Prólogo

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Duas semanas atrás...

A rua estava infestada de pessoas e barulhenta por conta dos carros, da movimentação e também pelo fechar e abrir de algumas lojas e restaurantes. A noite já ia se fazendo, deixando a capital da Itália romântica e solitária ao mesmo tempo, com a presença de algumas gotas que caiam do céu de maneira despreocupada e lenta.

-Tchau, até semana que vem! Não esqueçam que a apresentação será daqui a 15 dias. - Me despedi dos alunos do último horário que iam em rumo a saída.

Enquanto a área verde do campus ia se esvaziando fui juntando meus pincéis e tintas, alguns materiais estavam bem espalhados pelo gramado e tinham muitos, mais muitos respingos de tinta branca na minha roupa, sempre dava um trabalhão tirar a sujeira lavando a mão, então eu optava por usar a máquina ilegalmente da lavanderia da faculdade.

-Aurora? - Uma voz feminina me chamou.

Olhei para trás e havia uma das minhas alunas de ensino avançado sobre a história da arte otomana atrás de mim. Não me lembrava muito dela pelo rosto, mas suas tatuagens me fizeram gravar seu nome e também o típico mito que o seu significado carrega, era Pandora. Os cabelos ruivos, as sardas, o cérebro excepcional e as acrescentações inteligentes, não a tornavam alguém que era o foco das atenções, até porque ela nem participava das minhas aulas, porém seus trabalhos eram impressionantes e também era a única que tinha coragem suficiente de criticar minha metodologia e meus quadros.

-Do que precisa? - Questionei retomando a organizar minhas coisas.

-A seleção para estagiar com você na sua próxima exposição começa quando?

-Ainda não escolhi uma data. - Voltei a olhá-la. - Por que? Tem interesse?

-Um pouco. Me avise quando as inscrições começarem. - Pandora disse com seus olhos grandes e castanhos sob minha pessoa.

Assenti com a cabeça apanhando o cavalete logo em seguida e indo em direção a sala em que deveria dar aula, mas era usada como depósito para os meus instrumentos de trabalho.

-Quer ajuda? - Ela gritou debaixo do pessegueiro.

-Não precisa, eu...

Mal encerrei a frase e ela já vinha trazendo várias coisas nos braços até mim, colocamos tudo no armário cinza e enferrujado. Enfiei meus pertences na bolsa e quase ia esquecendo meu relógio de bolso, calcei minha bota - eu tinha uma didática bem diversificada com meus alunos quando o assunto era arte moderna. Peguei minhas coisas e decidi que levaria minha tela comigo, esperei Pandora sair da sala e em seguida fechei a porta.

-Obrigada, foi muito gentil da sua parte. - Agradeci.

Ela me olhou uma última vez e se juntou a uma multidão de universitários. Na saída havia um aglomerado de pessoas que conversavam entre si, apenas desviei daquela massa cumprimentando alguns que ali estavam com um sorriso sem mostrar os dentes e logo em seguida continuei traçando meu caminho - que era um tanto quanto curto comparado com dos demais alunos e professores, meu apartamento apertado ficava a poucos minutos do centro - minhas caminhadas sempre eram tranquilas e cheias de novidade. Naquela semana havia focado minhas energias em uma nova tela que agora encontrava-se entre meu braço e minhas costelas, coberta por um pano surrado e encardido, aquela sem dúvidas era uma das minhas obras primas. Tive que dobrar meu cuidado enquanto andava por aí, às vezes eu conseguia ser muito desastrada, como no ano passado, que quebrei o pé ao tropeçar em um burraco na calçada - aliáis, havia uma placa gigantesca com letras marcantes dizendo "CUIDADO BURACO" e tropecei justamente porque ia ler o que estava escrito.

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