[DOIS MESES DEPOIS]
[Quinta-feira, 30 de outubro de 2008]
Nosso colégio tinha uma tradição americanizada de comemorar o dia das bruxas, o que deixava todo mundo atiçado. Como se já não bastassem os enfeites de caveira, fantasmas e aranhas espalhados pelos corredores e salas de aula, nós teríamos uma festa. Além da festa junina, o Halloween era a única data festiva onde os alunos viravam a noite no Álvaro. Eles só iam para casa quando os pais vinham buscá-los, e isso geralmente acontecia pela madrugada. Ninguém era maluco de abandonar a diversão antes das 3h, inclusive eu.
Emmett e eu, na minha casa, estávamos nos preparando para o colégio. A ideia primordial era que todo mundo fosse fantasiado de alguma coisa relacionada ao terror. Sendo assim, minha opção foi me maquiar de Jigsaw, o palhaço de Jogos Mortais. E isso significava que minha mãe empalideceu meu rosto com uma base e desenhou dois espirais vermelhos nas minhas bochechas. Além do mais, por eu adorar essa época com tanta intensidade, fiz questão de comprar lentes de contato vermelhas e um terno preto, do jeito que o boneco se apresentava em seu tempo de tela. Só faltava uma bicicleta para incorporar de vez no personagem, mas me abstive disso para não passar vergonha.
Para comemorar a maratona que Emmett e eu fizemos há algumas semanas, ele decidiu se fantasiar de Ghostface, o assassino da franquia Pânico. Ao contrário de mim, ele não pintou o rosto: apenas aproveitou a ida ao shopping e comprou a clássica máscara branca assustadora. Outros itens comprados por Emmett foram um manto preto com capuz e uma faca de brinquedo.
— Você é o serial killer mais gato do mundo — ele disse para mim no meu quarto, beijando-me. Sua máscara estava no topo da cabeça. — Sabia disso?
Sorri bastante. Na verdade, supus que ele fosse me achar muito estranho com essas lentes vermelhas nos olhos.
— Não — respondi.
— Pois é. — Emmett me abraçou por trás e encostou os lábios no meu pescoço. — Topo encarar qualquer jogo com você.
Eu demorei a entender que ele estava se referindo à frase "eu quero jogar um jogo" que o Jigsaw sempre dizia às suas vítimas antes de começar a tortura.
— Então me responda — pedi. Em seguida, usando um tom rouco para imitar a voz do Ghostface, perguntei: — Qual é o seu filme de terror favorito?
Emmett riu, e eu ri logo depois. Meu timbre vocal era horrível, mas eu sabia que ele não me julgaria.
— O Chamado — ele disse.
— Sério? Eu gosto muito. O meu é A Casa de Cera. Sou apaixonado pela trilha sonora.
— Muito bom também.
Virei-me para ele, mantendo o abraço. Faltavam umas quatro horas para o próximo dia e eu tinha me lembrado de algo que acontecera nos meus sonhos uma vez. Devo ter me recordado desse detalhe por estar bem mais apaixonado por Emmett do que estava dois meses atrás. Amanhã seria o dia em que eu diria que o amava pela primeira vez — 31 de outubro. Eu queria ter dito isso antes, mas parecia que o momento certo nunca chegava.
Muito provavelmente eu diria amanhã; eu até podia imaginar como seria. Talvez Emmett e eu fôssemos estar abraçados, dançando uma música lenta no meio da festa, e eu viraria para ele e diria as três palavras que todo mundo quer ouvir da pessoa apaixonada um dia. Há uns dois anos, mais ou menos, eu não compreendia muito bem o que o amor representava. Eu só achava que amar era uma maneira diferenciada de se importar com alguém — esse verbo não carregava um significado tão grandioso para mim como acontecia com a maioria dos adolescentes da minha idade.
VOCÊ ESTÁ LENDO
EU TE AMEI AMANHÃ
Teen FictionO ano é 2008. Num período em que a causa LGBTQ+ estava começando a ser debatida, Hércules Ferraz, um garoto gay de dezessete anos, faz de tudo para que a sua homossexualidade se mantenha escondida do mundo. Da classe alta, pertencente ao grupo popul...