Termino de regar nossa plantinha da felicidade e cruzo a sala a caminho da porta da frente, me segurando para não olhar o homem que encontrei dormindo no sofá, mas é impossível. Por que nunca se lembra de pegar uma coberta? Por que nunca coloca a porcaria de uma camisa? Por que tinha que ser tão bonito?
Imagino, pelas olheiras escuras ao redor dos olhos e o semblante mais abatido que o normal, que não tenha dormido quase nada noite passada e sei que a culpa é minha. Não estou facilitando as coisas.
Dou meia-volta, solto Charlote em cima da mesa da cozinha, e abro os armários, sentindo meus olhos arderem. Esfrego ambos com as mangas da blusa de tricô laranja e preparo um café, pensando em tudo que está acontecendo e no que eu decidi fazer depois que o coloquei para fora do meu quarto ontem. Tenho que seguir em frente. Nem que seja chorando pelo caminho. Sei que é muito egoísta da minha parte querer acordá-lo sabendo que faltam apenas quarenta minutos para que o despertador do seu celular toque, mas não terei paz de espírito se não conversarmos antes que eu saia de casa para mudar o rumo da minha história outra vez e, se quiser pegar o diabo sozinho, preciso sair agora.
Seco o rosto, que agora vive mais molhado que minhas calcinhas, e cutuco seu ombro com delicadeza.
— Posso falar com você? — pergunto assim que seus olhos sonolentos se abrem.
Ele assente e se senta no sofá.
Meus olhos desobedientes ignoram as ordens do meu cérebro e se aproveitam do momento para descerem em câmera lenta do rosto para o seu corpo. Forte, impetuoso, definido, viril... — eu poderia continuar até setembro porque aparentemente meu cérebro se distraiu e continua procurando por mais adjetivos para que eu possa discorrer sobre o quanto esse homem é um gostoso.
— O que quer me falar?
— Café? — Estico a caneca tentando ganhar um tempo.
Tudo que eu mais queria era que suas mãos agarrassem minha cintura e me colocassem em seu colo para que pudesse me agradecer com um bom beijo, mas uma delas esfrega o rosto, e a outra se estica para pegar a caneca.
Para o que eu quero, o príncipe usa apenas palavras.
— Obrigado. — agradece, tomando um gole.
Como meus olhos não saíram dos dele, noto quando termina de acordar e se lembra de que não ando muito amigável ultimamente. Eles se estreitam.
—Tinha veneno? — O canto esquerdo do lábio se erguendo em um meio sorriso traz uma expressão divertida ao seu rosto, mas o tom que fica ainda mais rouco pela manhã não esconde a mágoa.
Nego.
— É um pedido de desculpas por eu andar me comportando como alguém que tem o direito de proibir você de viver sua vida.
Só beba minha bandeira branca e cala essa boca.
— Pode incluir no pacote eu ter empurrado seu peito e gritado em seu rosto.
Seus olhos se chateiam.
Será que me esqueci de alguma coisa? Oh, sim.
— Eu também não devia tê-lo expulsado do meu quarto, sendo que é o dono do apartamento.
— Não se desculpe. — pede, ainda mais chateado. — Se eu estivesse no seu lugar, também não teria reagido bem ao que aconteceu.
Batam palmas para o eufemismo do ano!
— Se estivesse no meu lugar, você teria derrubado o Souza's Pallace — brinco, me obrigando a sorrir.
— É... — concorda, tomando mais um gole de café. — Vai sair? — Observa a bolsa no meu ombro com interesse.