Camila

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Como é possível que eu já esteja sentindo saudades do Shawn? 

Essa pergunta não saiu dos meus pensamentos durante o trajeto até o Santa Maria, mas quarenta minutos mais tarde, a única pergunta que eu consegui fazer foi: quantos "nós te avisamos" três freirinhas podem dizer sem me enlouquecer?  

— O que aconteceu? — diz irmã Lourdes, pulando do sofá. — Estávamos te esperando ontem, ficamos preocupadas. 

— Fugir do diabo e me despedir de um anjo deu mais trabalho do que eu imaginei. 

Ela me olha com um par de olhos tão brilhantes quanto os meus, e isso é o bastante para que eu me arremesse contra seu peito. Lourdes é a mais carinhosa. 

— Oh, menina! 

— Nós te avisamos, não foi? — Marcelina afaga minhas costas. Ela é a mais paciente. 

— Te avisamos que o Kai não era o homem certo. — Bernadete repete, me arrancando das duas pela mão e me levando até a diminuta cozinha nos fundos, onde tem um bule cheio de chá de camomila fresquinho esperando por mim. Ela é a mais severa. — Tenho fé em Deus que um dia esse homem ainda há de aparecer para te fazer feliz.

— Ele vai te fazer tão feliz que você vai se esquecer que um dia já foi triste. — completa Marcelina, abrindo um sorriso trêmulo.

Elas se entreolham como se soubessem de alguma coisa que eu não sei, depois me fazem contar toda a merda que aconteceu e por essa eu já esperava. Edito boa parte dos acontecimentos e consigo fingir que estou lidando bem com o fim do meu noivado, enquanto por dentro estou me destruindo, apenas para não preocupá-las mais. 

Os minutos parecem que não passam quando estamos tristes e acho que não quero que passem mesmo. Eu me casaria amanhã. Agora, amanhã será o dia mais triste da minha vida.

Foi uma longa noite até que eu me recolhesse em meu antigo quarto. O lugar é apertadinho. Só cabe uma cama de solteiro que range, onde por muitas noites, sonhei acordada com uma família antes de dormir; duas prateleiras onde moravam os livros que me iludiram e me fizeram acreditar que poderia realizar esse sonho e um guarda-roupa, que já viu dias melhores, para onde todas as minhas coisas vão voltar. 

Respiro fundo e deito com os pés apoiados na parede depois de pegar da carteira o bilhete amassado, que acredito ter sido escrito pela minha mãe. Releio suas palavras me sentindo puro abandono e não seguro mais as lágrimas. Não são as primeiras que pingam nesse papel e sei que também não serão as últimas porque não tenho mais fé alguma de que um dia ainda terei uma família para chamar de minha. Infelizmente, não acredito mais que esse príncipe encantado, pelo qual minhas freiras esperam, realmente exista, e todos os anos que eu passei dentro desses muros, esperando alguém vir me buscar em vão, antes de sair por conta própria apenas para quebrar a cara, comprovam isso.

Ninguém nunca virá.

THE PRINCEOnde histórias criam vida. Descubra agora