2. O amor nem sempre ganha

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No caminho de casa, peguei uma pizza e uma pequena salada para o jantar, já que não tinha comprado nenhum mantimento. Também parei na loja de bebidas, esta noite era a minha vez de receber o grupo de ajuda do luto em que eu estava. Vinho com Viúvas, é assim que minha mãe gostava de chamar.

“Não fica deprimente?” Ela perguntava. “Semana após semana falar sobre nada além da perda dos seus maridos?”

“Nós falamos sobre outras coisas”, eu disse a ela, embora realmente não falássemos. Todas as partes de nossos dias, todas as interações que tivemos, todas as emoções que sentíamos, eram coloridas pela tristeza, perda e injustiça. Nós não éramos as mesmas mulheres que tínhamos sido antes e sentíamos que ninguém além de nós era capaz de entender isso. Nossos velhos amigos eram lembranças dolorosas de nossas vidas anteriores, e nossos novos amigos não tinham ideia do que havíamos passado. Eu poderia ser eu mesma em torno delas sem me preocupar se iriam me julgar pelas coisas que dizia, pensava, fazia ou sentia.

Alana e sua babá estavam desenhando com giz na calçada quando estacionei na garagem, meu coração se iluminou assim que vi seus cabelos loiros encaracolados curvados sobre seu trabalho. Ela era tudo para mim e agora eu tinha que ser tudo para ela. Bloqueei a cerca branca que tínhamos comprado Miguel e eu, nesta casa de estilo chalé perto do lago e me recusei a olhar para a varanda da frente, onde duas grandes cadeiras de balanço e uma pequena ficavam, ignorei a pedra gigante na entrada da garagem onde Miguel havia pintado nosso endereço em grossos números brancos, concentrando-me apenas em minha filha.

“Mamãe!” Ela veio correndo para mim assim que saí da garagem. Eu a peguei e ela envolveu seus braços e pernas ao meu redor, enterrando o rosto no meu pescoço. Ela sempre me cumprimentava assim no final de um dia de trabalho e partia meu coração pensar que era porque ficava preocupada que eu poderia não voltar para casa. Sua terapeuta me garantiu que se sentia segura e amada, o que supus que era tudo que eu poderia desejar, mas ela poderia realmente se sentir segura em um mundo onde seu pai estava aqui e um momento depois não estava mais? Onde ele disse que logo estaria de volta, deu um beijo em sua cabeça, saiu para correr e nunca mais voltou? Como ela poderia? Como alguém poderia?

Paguei a babá, dei comida a Lana, banho, li para ela e a coloquei na cama. Todas as noites eu respondia uma pergunta ou lhe contava algo sobre o pai dela, em um esforço para mantê-lo vivo em sua memória. Ela era tão jovem quando ele morreu. A injustiça disso partia meu coração – que ela pudesse esquecer o homem que a amava tanto, que chorou quando a abraçou pela primeira vez, que nunca viu todos os marcos de sua vida. Eu também cresci sem pai e me esmagou que ela sempre tivesse o mesmo espaço vazio em sua vida.

“Como era o papai quando tinha cinco anos?” Ela me perguntou esta noite.

“Eu não tenho certeza, querida. Não conhecia o papai quando ele tinha cinco anos.” Por que não fiz mais perguntas sobre sua infância?

“Como ele era?”

“Poderíamos pedir uma foto a Nana”, sugeri.

“Tudo bem”, disse ela.

Que música você quer?”

“Canção de ninar do Birdland.” Era uma melodia que eu contei que Miguel gostava de me ouvir cantar quando ela estava na minha barriga e ela pedia com frequência. Cantei para ela e beijei sua bochecha cheirosa.

“Boa noite.”

“Noite.”

Depois que ela fechou os olhos, sentei-me ali por um momento, acariciando o cabelo úmido na testa. Ela se parecia mais com Miguel todos os dias, embora seu cabelo fosse loiro e sua pele mais clara. Nenhum vestígio de minha ascendência italiana, que minha sogra frequentemente apontava. Não que ela fosse abertamente rude, mas sempre tive a impressão de que não achava que eu era boa o suficiente para seu filho.

Pensei em Alfonso e o que faria para Alana vê-lo. Isso a confundiria? Havia na mesa de cabeceira uma foto de Miguel segurando-a no colo quando era um bebê e eu a peguei. Se eles não fossem tão idênticos. Mas além de algumas rugas ao redor dos olhos e do bronzeado profundo causado pelo sol africano, o homem que eu tinha visto hoje na Foley parecia exatamente com o homem nesta foto.

Suspirando, coloquei-a de volta na mesa de cabeceira e desci as escadas. Tive um vislumbre de mim mesma no espelho pendurado perto da porta da frente e fiquei surpresa com o quão pálida eu parecia, especialmente para agosto – minha pele morena era clara, meus olhos azuis sem graça, meu cabelo com uma tonalidade em algum lugar entre a casca da árvore e merda de cachorro. Inclinei-me para mais perto e vi os cabelos grisalhos que começavam a crescer no meu couro cabeludo. Fiquei chocada por um segundo, imaginando o que Alfonso deve ter pensado quando me viu. Certamente devo ter tido pouca semelhança com a garota que ele conheceu.

Não que ela existisse mais.

Fiz uma careta quando olhei minha aparência. Eu tinha envelhecido dez anos nos últimos dezoito meses. A tristeza tinha gravado rugas permanentes na minha testa e olheiras sob meus olhos. Considerei se um dia lembrei-me de escovar o cabelo antes de fazer um rabo de cavalo.

Finalmente perdi os dez quilos extras que carregava depois que Alana nasceu, mas depois perdi mais dez e, junto, todas as minhas curvas.

O que isso importava? Quem se importaria de novo se eu tivesse curvas ou não?

Na cozinha, comi uma salada e belisquei a massa de pizza da Alana, depois lavei os pratos e arrumei a sala. No começo, queria que todos os tapetes, luminárias e mobília permanecessem exatamente como eram quando Miguel estava vivo, como se a casa inteira fosse algum tipo de memorial em sua homenagem, ou pelo menos em homenagem à vida que vivíamos. Seis meses depois, mudei toda a mobília em uma tentativa vã de me sentir no controle da minha vida. Comprei uma cama nova, repintei as paredes da cozinha, plantei novos arbustos na frente da casa e doei seu carro, suas roupas e seus livros. Nada disso aliviou meu pesar ou meu medo de que nada na vida estivesse realmente sob nosso controle e todos nós estamos apenas voando, cegos em um vasto espaço vazio cheio de incertezas. Deus ri dos planos do homem e de tudo isso.

Eu nem sempre fui pessimista. Uma vez, tinha esperanças e sonhos, a vida se estendia à minha frente, cheia de possibilidades. Afinal, eu tinha amor e o amor conquista tudo, não é? O amor poderia resolver qualquer problema, curar qualquer ferida, mover montanhas, construir pontes, derrubar paredes.

Mas não pôde salvar meu marido. Não poderia trazer de volta o pai à minha filha. E isso não poderia me enganar novamente.

Dê tempo a si mesma, disseram os amigos. E eu dei, e estava muito melhor a cada dia. Gostava do meu novo emprego na Pousada Valentini Farms Bed and Breakfast, aproveitava a companhia das pessoas com quem trabalho, tinha bons amigos, era a mãe de uma menina adorável, extraordinariamente bem ajustada. Mas eu não abrigava mais ilusões de quando era uma garotinha.

Alguns problemas eram intransponíveis. Alguns rios eram muito largos.

O amor nem sempre ganhava.

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