— Dorminhoca?
Giro o rosto automaticamente.
— Mila?
— Hum?
— Está com fome?
Eis aqui uma pergunta que me faz sair completamente do meu estado de torpor.
— Não — respondo, virando para o outro lado a fim de lhe dar as costas.
— Nem um pouco?
— Lembrei que você tinha marcado de sair com a garota do restaurante chinês e jantei mais cedo, mas se quiser tem lasanha congelada no freezer. Se vira.
— Desmarquei com ela.
— O quê? Por quê?
— Porque, pelo que eu me lembro, combinei de assistir um filme com outra garota.
— Outra garota? — resmungo, pensando em quantas mais vou ter que suportar.
— Uma ciumenta que ficou emburrada porque achou que eu tinha esquecido dos nossos planos e acabou de virar a bunda gostosa dela para mim. Conhece? — Olho por cima do ombro, abrindo um sorrisinho. — Sabe o que duvidar do meu caráter e se vingar de mim com aquela lasanha vai te custar?
— Brigadeiro? — quando pergunto quem sorri é ele.
— Brigadeiro. — Se senta no seu lugar, apoiando os pés na mesinha assim que levanto.
Saltito até a cozinha para atender seu pedido, pensando que porcaria estou fazendo com a minha vida. Coisa boa sei que não é. Se eu tivesse uma mãe, era o que ela me diria.
— Como foi o plantão? — pergunto abrindo os armários na cozinha à procura de coisas novas para agregar ao meu dia.
A coisa mais interessante que aconteceu comigo hoje foi encontrar uma estante repleta de livros escondida atrás de duas portas de correr negras no escritório. Aproveitei para avaliar um pouco suas coisas enquanto limpava o apê. Sabe o livro que ele estava lendo quando Kai surrou o Leo? Está autografado. Uma paciente esqueceu no consultório, hum? Se fossem revistas pornôs ou algum parente distante do chicote igual às algemas de couro de pulso e tornozelo com quatro amarras que encontrei na mesinha de cabeceira, junto com o lubrificante, acho que não teria ficado tão chocada quanto fiquei no momento em que encontrei a maior parte dos meus chick-lits prediletos no meio deles, incluindo uma cópia daquele que estou lendo.
Boa parte dos livros têm mínimas marcas de uso, que indicam que já foram lidos. Ele pareceu cuidadoso. Nada de dobrar páginas para marcar aonde parou ou coisa do tipo. Mas um em especial parecia ter sido folheado muitas e muitas vezes e isso despertou meu interesse porque era uma das duas únicas biografias em meio aos outros gêneros. A outra era do Stephen King. Não tenho ideia do por que ficaria tão interessado na trajetória de Milena Pacholek. Uma modelo que saiu de um bairro do subúrbio de São Paulo e construiu uma carreira de sucesso nas passarelas internacionais. Eu a reconheci de imediato porque já tinha visto seu rosto estampado nas capas de várias revistas importantes de moda e campanhas publicitárias. Ela é bem famosa, mas não sabia nada a respeito da sua história, até então. Uma mocinha pobre e batalhadora que perdeu os pais cedo e precisou batalhar para vencer sozinha na vida. Ela tem uma história de vida linda. Encarar a foto dela na capa fez com que eu me sentisse a criatura mais medonha que já pisou no universo, porque está para nascer uma mulher mais deslumbrante que aquela.