mas que droga deu em mim ontem, Bruna?
— Fogo, amiga — opina, me entregando a aspirina e a garrafa de água que Shawn colocou na minha mesinha de cabeceira.— Em todos os sentidos da palavra, mas principalmente no rabo.
Engulo o comprimido em seco e dou com a garrafada na cara dela.
— Mas que humor detestável é esse?
— O céu da minha boca está com gosto de sola de sapato...
— Já lambeu um para ter certeza?
Eu a olho feio.
— Meu estômago está embrulhado e também não tem nenhuma parte de mim, por mais minúscula que seja, que não esteja dolorida. —reclamo como uma velha de meio milênio.
— Nenhuma? — pergunta se animando porque, antes da garrafa de tequila chegar, deu tempo de eu a colocar a par dos últimos capítulos desse romance confuso em que se transformou minha vida.
— Essa continua intocada.
— Te largar toda sexy na cama dele não funcionou para resolver o problema?
Franzo o cenho e suas mãos puxam a coberta para que eu veja o que estou vestindo.
— Perfeito! — resmungo, voltando a me cobrir. — Muito obrigada por me envergonhar mais do que eu já tinha conseguido fazer por conta própria.
— Não seja maldosa comigo. — Faz biquinho.
— Não acredito que fui mesmo rejeitada na frente de todo mundo! — Me encolho, agradecendo aos céus por Shawn estar de plantão. — Como vou olhar na cara dele agora? Por que eu não posso ser aquelas bêbadas que esquecem tudo que fazem? E por que você não está de pijama, se está de folga?
— Porque nós vamos tomar café no Love Cofee.
— Mas nem pensar! — gargalho amargamente, lutando pelo poder do meu edredom com a maluca.— Dessa cama eu só saio para tomar veneno ou me enfiar dentro de um bueiro escuro.
— Você não tem escolha — informa, me arrastando para fora da cama pelas pernas até que eu caia de bunda no chão. — Seu apê é o primeiro lugar aonde meu homem vai me procurar quando acordar.
— Por que está fugindo do Gael? — pergunto, sendo empurrada para dentro do banheiro.
— Vomitei até as tripas no tapete da sala, depois chorei até apagar no colo dele porque meus pais morreram, como sempre acontece quando bebo além da conta. — conta com um dar de ombros, como se não fosse nada de mais. — Então toma um banho, dá um jeito nesse seu bafo de onça e se arruma para gente dar logo no pé.
— Sinto muito, amiga — me penalizo. —Posso fazer alguma coisa para ajudar?
— Além de se apressar, também ajudaria se você engolisse uma daquelas suas pílulas imaginárias feitas à base de Ursinhos Carinhosos que você toma toda manhã e voltasse a ser você mesma, porque esse seu humor trevoso não está fazendo eu me sentir menos carente. — implora, com o olhar apontando para o chuveiro.