1 | CATS

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Três batidas seguidas na porta.

— Hércules. — Era meu pai, Vinícius, do outro lado. — Levanta. Está na hora.

Abri os olhos com uma lentidão desnecessária, mas só porque fiquei chateado. Ao constatar que meu sonho com Emmett havia chegado ao fim (e que agora eu só voltaria a vê-lo daqui a três dias), levei as mãos às pálpebras e grunhi.

— Perfeito — resmunguei, tirando o lençol de cima do meu corpo. — Mais um sono interrompido.

— Já são oito horas. Pare de reclamar.

Não sei como ele havia me ouvido. Eu, hein...

Seguindo o mesmo trajeto de todos os dias, desliguei o ar condicionado do meu quarto, puxei uma toalha do closet e caminhei sonolentamente até o banheiro. Pensei em usar a banheira, mas meu desejo maior era água quente, por isso me infiltrei debaixo do chuveiro elétrico e esperei que a água quente aquecesse meu corpo magro. Ah, que delícia... Como hoje era dia de lavar o cabelo, peguei meu shampoo, o que continha óleo de macadâmia, e comecei meu banho.

Quando ele acabou, tratei de escovar os dentes.

Depois que saí do banheiro, escolhi uma roupa leve e clean — camisa e short brancos —, caminhei em direção ao espelho largo, localizado no canto do meu quarto, e penteei meu cabelo com os dedos. Ele era um castanho tão claro que podia facilmente se disfarçar por loiro. Essa característica, bem como a cor verde dos meus olhos, foi herdada dos meus pais, que eram, sem exageros, idênticos. Mais pareciam irmãos do que um casal. Isso, consequentemente, me fez ficar parecido com eles.

Eu tinha uma beleza física invejável, não podia negar. Minha vida, para completar, seguia o mesmo fluxo. Meu pai era um advogado renomado; minha mãe, oftalmologista. Essa junção já indicava o esperado: eu pertencia a uma família de classe alta, privilegiada por conter pessoas visivelmente importantes e perfeitas, e isso, portanto, fazia de mim um garoto mimado. Bom, pelo menos aos olhos dos outros. Talvez, de tanto escutar que eu era um filhinho de papai, acabei me tornado um. Com o tempo, riqueza e futilidade se tornaram sinônimos para a minha personalidade sem erros, como se esses termos ofuscassem todos os outros demais adjetivos que poderiam ser atribuídos a mim.

Muitas vezes eu me fitava no espelho, da mesma forma que agora estava fazendo, e me perguntava como seria minha vida se meus privilégios me fossem tomados. Ou, então, eu imaginava como seria a reação de Emmett se ele soubesse que, fora dos meus sonhos, eu era um serzinho desprezível. Provavelmente ele deixaria de me amar.

Já devo ter sido um adolescente bom. Há muito tempo — antes de começar a fazer parte do ciclo de pessoas mais descoladas do Álvaro Dutra, meu colégio. Depois que fui notado pelo meu atual grupo de amizade, nunca mais voltei a ser o mesmo. Passei a desconhecer o significado da abnegação e, guiado pelo meu lado volúvel que nunca pensei ter, me agarrei a atitudes condenáveis, típicas de jovens babacas. Como consequência disso, perdi a minha essência, mas, francamente, eu não me arrependia de ter desviado de um caminho mais honesto. Meu ciclo de amizade me compensava com algo que qualquer aluno do meu colégio morreria para ter: popularidade.

Eu era bonito, rico e popular. O que mais eu poderia querer?

Outra batida na porta. Foi a vez da minha mãe, Eleanor, aparecer, e ela falava ao telefone, o aparelho apoiado entre a orelha e o ombro esquerdo. Suas mãos seguravam um blazer vermelho escuro.

— É claro que nós vamos — ela disse, entusiasmada. — Não perderíamos isso por nada.

Virei-me por completo ao ver que ela caminhava na minha direção. Mandando-me um sorrisinho de quem dizia "bom dia", minha mãe encaixou o blazer por cima do meu corpo, informando-me que a vestimenta era para mim.

EU TE AMEI AMANHÃOnde histórias criam vida. Descubra agora