[Sábado, 15 de agosto de 2008]
Deitado de costas na minha cama e com a cabeça pendurada em uma das laterais, de modo que meu cabelo tocasse o chão, eu dialogava com a única pessoa que, além dos meus pais, mais me dava ótimos conselhos: a nossa empregada querida. Aos sábados, ela só trabalhava pelo horário da manhã, pois meus pais chegavam do trabalho no começo da tarde.
— Pior que eu nem sei como dizer isso para Deise, Ana — comentei, observando-a de cabeça para baixo.
Ela guardava algumas das minhas camisas de botões nos cabides do meu closet.
— Que menina de mau caráter, hein, Hércules? — Ana perguntou retoricamente. — Quer dizer, eu já tinha uma noção de que ela não era flor que se cheire, mas trair a própria amiga já é demais.
Penteei meu cabelo uma única vez e apertei as pontas com força.
— Às vezes, não sei como consigo ficar surpreso.
— Por que você não manda um bilhete anônimo? — Ana sugeriu.
— Deise é cega demais, não iria acreditar. Ela precisa escutar a notícia da boca de alguém que ela conhece.
Minha amiga veio até a minha direção e pegou mais algumas das minhas vestimentas acima da cama. Ao caminhar de volta ao closet, perguntou:
— E por que você não tira uma foto dessa tal de Ariana com o menino lá? Tente pegá-los no flagra em algum momento. Não é possível que essa Deise ainda não vá acreditar que está sendo chifrada.
Eu não tinha pensado nessa possibilidade, então a ideia começou a ser trabalhada na minha mente. De fato, eu poderia mesmo tirar uma foto da líder com o Erick e mandá-la para minha amiga ruiva por algum perfil falso de alguma rede social. Mas aí pensei num enorme porém: Deise era consideravelmente mais inteligente que Ariana — qualquer ser humano era —, mas não o suficiente para não cogitar que a imagem que eu lhe enviaria anonimamente poderia ser fruto de algum PhotoShop. Deise era cega demais para algumas coisas, ainda mais se elas estivessem interligadas à líder dos CATS.
Em todo caso, se eu estivesse no lugar dela e visse a foto, iria me convencer de que minha melhor amiga me apunhalou pelas costas.
— Eu poderia tentar fazer isso — murmurei, apreciando o conselho de Ana.
— Ou — ela disse, arrastando a palavra enquanto abria um sorriso grande — você poderia dizer a verdade pessoalmente. Ela acreditaria ainda mais em você.
Foi com esse argumento que franzi a testa e deixei de ficar de ponta cabeça.
— Não, isso seria a última coisa que eu faria. Ariana me expulsaria do grupo.
— Mas ela não precisaria saber.
Mordi o lábio inferior e, ao me sentar no centro da cama, fiz um gesto negativo com a cabeça.
— Deise é muito bocuda, Ana — esclareci. — Ela não conseguiria se controlar. Ela não é nada discreta. Bastaria que Ariana fizesse uma pressão leve para que ela acabasse dizendo que fui eu quem contou toda a história.
— Meu Deus, essa garota é tão ruim assim em disfarces?
— Você não faz ideia.
Ana balançou o rosto em decepção.
— O pior de tudo — prossegui — é ter que olhar para a cara de Ariana e saber da sua traição. Para completar, ela é toda seca comigo, você precisa ver. E eu ainda terei que ir ao parque hoje à noite com os CATS. — Apoiei as duas mãos para trás, sustentando meu corpo, e grunhi bem alto. — Eu só queria ficar em paz por um único final de semana.
![](https://img.wattpad.com/cover/103324846-288-k62508.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
EU TE AMEI AMANHÃ
Teen FictionO ano é 2008. Num período em que a causa LGBTQ+ estava começando a ser debatida, Hércules Ferraz, um garoto gay de dezessete anos, faz de tudo para que a sua homossexualidade se mantenha escondida do mundo. Da classe alta, pertencente ao grupo popul...