2 | Como diabos ele apareceu?

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Depois que Victor, o motorista baixinho e careca que trabalhava para os meus pais há mais de cinco anos, me buscou no colégio, corri para meu quarto. Nossa casa era de um andar, então eu precisava subir um lance de escadas em espiral para chegar lá.

— Boa noite, mocinho — Ana, nossa empregada loira e simpática, disse para mim no instante em que quase esbarrei nela. Ela era muito bonita. Seus olhos castanhos eram a coisa mais linda que já vi.

— Oi, Ana. Boa noite.

— O dia foi agitado, hein?

— Você não faz ideia.

Escutei sua risadinha atrás de mim à medida que subia os degraus.

No meu quarto, joguei meu corpo na cama grande mais para mim e, apertando meu cabelo, encarei o teto branco, gesto que eu costumava fazer quando estava em um impasse. E esse era um dos grandes.

Nunca fui submetido a expulsar algum amigo do grupo dos CATS e jamais cogitei a ideia de um dia ter que fazer isso. Essa função, como eu havia dito hoje no refeitório, era para ser feita por Ariana, que era fria demais para se importar com as consequências que suas atitudes ou falas impensáveis poderiam causar em alguém. Não fazia sentido ela exigir que eu eliminasse Catarina.

Dentre meus amigos descolados, Catarina, sem dúvidas, era a que eu mais tinha afinidade. Mesmo que nossa conexão não fosse tão íntima assim — não a ponto de eu dizer era gay —, podia considerá-la como uma salvação para os momentos de lamentações deploráveis que Ariana gostava de dar (a maioria delas tinha ligação com o fato de que uma de suas unhas tinha sido quebrada ou como seu cabelo estava apresentando pontas duplas). Houve um dia que nós quatro tivemos que ouvi-la resmungar por meia hora sobre um garoto do colégio que tinha roubado, por três dias consecutivos, algumas penas de seu pavão na Colheita Feliz.

Catarina parecia ser a única do grupo, além de mim, que possuía um grau considerável de sensatez. Eu era um garoto mimado, isso não podia negar, mas ao menos tinha consciência sobre meus gestos frívolos. Ariana, Bernardo e Deise, por outro lado, não pareciam ter.

Agora que a líder do bando havia me dado uma ordem para expulsar minha verdadeira amiga da jogada, um aspecto se martelava no meu cérebro: eu não poderia mais conversar com ela. Pelo que entendi, o lance de Ariana ter dado um "au revoir" em Catarina acarretava na ideia de que agora elas não compartilhavam uma amizade (se é que esse termo poderia ser mesmo usado). E como uma das regras básicas era não conversar com alguém que algum CAT não gostasse, eu teria que me afastar de Catarina.

Era essa parte que tanto me preocupava.

— Que. Porcaria. De. Vida — sussurrei, deslizando as mãos no rosto.

Ao criar forças para sair da cama, peguei uma roupa qualquer do closet e me infiltrei no banheiro. Como se minhas pernas não conseguissem sustentar meu próprio peso, sentei-me no chão frio e assisti à água da torneira cair dentro da banheira, de modo que ela lentamente fosse preenchida por espumas perfumadas que o óleo de lavanda proporcionava. Era o meu preferido.

Sem pressa para tomar banho, saí do banheiro uns vinte minutos depois de ter entrado.

Até mesmo na mesa de jantar, onde pensei que não seria notado, não tive sucesso em não exibir uma expressão preocupada. Isso ficou evidente pela forma como eu brincava com um tomate no meu prato, parecendo estar decidindo se o levaria à boca ou continuaria por movimentá-lo de um lado para o outro.

— Que foi, querido? — minha mãe perguntou, tocando brevemente meu queixo. Esse era um carinho típico dela. — A salada não está boa? É caprese, do jeito que você gosta. Ana quem fez.

EU TE AMEI AMANHÃOnde histórias criam vida. Descubra agora