Porra de celular!
— Pega para mim, Mila? — imploro, completamente imerso em sonolência e no cheiro floral dos seus cabelos misturados àquele aroma doce e arrebatador que só um bolo recém-tirado do forno deixa em casa, até que o celular continue tocando sem parar e meus olhos se abram para a realidade de que estou sozinho em uma sala escura, onde o único aroma real no ar é o do meu próprio perfume.
— Camila? — insisto mais alto, olhando ao redor, mas não a vejo em parte alguma.
Me estico para pegar o aparelho em cima da mesa de centro. Confiro a hora antes de atender. Onze da noite.
— Espero que você tenha um motivo muito bom para me acordar. — resmungo, entrando a passos largos no corredor e usando a outra mão para espantar o sono do rosto.
— Foder comigo é um motivo bom o bastante? — Pelo burburinho de vozes no fundo, imagino que ainda esteja no hospital. — Liguei para saber se já tem alguém na sua cama.
Estou me fazendo a mesma pergunta, até chegar à porta do quarto.
— Shawn?
— Não, não tem — respondo, sendo dominado pela tristeza enquanto encaro a cama arrumada. Um sentimento que me desola tanto, que não consigo fazer outra coisa além de fechar a porta e voltar para a sala.
— Larguei agora e nossa enfermeira está esperando por mim no carro.
Afundo no sofá, apoio a nuca no encosto e olho absorto para o teto, sem conseguir acreditar que ela realmente foi embora sem se despedir de mim. Por que faria isso?
— Quer ir com a gente para o meu apartamento?
— Não estou a fim, Rodrigo.
— Ah, não! Eu quero você sem roupas na minha cama. — resmunga, me arrancando uma risada. — Faz semanas, Dr. Mendes!
— Já não falei para parar com as frases de duplo sentido enquanto estiver andando pelos corredores?
— E acabar com a minha diversão? Acabei de fazer uma das senhorinhas da limpeza cuspir o café. — conta rindo e, por um segundo, enquanto rio junto, consigo esquecer do que está me incomodando tanto.— Para de se fazer de difícil, nós dois sabemos que você me quer.
É melhor do que passar o resto da madrugada pensando nela.
— Pode ser aqui? Estou com preguiça de sair de casa.
— Não disse que estava tendo problemas com a vizinha por causa do barulho?
— Camila se mudou.
— Por que não parece feliz com isso?
— Porque ela foi embora e nem se dignou a me dizer adeus.
— Pensei que ela fosse um problema.
— Ela é. — digo, passando as mãos pelo rosto.— Camila é um problema enorme que uma boa trepada com uma enfermeira pode me ajudar a esquecer.
— Me dá dez minutos!
Passo esses dez minutos de olhos fechados, embaixo do chuveiro, me sentindo abandonado, solitário e irritado pra caralho com a atitude infantil da Camila.
— Chegamos — avisa Letícia, batendo na porta.
Enrolo mais um pouco. Quando saio do banheiro, encontro os dois se pegando na minha cama e me jogo em uma poltrona no canto do quarto para assistir, é inevitável não pensar que, se o perfume dela ainda estava nos meus travesseiros, agora não está mais.
Rodrigo não perdeu tempo em tirar as roupas da Lets e, depois que seu olhar encontra o meu, também não perde em tirar o elástico do pulso dela e prender seus cabelos para mim, me chamando com um gesto quando termina, mas não me animo em ir até lá. Estou distraído, pensando que nunca precisei dizer para o Rodrigo quanto detesto cabelos voando no meu rosto, se grudando ao meu corpo ou se esparramando na minha cama, bastou que ele me escutasse gritando com uma garota por causa disso uma única vez para que entendesse que, de alguma maneira, aquilo era importante para mim e passasse a cuidar do assunto, sem me fazer perguntas.
Na realidade, nunca preciso realmente dizer como me sinto para que meu melhor amigo me entenda, e é assim desde que nos entendemos por gente. Isso faz com que eu me lembre da Camila em pé na minha cozinha, prendendo os cabelos, depois de entender em um único olhar que era o que eu queria que fizesse; e antes disso, nas nossas varandas, quando mais uma vez não precisou escutar nada da minha boca, para saber o que estava se passando nos meus pensamentos.
Sou uma pessoa difícil de lidar, e admito que não fica na minha vida quem não entende aquilo que eu não falo, mas fora o meu pai, ninguém nunca foi tão bom nisso quanto Rodrigo, até eu conhecer a Camila. Nem meus irmãos, que foram obrigados a aprender na marra e muitas vezes ainda falham. Rodrigo não conta, na realidade. Meu melhor amigo veio comigo de uma outra vida. Sempre esteve na minha vida. Sempre.
Ele coloca Letícia sentada de costas em seu colo, de frente para a poltrona onde estou, e abre suas pernas para que eu possa assistir, depois agarra sua cintura e a penetra de uma vez. Ele se distrai beijando seus ombros e acariciando seus seios para esperar até que ela se acostume ao tamanho dele e esteja pronta para acelerar o ritmo, sem parar de me perguntar com o olhar, entra uma carícia e outra, qual é a porra do meu problema. Como eu disse, ele me conhece.
Meu problema tem um pouco mais de um metro e meio, parece uma bonequinha e cora sempre que se envergonha, bem diferente da garota com um par de bochechas tão brancas quanto as cortinas que está se movendo cada vez mais rápido, dando para um dos meus melhores amigos na minha frente, sem desviar os olhos dos meus, mas não é nela que estou pensando quando deslizo uma das mãos pelo meu abdômen se contraindo e agarro meu pau, não é nela que continuo pensando enquanto bato uma. Não importa o quanto eu adore cada minuto das nossas transas, alguém que gosta de se divertir com dois caras ao mesmo tempo não está conseguindo me excitar essa noite. Estou pensando em um par de bochechas rosadas. Estou pensando em alguém que não precisa tirar a roupa para me satisfazer. Não paro de pensar na Camila. Por que eu não paro de pensar na Camila?
— Shawn! — Sou arrancado dos meus pensamentos quando estou perto de gozar. — O que foi?
Meus olhos se abrem e encaram um par esverdeado e irritado que me encara de volta.
— Nada.
— Então vem aqui, porra, nem está parecendo você.
Rodrigo tem razão, ultimamente nem eu estou mais me reconhecendo. Eu não sou o cara que cancela uma cirurgia e sai correndo no meio de um plantão por alguém, não sou o cara que trai a lealdade que deve aos irmãos por alguém, não sou o cara que bate às duas da manhã na porta do pai sem rumo, se intromete em relacionamentos alheios ou perde o sono porque alguém está a ponto de caminhar em um tapete vermelho rumo a uma vida de mentiras e infelicidade. Não sou o cara que dá colo e abrigo para esse alguém, ou aquele que se diverte enquanto a assiste fazer um bolo. Já fui esse cara um dia, e a atitude dela só serviu para me lembrar porque eu deixei de ser. Pessoas vão embora, eu já deveria ter me acostumado a isso.
Levanto, fazendo um meneio para a parede. Rodrigo empurra a garota para fora da cama e vem atrás, jogando uma camisinha para mim enquanto coloca a outra.
— Tem certeza de que está tudo bem? Nunca quis ficar de fora.
— Se eu fosse chutar, diria que ele não quer brincar com a gente por causa daquela garota da emergência, que até agora ele não quis me dizer quem é. — opina Letícia, rindo e pulando em meu colo.
— Rodrigo gosta de conversa, eu não —lembro, agarrando as pernas dela e a obrigando a descer no lugar certo, arrancando mais do que um gemido dos seus lábios. — Só abre essa boca se for para gemer.
— Olha quem apareceu. — brinca Rodrigo. —Por que você não provocou antes, Lets? —pergunta, chegando por trás dela.
Camila foi embora e, por mais que eu quisesse me assegurar de que ela ficaria bem, eu não sabia onde encontrá-la e não podia fazer mais nada além de voltar para a minha antiga vida. Nunca imaginei que esquecê-la seria tão difícil.