Se eu saí de mim com a ideia de morrer como uma pecadora, viver como uma estava definitivamente me matando.
Uma semana. Esse foi o tempo que eu aguentei conviver com a culpa.
Kai azedou no minuto em que uma mocinha simpática me estendeu uma sacola com os fones mais potentes que encontramos, e meus olhos se encheram de água. Tentei fingir que nada tinha acontecido, encarando as vitrines quando voltamos aos corredores do shopping, mas foi só uma questão de tempo até que o advogado habilidoso que mora dentro dele enfiasse a mão pela minha goela e arrancasse o motivo da minha tristeza.
— ... então seu cliente estrelinha bateu a porta na minha cara depois que me recusei a aceitar que resolvesse o problema que estava entrando dentro das minhas calcinhas, mas o pior mesmo foi ter ficado presa no elevador justo com o Shawn...
Depois disso não consegui dizer mais nada, e no mesmo instante fui pega pela mão e arrastada até o estacionamento do shopping.
— Entra — ordena abrindo a porta do carro para mim, depois toma seu lugar atrás do volante batendo a porta do carro como quem não tem geladeira. Diferente do vizinho, o descuidado nem liga para esse Jaguar. — Por que não me contou sobre o problema antes de dar essa merda? — ruge se controlando para não gritar comigo. — Eu teria resolvido em um minuto, Camila.
— Será que você pode parar de esganar a Charlote? Ela não tem culpa de eu ser uma idiota.
Seus olhos ficam confusos e eu aponto para a bolsa.
— Quer mesmo tirá-la de mim, agora? — Mira minha garganta com o olhar, uma dica sutil do que realmente queria estar apertando no seu lugar. — Eu não acredito que você me fez descer a Pompeia inteira no horário do rush justo em dia que eu dou folga ao motorista, mesmo sabendo o quanto odeio ficar no trânsito. E isso, apenas porque seu vizinho não sabe o significado da palavra respeito, algo que eu poderia ter lhe ensinado em menos de um minuto.
— Não reclamou enquanto estava de olho nos sapatos das vitrines.
— Teria reclamado se soubesse o que viemos comprar, mas pelo menos agora eu entendi por que fui impedido de subir desde que o filho da puta se mudou.
— Tem mais uma coisa...
— Por que estou pressentindo que você vai acabar com a minha noite? — suspira, passando as mãos pelo rosto.
Sei que não é uma boa ideia, mas antes que eu dê por mim, as palavras saem da minha boca:
— Confessei várias coisas no elevador porque achei que íamos morrer, e uma delas é que nas vezes em que o escutei, eu fiquei... fiquei... excitada.— cuspo rápido e baixo.
Falei. Minha consciência é mesmo uma sacana.
Primeiro Kai ficou branco, agora está ficando vermelho. Tento tocar no seu ombro, mas ele se afasta bruscamente.
—Eu não teria dito nada se soubesse que estava falando com ele, agora eu me sinto como se tivesse te traído...
— Para de falar, Camila — ordena seco, desabotoando os punhos da camisa branca com raiva.
Por trás dos meus olhos embaçados, admiro a luminosidade de um céu cheio de estrelas, sinto na minha boca o gosto de um bom vinho e posso jurar que meus ouvidos escutam uma música suave tocando ao fundo, que não é do Kiss, aquelas mãos estão em mim e não tem uma lágrima sequer nos meus olhos, é a vida perfeita. Será que ainda vai ser minha?