[Quarta-feira, 19 de agosto de 2008]
Eu era tão automaticamente guiado pelos meus passos todas as vezes que chegava ao Álvaro que ficava difícil desviar do meu caminho monótono. Isso acontecia porque eu, quando chegava, sempre era ordenado a ir precisamente em direção aos CATS, que se acomodavam no pátio externo. Mas as coisas mudaram hoje.
Assim que senti o ar climatizado ao atravessar as portas duplas da entrada do colégio, meu primeiro pensamento foi andar em direção à minha sala. Não esperava receber alguns olhares de admiração enquanto andava pelo corredor, mas era justamente o que estava acontecendo. Gente que eu nunca vi no colégio sorria para mim. Lembrei-me da razão de eu, de repente, estar sendo contemplado antes mesmo de me perguntar por que me encaravam.
A cena de ontem...
Mostrei um sorriso envergonhado para o chão.
Esse deve ter sido o momento onde me senti verdadeiramente importante por ser um popular. No começo, antes de saber que a fama no colégio tinha vínculo em furar a fila das pessoas e agir futilmente, eu não me enxergava como alguém essencial, e era estanho pensar que só entrei no grupo em busca disso. Mas eu logo percebi que os CATS nunca me permitiram ser útil, então passei a pensar que, perto deles, eu era completamente descartável.
Hoje eu pude estrear minha importância.
Como pode, né, alguém ter popularidade e se sentir insignificante?
— Ei, Hércules! — gritou um garoto qualquer no corredor. — Mandou bem, hein?
Mostrei a ele meu sorriso acanhado, porque não sabia o que dizer. Preocupei-me em deixar minha mochila na sala e ir ao lugar onde Emmett estaria me esperando: no refeitório. Minha primeira ideia foi conversar na sala de aula — fosse na minha ou na dele —, porém eu queria me manter longe de olhares curiosos. Pela maneira que Emmett me mandou a mensagem de ontem, presumi que nossa conversa seria tranquila (ou não tão desastrosa assim). Era fácil acreditar nisso diante da lembrança de que ele havia dialogado comigo pacientemente após o ocorrido no parque.
Ainda assim, durante o caminho, torci para tudo corresse bem.
Lá no lugar onde eu queria estar, vi Emmett sentado num dos bancos, mexendo no celular. Suas pernas estavam no sentido oposto ao da mesa, o corpo inclinado para frente, de modo que cada cotovelo se apoiasse nos joelhos. Ele usava um All-Star branco com listras escuras e uma calça preta, perfeitamente ajustada em suas pernas. Quanto ao seu cabelo, eu não sabia decidir se ele estava arrumado ou desorganizado. Parecia ser uma mistura dos dois, e esse toque supostamente proposital o deixava incrivelmente lindo.
Dei uma olhada ao redor antes de me sentar à sua direita. Notando minha presença, Emmett travou a tela de seu aparelho e o guardou num dos bolsos. A timidez que segurou minha mão durante meu curto trajeto até o refeitório começou a me dar adeus no instante em que minhas narinas se deram conta de que o perfume dele exalava ao redor.
Emmett não parecia nem um pouco chateado.
— Oi — eu o cumprimentei.
— Oi — ele disse, o rosto divertidamente concentrado no meu.
Não era para estar, todavia acabei ficando surpreso ao rever a peculiaridade de seus cílios bem diante de mim, que eram mais pretos do que os de todo mundo do Álvaro. Eles eram tão perfeitos. Como se já não bastasse Emmett ter cabelo branco e olhos violetas, havia essa exclusividade em seu semblante.
Decidi não me enrolar. Já era demais estar ao lado dele e saber que o tempo corria. Para piorar, eu tinha optado por chegar poucos minutos antes da primeira aula, pois uma minúscula parcela de mim temia que tudo fugisse do que eu previa. Certo, eu já havia me desculpado com ele, mas isso não trouxe a nossa união de volta. Era essa parte que eu tanto queria consertar.
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EU TE AMEI AMANHÃ
Teen FictionO ano é 2008. Num período em que a causa LGBTQ+ estava começando a ser debatida, Hércules Ferraz, um garoto gay de dezessete anos, faz de tudo para que a sua homossexualidade se mantenha escondida do mundo. Da classe alta, pertencente ao grupo popul...