Parte 02: Plurívoco

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Lancei um sorriso grato para ela. Realmente senti que havia chegado a hora de ir, de encerrar tudo aquilo. Eu a abracei mais uma vez, tão forte que pude ouvir seus batimentos. Mamãe me deu um beijo molhado na testa quando disse:

-Agora vai. Você sabe o que fazer.

E eu sabia mesmo. Já sabia há muito tempo, na verdade, só não tinha enxergado ainda que fazer a mesma coisa incontáveis vezes buscando resultados diferentes é burrice.

Então, a deixei sozinha lá mesmo. Voltei para dentro da casa onde a festa estava acontecendo, desviei de todos com quem cruzei, evitei conversas, apenas os cumprimentei com sorrisos falsos e esporádicos. Subi as escadas segurando meu vestido e quando dei de cara com aquele corredor, fui sem hesitar até o quarto principal. O quarto em que tudo havia começado.

Eu parei em frente a porta, ajeitei o meu cabelo que estava preso num coque cheio de gel e respirei fundo, o mais fundo que pude antes de bater com os dedos na superfície de madeira. Dei um passo para trás aguardando, me recordo de ficar ansiosa. O meu coração batia contra as costelas com tanta força que eu podia senti-lo na garganta.

-Pode entrar! A menos que seja você, Fergus - a ouvir gritar de dentro do cômodo.

Pus o peso das minhas mãos sobre a maçaneta e a girei, abrindo o limiar com delicadeza acompanhando com os olhos o vão que ia aumentando.

Quando a porta se deu por aberta eu a vi de costas para mim, passando as mãos pelo vestido branco com flores gentis de renda feitas à mão. O véu tão delicado quando o tecido da roupa se arrastando pelo chão. Não sei ainda como descrever o que senti. Era enjôo com uma pitada de admiração.

-Não é o Fergus - respondi adentrando o quarto e selando a porta.

-Ah - ela ficou surpresa quando me viu - Aurora, é você!

-É sou eu - coloquei meus braços para trás nada feliz.

-Como estou? - Ela indagou rodopiando com aquele vestido esbranquiçado.

-Linda! - A elogiei segurando minhas próprias mãos. -Então, vai mesmo se casar.

-S-sim, eu vou.

-Ok - concordei segurando o choro.

-Não vai dizer mais nada? - Ela perguntou respirando de maneira descompassada.

-Não tem mais nada que deva ser dito - respondi me encostando no limiar.

-O-o que - Celine engoliu um seco - você acha? Me diga!

-Eu? O-o que eu acho disso tudo? Do arranjo de flores, o bufê, o seu vestido, desse casamento... - fui interrompida.

-Você está magoada.

-No meu lugar você também estaria - respondi ríspida, cravando meus dentes no lábio inferior.

Celine me encarou por alguns segundos em silêncio, em seguida apenas suspirou e voltou seu olhar para o espelho que estava mais a frente. Com os meus braços cruzados dei mais alguns passos na sua direção, sentando-me na beirada da cama de casal. Permanecemos ali caladas, como se um gato tivesse comido nossas línguas, mas a verdade era exatamente como eu havia dito: não havia mais nada que pudéssemos dizer uma à outra.

Eu encarava meus dedos inquietos sobre meu colo imóvel, escutando o som dos saltos de Celine tocando o chão de madeira.

-Aurora - aquele mezzo soprano pronunciara meu nome baixinho.

-Hum - repliquei no mesmo volume virando minha cabeça na direção dela.

-E-eu estou nervosa - Celine confessou com a testa vincada de preocupação.

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