Axioma

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1. Evidência cuja comprovação é dispensável por ser óbvia; princípio evidente por si mesmo.

Havíamos bebido uma quantidade considerável de álcool e agora, fora do pub, cambaleavam tentando nos manter sobre a calçada.

Meus braços descansavam nos ombros de Pierre e de Pandora que balançavam suas cabeças de um lado a outro enquanto cantarolavam alguma música desconhecida - podia ser por conta de suas línguas emboladas ou pelo retardo dos meus sentidos. Na minha frente existia apenas algumas mechas a mais do meu cabelo que haviam se soltado do coque, também podia sentir meus olhos meio caídos e minha boca ressecada. Meus pés sambavam em determinados momentos no salto e aquilo era motivo suficiente para mim gargalhar uma gargalhada meio rouca e embebecida.

-Shii! - Pierre colocou seu dedo contra os lábios e emitiu um som que indicava silêncio ao me fitar firmemente nos olhos semiabertos. -J-já está tarde.

-Acho melhor... nós pararmos - Pandora disse antes de curvar seu corpo para frente e um vômito nojento amarelado escapar de sua boca.

-T-tenho que tirar essas coisas. - Comentei sem ligar muito para o que acabará de ocorrer, apenas apontando para aqueles sapatos que apertavam meus dedos.

Desvencilhei-me dele, sentando no meio-fio e desencaixando os saltos dos meus pés, os enfiando na bolsa.

-Podemos continuar - anunciei já levantada encarando Pierre segurar os cabelos de Pandora enquanto a mesma limpava seus lábios no casaco de pêlos.

-Eu preciso de um café forte e sem açúcar! - Ele falou meio alto enquanto ajudava a outra a se erguer. -N-na sua casa tem, Aurora?

-Tem o quê? - Indaguei ajustando o vestido no meu corpo.

-Café - Pierre repetiu revirando os olhos.

-N-não.

-Vou ter que fazer então. - Ali a conversa se encerrou.

Os passos de nós três não seguiam uma linearidade, minhas pernas pareciam pesar uma tonelada e os muros da rua se tornaram aliados do meu equilíbrio. Uma chuva ácida de pensamentos rudes pairavam sobre minha mente, a noite estava ficando fria e Pandora no seu pior estado havia recorrido aos braços acalorados de Pierre. Aqueles dois corpos juntos cochichavam algo entre si e em meio a distância de um carro entre nós, eu permanecia caminhando com meus braços cruzados e um cigarro se deteriorando no canto dos meus lábios.

-Posso? - Perguntei em algum momento da nossa trajetória a eles com meus braços abertos.

Pandora sem abrir os olhos assentiu com a cabeça e em disparada abracei ambos, deixando um beijinho sobre a testa dela.

O Pierre nos guiou e na nossa jornada jogamos mais algumas palavras fora. Ficamos com cheiro de tabaco e eu só conseguia pensar no quanto estava fedendo a vodca russa.

-H-hoje nós exageramos um pouquinho - Pandora disse encostada na frente do meu prédio segurando a garrafa com água.

-Você acha? - Questionei com apenas uma bituca pressionada com os dedos próxima a boca, mas em seguida me calei como se todas as palavras tivessem desaparecido da minha memória e as letras embaralhadas flutuassem na minha frente, dançando disritimadamente me instigando a caçá-las em meio ao ar.

Eu sempre me arrependia de algo. De algo que fiz ou disse, ou até mesmo pensei. E era difícil conviver com aquilo. Um drama diferente a cada vez que tenho interações mínimas com algum corpo social. Eu podia sentir o silêncio arder na minha pele e me gerar sensações mais sólidas do que o próprio vento, do que o próprio calor do sol ou da própria água morna da pia.

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