26 | Não quero ser seu amigo, obrigado

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[Quarta-feira, 26 de agosto de 2008]

Tudo fica mais brilhante quando se está apaixonado e as cores ao redor parecem mais intensas do que realmente são, como se minhas íris estivessem cobertas por um novo filtro luminoso. Era assim que eu estava enxergando o mundo agora: mais vividamente. Eu nunca apostei minhas fichas na teoria de que as pessoas sentiam o efeito da paixão (achava que só acontecia nos filmes), mas percebi que eu estava errado. Era bom estar pagando com a língua, pois significava que agora eu estava tendo minha própria experiência.

Na segunda-feira, meus pais e Ana ficaram sabendo sobre o que rolou entre Emmett e eu no domingo. Nenhum dos três acreditou quando falei que o meu único objetivo era assistir aos filmes do Harry Potter, que eu não havia ido até a casa dele para outras afinidades. Embora eu tivesse garantido que o beijo estava completamente fora dos meus planos, acabei não soando tão convincente. Talvez o modo como eu falava, esbanjando um sorriso crescente a cada menção ao nome de Emmett, tivesse trazido interpretações erradas para minha família.

Minha sinceridade não foi bem-aceita.

Em todo caso, eles ficaram felizes por mim, e era essa a parte que mais importava.

Eu não sabia se seria assim a partir de agora, porém passei a dormir um pouco mais tarde no domingo, na segunda e na terça-feira. O relógio na minha cômoda marcou 01h nesses três dias quando eu, após ter passado o começo da madrugada trocando mensagens com Emmett, decidi largar o aparelho e fechar os olhos. Para completar, a primeira coisa que eu estava fazendo agora ao acordar era mandar um "bom dia" para ele.

Nas aulas, qualquer momento de distração da minha mente já era o bastante para me fazer entrar em um trilho de pensamentos amorosos. Eu sorria para o nada e olhava ao redor, meio tímido. Minha alegria sumia ao olhar para a cara de Ariana, que me encarava com uma expressão odienta, mas isso só durava alguns segundos. No instante em que o meu cérebro reprisava Emmett, eu voltava a ficar feliz.

Isso aconteceu agora, por exemplo, no terceiro tempo de aula.

Esse sentimento de estar com alguém — de ter alguém — era tão indizível... tão difícil de ser explicado. Eu notava a mudança no meu interior, que me fazia ter uma percepção diferenciada do mundo que me cercava, mas eu não era capaz de associá-la a outra coisa que já experimentei antes. Talvez fosse essa a grande questão. Nem tudo dá para ser descrito. Às vezes, é preciso sentir para entender.

Era ainda mais fabuloso analisar que eu era um garoto gay, cujas chances de encontrar um parceiro eram ainda mais reduzidas. Em resumo, encontrei um grande acerto no meio de inúmeras probabilidades fracassadas. E ele é tão perfeito... Isso ampliava minha conclusão de que eu pertencia a um grupo de acontecimentos esporádicos.

No colégio, o pessoal nos encarava com curiosidade, provavelmente porque já sabiam que a nossa conexão estava ultrapassando a linha da amizade que os próprios héteros estabeleciam. Ou seja, se dois garotos se abraçassem, então eles, sem sombra de dúvidas, eram gays. Nunca entendi direito como um afeto tão comum pudesse definir a orientação sexual das pessoas.

De qualquer forma, independentemente de os alunos estarem estranhando ou não, Emmett e eu não evitávamos o contato físico. Só não nos beijávamos, pois o Álvaro proibia os beijos entre os discentes. Tirando isso, nós estávamos sempre grudados. Toda vez que eu era rodeado pelo braço de Emmett, era como se um arco de proteção me garantisse que tudo ia ficar bem — que os olhares dos outros não poderiam reduzir a importância de ser tocado por alguém que eu gostava.

Se eles passassem mais tempo cuidando de suas vidas, certamente encontrariam alguém que os abraçasse também.

— Aí eu estava sentada com a minha amiga no banco em frente de casa quando o ladrão apareceu de bicicleta — Catarina dizia, quase rindo. — Então ele chegou dizendo: "Passa o rádio, passa o rádio". E eu me lembro de ter ficado bem confusa, pois não conseguia entender por que diabos ele iria querer um rádio. Tipo, tinha tanta coisa mais interessante que ele poderia roubar, né? Na minha cabeça, ele era doido. Acreditem se quiser, mas eu ainda tive a coragem de perguntar para ele se não faria mais sentido ele roubar meu celular.

EU TE AMEI AMANHÃOnde histórias criam vida. Descubra agora