Prólogo | O único que sabe sobre mim

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[Segunda-feira, 04 de agosto de 2008]

— Ah, sabe como é... — murmurei, dando de ombros, enquanto minha visão ainda se perdia na profundidade que as excêntricas íris violetas dele transmitia. — Depois da aula de sexta-feira passada, fui ao shopping com meus amigos. Foi divertido.

Ele esboçou um traço suave de sorriso.

— Qual filme vocês foram ver?

— Kung Fu Panda.

— Ah... E você gostou?

— Gostei. — Ajeitei minha cabeça no travesseiro confortável da minha cama. — Saí da sessão querendo lutar. Fiquei imitado os golpes do mestre Shifu que nem um abestado. Você precisava ter visto.

Ele riu.

— Não faço a mínima ideia de quem seja.

— É, eu sei. — Uma feição levemente triste fez minha boca se contrair. — Isso nem me surpreende mais.

Ele esticou a mão direita por cima de meu rosto e o acariciou. Estávamos deitados de lado, um de frente ao outro, o que me dava a conclusão óbvia de que eu ainda estava dormindo. À medida que os suaves dedos de Emmett deslizavam pela minha bochecha direita em uma sincronização que gradativamente relaxava meu corpo, me perguntei como era possível um garoto de dezessete anos ser tão exímio.

— O que fizeram depois? — ele perguntou, dando um suspiro leve.

Fitei seu cabelo branco caído sobre a testa, num estilo de uma franja bonita, e, alguns segundos depois, voltei a destinar meus olhos para os seus.

— Fomos lanchar — respondi. — Não demoramos muito no shopping. Ariana precisou ir embora; Catarina foi logo depois. Não me restou outra opção, se não ir para casa também.

— Compreendo.

Ficamos em silêncio após sua única palavra. Isso, com certeza, não era um ponto negativo. Mesmo quando Emmett e eu não falávamos muito — mesmo que permitíssemos que o silêncio se infiltrasse no meio do nosso diálogo —, ainda assim era bom, uma vez que isso me permitia fitá-lo por um período maior. Eu nunca me cansaria de analisar a perfeição que arquitetava o rosto do meu namorado. Ainda que eu soubesse que nossa conexão era limitada pela realidade, parte de mim se sentia muito bem por conhecê-lo. E isso aconteceu de uma forma anormal, digamos.

Foi no início do mês de maio onde se desencadeou uma sequência de sonhos confusos. Eu me lembrava dos detalhes desse dia com muita precisão porque nele havia ocorrido o inevitável: alguém, pela primeira vez na minha vida, tinha descoberto que eu era gay. Emmett, claro. Esse era um segredo que há anos eu vinha mantendo trancado a sete chaves — chaves que, em mãos erradas, poderiam causar um caos.

Eu nunca havia visto Emmett antes. Na noite de 05 de maio, quando eu resolvi dormir, poucos minutos depois de eu e meus amigos termos saído de uma sessão de "Homem de Ferro" (assistir a filmes uma vez por mês era um ritual a ser cumprido entre nós), sonhei com um ser muito belo que, inexplicavelmente, sabia quem eu era. Além do meu nome, idade e data de nascimento, Emmett tinha conhecimento sobre algo muito mais pessoal: minha orientação sexual. Eu, claro, neguei, sempre martelando na tecla que informava minha falsa heterossexualidade, mas, assim que percebi que minhas tentativas de mentir eram terríveis, desisti. Meu passo seguinte, então, foi perguntar como Emmett havia descoberto sobre mim. "Eu só sei", ele respondeu. "Esse é o lado incrível dos sonhos", completou.

Por conta do que eu havia sonhado, agi de forma anormal por uma semana inteira, horrorizado com o fato de que alguém agora sabia que meus reais sentimentos amorosos só poderiam ser precisamente investidos em pessoas do mesmo sexo que o meu. Meu maior medo era de que Emmett fosse um garoto real, que ele existisse além dos meus sonhos. Após algumas semanas, porém, pude chegar à conclusão de que ele só aparecia para mim. E não era em qualquer dia: somente às segundas e às quintas. Descobri isso sozinho.

Nossos primeiros contatos, todavia, foram muito estranhos. Demorei algumas semanas para me adaptar à ideia de que eu constantemente sonhava com um lindo rapaz de olhos violetas e cabelo branco como neve. Em resumo, pode-se dizer que o mês de maio foi completamente preenchido por afastamentos da minha parte e por discussões que não resultavam em nada relevante. Eu me recusei a acreditar que Emmett pudesse saber tanta coisa sobre a minha vida particular e, com isso, o ignorei. Às vezes, para realizar meu intento de não vê-lo, eu acordava propositadamente.

Mas ele nunca desistia de reaparecer.

Mais tarde, quando a consciência estava começando a bater à minha porta, percebi que não havia razões plausíveis para que eu fingisse que Emmett era inexistente. Por isso, passei a entendê-lo. Passei a conviver com ele. E devo ter me entregado tanto a essa convivência que acabei sendo alvo daquilo que me destruiria no mundo real: a paixão. No final de julho, quando eu já tinha me convencido de que todas as minhas atitudes com Emmett se convergiam para o óbvio, falei que eu o amava. O engraçado era que, apesar de isso ter acontecido no mês passado, o calendário na parede do meu quarto marcava dia 31 de outubro de 2008 — ou seja, uma data que não havia chegado ainda. Foi aí que notei que minha relação com Emmett não estava acontecendo no presente, e sim no futuro.

O porquê disso eu não sabia. Também não compreendia como, de repente, comecei a sonhar com um garoto incrível e de aparência exótica, mas eu tinha certeza absoluta sobre uma coisa: esse acontecimento foi muito bem-vindo para mim. Eu não podia amar um rapaz fora dos meus sonhos, então, dentro deles, era como se eu pudesse respirar em paz, consciente de que ninguém apontaria um dedo para mim e usaria termos baixos e ininteligíveis.

Minha vida seria mais triste se Emmett sumisse da minha mente.

Mas, se ele de fato existisse, seria o fim do mundo também, já que, sem sombra de dúvidas, isso iria dificultar meu objetivo imprescindível de nunca sair do armário. Se um dia isso acontecesse, minha reputação seria manchada. Eu era alguém popular no colégio. Não queria deixar de ser.

— Ter você nos meus sonhos é incrível — murmurei para Emmett —, mas, às vezes, eu sinto falta de um contato físico. Um contato físico de verdade, sabe?

Sua mão parou de afagar meu rosto. No segundo seguinte, ela foi apoiada na lateral do meu pescoço, ainda sem deixar dissipar aquela sua quimérica energia.

— Eu não diria que isso é impossível de acontecer. — Ele sorriu.

Fiquei abruptamente atento.

— O que quer dizer?

— Sabe como sonhos são. Se tiver sorte, eles irão se concretizar.

Dei um riso nervoso.

— Isso é impossível — falei. — Isso não pode acontecer.

Emmett estreitou o olhar com cautela.

— Você não quer que isso aconteça — ele percebeu.

Hesitei. Em seguida, desci minha visão para seus lábios rosados.

— Emmett, você sabe por quê. O mundo é muito preconceituoso.

Ele não disse nada após eu fechar a boca. Enquanto a pausa se prolongava em um silêncio sempre adorável, me concentrei no rosto do meu namorado mental.

— Eu sei — ele enfim disse, tirando a mão do meu pescoço, e sorriu, de modo que nenhum dente fosse exposto. Era um sorriso gentil. Logo depois, quando olhou por cima da minha cintura, disse: — Eles já vão te acordar.

Senti uma leve tristeza no coração. Emmett estava se referindo aos meus pais. Ele sempre sabia a hora exata que eu acordaria.

— Vamos ficar aqui — pedi. — Vamos ficar deitados nesses últimos segundos...

Ele me fitou.

— Como você quiser. — Dando-me um beijo casto e gostoso, sussurrou: — Eu te amo.

— Eu também, Emmett. — Toquei a ponta de seu nariz. — Eu também.

EU TE AMEI AMANHÃOnde histórias criam vida. Descubra agora