5. De volta para casa

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"Eu encontrei com a Any na loja", disse à minha mãe, desembalando a sacola de compras que trouxe. Na viagem de volta para casa, decidi que não foi a própria Anahi quem me afetou; foi o lembrete visceral do meu irmão. Na África, fui capaz de me lançar no trabalho e desconectar da minha dor. Nós ficamos separados por tanto tempo, era quase como se eu pudesse fingir que ele ainda estava vivo, que ainda estaria aqui quando eu voltasse. Isso me permitiu suportar. Mas ver Anahi tão visivelmente chateada com minha visão foi um doloroso lembrete de que meu irmão havia partido e não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso.

Depois da dor de sentir falta do meu irmão, isso era o que eu mais odiava. O desamparo. Mas o pior foi a culpa que senti que ele tivesse partido e eu ainda estava aqui. Ele tinha uma esposa e filha. Era difícil não me perder em pensamentos de que deveria ter sido eu.

Eu me apoiei no balcão e respirei fundo algumas vezes.

"Oh?" Minha mãe estava cortando legumes e não levantou os olhos quando me virei. "Você a convidou para o jantar?"

"Convidei, mas ela disse que já tinha planos." Eu coloquei um pouco de queijo na geladeira e uma caixa de biscoitos em um armário.

"Planos? Eu me pergunto que tipo de planos."

"Ela não disse." Praticamente podia ver as engrenagens girando sob o cabelo loiro de minha mãe, que eu tinha certeza que estava no lugar desde seus dias de colégio em Tulane. Havia tensão entre ela e Anahi? Miguel às vezes reclamava que nossa mãe era dura com a esposa, apesar de tudo o que Anahi fazia para agradá-la. Nós dois concordamos que não importaria quem levássemos para casa - ninguém jamais seria bom o suficiente para os seus filhos. No fundo do meu estômago, senti uma pontada de solidão por meu irmão. Como era possível que nunca mais teríamos essas conversas? Eu vou defender Anahi , prometi a ele em silêncio. Isso era algo que poderia fazer para me sentir menos impotente. Para honrá-lo.

"Ela tem trabalhado demais, Deus a abençoe. As primeiras horas que ela mantém são ridículas e acho que ela tem uma babá para Lana, cinco dias por semana. Você pensaria que ela iria querer algum tempo com a família à noite." Minha mãe nunca criticou ninguém sem fazer uma benção antes. Eu acho que ela sentia como se suavizasse as arestas do que estava dizendo, mas ainda podia ouvir a desaprovação em seu tom.

"Ela é uma mãe solteira. Tem que trabalhar, não é?"

"Oh, eu não sei sobre isso. Acho que eles tinham um bom dinheiro no banco e também havia o dinheiro do seguro."

"Bem, então", disse, pegando uma maçã de uma tigela no balcão.

"Ela deve realmente gostar de seu trabalho. O que está fazendo?"

"Ela faz o café da manhã no Valentini Farms Bed and Breakfast."

Mordi a maçã. "Eu não sabia que os Valentinis tinham uma pousada."

"A casa antiga de Oliver, bem em frente à fazenda. Está aberto há um ano ou mais. Pete e sua esposa Georgia, administram o lugar."

"Oh sim?" Miguel e eu tínhamos crescido com os irmãos Valentini e nos formamos com Pete. Não o via há anos, no entanto.

"Eu vou ter que dar uma olhada."

"Eu não conseguia imaginar como eles transformariam aquela velha bagunça de casa, em qualquer coisa", disse minha mãe "mas ficou realmente lindo. Margot, a mulher de Jack, que fez toda a decoração, eu acho. Parece que ela que tem muito bom gosto, melhor que qualquer outra pessoa por lá. E acho que ela é que tem dinheiro." Ela sussurrou a última parte, como se alguém mais estivesse na sala conosco e pudesse ouvi-la dizendo algo grosseiro.

"Então, Jack se casou novamente?" Não havia nada que minha mãe gostasse mais do que fofocas da cidadezinha e imaginei que perguntar sobre todos os outros na cidade a afastaria do assunto de Anahi.

"Sim, ano passado. Eles só tiveram um bebê em abril, um garotinho. Enviei uma caçarola - de galinha com cogumelo e salvia. Todo mundo ficou feliz por ele, depois de perder sua primeira esposa. Eu escrevi sobre isso, certo? Acho que você já estava na África. Foi na época que Alana nasceu."

"Eu me lembro de ouvir sobre isso."

"De qualquer forma, o homem estava uma bagunça por anos. Ninguém pensou que iria superar o que aconteceu. Então, como estava Anahi?" Minha mãe limpou as mãos no avental e se virou para mim. "Ela perdeu muito peso, mas não consigo fazer com que coma muito de qualquer coisa que eu prepare."

"Ela pareceu bem." Parecia um pouco pálida para mim e definitivamente mais magra, mas não mencionaria isso. E pelo amor de Deus, eu era a imagem do seu marido morto. Quem não ficaria um pouco pálido?

"Eu só espero que ela esteja alimentando Lana melhor do que se alimenta."

"Tenho certeza que Alana está bem. Eu mal posso esperar para vê-la."

"Vocês fizeram planos para se encontrar?" Ela foi até a geladeira e pegou um pedaço de manteiga, ovos e leite.

"Não." Dei outra mordida, pesando minhas próximas palavras com cuidado. "Acho que para Anahi foi difícil me ver e eu não quero forçar."

"Ela não pode te impedir de ver Alana. Você é o tio dela."

"Ela não vai, mãe. Ela disse que eu poderia ir à casa delas. Só estou dizendo que quero ser sensível ao fato, de que provavelmente sou um doloroso lembrete de Miguel para ela. Ela olha para mim e o vê."

"Bem, vai ter que superar isso." Ela fungou quando começou a bater algo em uma tigela grande. "Ela não é a única que sente falta dele. Não pode simplesmente nos excluir."

"Ela não está nos excluindo. Dê uma folga para ela.

"Eu dei", disse ela petulantemente. "Eu tentei ajuda-la. Não parece que quer a minha ajuda. Eu me ofereço para ficar com a Alana pelo menos uma vez por semana e ela me rejeita. Diz que sua babá já está agendada."

"Você está avisando-a com antecedência suficiente?"

Mamãe encolheu os ombros. "Eu não sei. Um dia ou mais, suponho."

"Por que você não tenta avisar uma semana antes?"

Outra fungada. "Eu nem sempre sei quando estarei livre com uma semana de antecedência. Mas ela precisa de alguém que olhe ela e Alana. Ela nem sequer captou os sinais de aviso com Miguel."

"Mamãe. A morte de Miguel não foi culpa de Anahi. Não foi culpa de ninguém, você sabe disso." Minha voz era aguda.

Ela não disse nada, apenas continuou batendo, batendo e batendo. Fiquei espantado que o que quer que estivesse na tigela não tenha caído sobre o balcão.

Terminando a maçã, joguei o miolo no lixo. Estava começando a perceber porque Anahi poderia ter recusado o convite para o jantar.

"Bem, se você quiser ir ver Alana comigo amanhã ou sexta-feira, me avise. Vou correr antes do jantar. Dá tempo?"

"Sim. Há tempo." De repente, ela se virou para mim, os olhos arregalados de medo. "Tenha cuidado, Poncho."

"Eu terei." Depois que Miguel sofreu seu ataque cardíaco, eu fiz todos os tipos de exames, mas não havia nenhum sinal da cardiomiopatia hipertrófica que causou a morte súbita do meu irmão. Eu lhe dei um abraço e ela colocou os braços em volta da minha cintura.

"Você não tem nada para se preocupar, ok?"

"Eu sinto tanta falta dele." Sua voz ficou abafada contra o meu peito.

Minha garganta se apertou. "Eu também."

"Oh, Poncho, é tão bom ter você de volta em casa." Eu a abracei, pensando que havia pelo menos uma pessoa na cidade que poderia discordar.

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