Camila fala dormindo, mas não tinha nada de bom a dizer noite passada.
"Te amo tanto."
"Por que você tinha que me machucar?"
Sabe quantas vezes escutei essa pergunta? Perdi a conta.
Eu poderia ter voltado para o sofá depois que ela dormiu e tentado fazer o mesmo, mas, mesmo cansado, passei o restante da noite com as costas contra seu criado-mudo, atento a cada choramingo que saiu dos seus lábios, até que amanheceu e o celular tocou, me obrigando a abandoná-la. Não parei de pensar nela no dia inteiro.
Passa da meia-noite quando estaciono na garagem do Souza's. Eu me sentiria mais tranquilo se pudesse colocar meus olhos nela, mas está tarde e imagino que a essa hora Mila já esteja dormindo. Subo as escadas planejando fazer o mesmo e bater na porta dela com uma xícara de café amanhã de manhã para perguntar como está se sentindo, mas assim que chego ao nosso andar, dou de cara com alguém determinado a foder com os meus planos.
— O que você está fazendo na minha porta?
Kai está com os cotovelos apoiados nos joelhos e usando as mãos para cobrir o rosto. Ele as abaixa e me encara.
— Onde está a minha mulher?
— Provavelmente está dormindo na cama dela— respondo, cansado demais para corrigi-lo. —Tem ideia da hora? É tarde para estar na porta de alguém.
— Ela não está no apartamento.
— Pensou na hipótese de ela não ter atendido a porta porque não quer falar com você?
Em resposta, o advogado se levanta, procurando algo nos bolsos. Pega um chaveiro e abre a porta dela.
— Por que não olha você mesmo?
Caminho até lá e olho para dentro, encontrando o lugar que antes estava coberto por caixas de papelão, agora completamente vazio. Estou para entrar quando suas palavras fazem meus pés estacarem no lugar.
— Não se dê ao trabalho.
— Já olhou em tudo?
— Até embaixo da cama.
Ele parece alguém metódico como eu e, pelas mangas da camisa dobradas e marcadas por poeira, imagino que esteja sendo literal.
— Ela deve estar com alguma amiga...
— Ela não tem ninguém além de mim, Shawn.— me interrompe.
— Ninguém?
— Tudo que minha mulher tem é um lugar de onde eu a ajudei a sair e para onde eu tenho certeza de que nunca mais vai querer voltar — suspira chateado. — Camila nunca esteve por conta própria antes.
— Tenho certeza de que ela vai saber se virar.
Kai solta uma risada amarga.
— Camila pode parecer uma mulher adulta, mas por dentro é uma garotinha que dá nome para as coisas favoritas, alguém que chora se erguem o tom de voz e ainda acredita que todo mundo é tão bonito por dentro quanto ela...