Parte 01: Lenitivo

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1.Que suaviza, acalma, adoça, abranda, suaviza ou alivia dores.

Alguns dias mais tarde...

-Até agora não acredito que você trouxe tudo para uma semana dentro de uma mochila! - Comentei fechando a porta atrás de mim e adentrando meu apartamento.

-Eu sou bem prática, você sabe. - Celine respondeu mais a frente observando a sala.

Já estava anoitecendo quando chegamos até o meu prédio, como combinado ela havia comprado uma passagem para cá e aqui estava no fim de semana. Busquei-a no aeroporto com minha scooter que dessa vez não me fez passar vergonha. Depois de um longo voo de vinte horas Celine não queria conhecer nenhum ponto turístico de tão exausta que estava, apenas decidimos que o melhor a se fazer era ir descansar. Eu estava ardendo em felicidade e era bastante evidente, não parava de sorrir um segundo sequer como uma adolescente experimentando o amor juvenil. Não recebi o tão esperado beijo que imaginei quando nos encontramos, Celine olhou-me, sorriu e me abraçou bem forte como da última vez, senti-la nos meus braços era uma sensação mais que maravilhosa, não existe uma palavra no vocabulário humano para esse sentimento.

No caminho enquanto seus arcos estavam enlaçados na minha cintura só consegui pensar "eu te amo tanto", queria ter deixado essas palavras saírem da minha boca, porém poderia estragar aquele momento do vento nos seus cabelos agora grandes, ondulados e de um rosa clarinho que lembra algodão-doce, os olhos abrilhantados pelas luzes dos postes, a cabeça recostada nas minhas costas e o tecido do vestido amarelo pastel voando para perto de mim.

-Gostei, a decoração do seu apartamento é muito bonita. - Celine disse retirando a mochila das costas e a colocando no chão enquanto fitava o ambiente.

-O-obrigada. - Agradeci caminhando ao seu encontro. -Não é nada tão moderno quanto a sua casa, mas é confortável.

-Acho que vou deitar aqui no sofá e descansar um pouco, se não for atrapalhar.

-Claro que não, Celine! Pode dormir na minha cama, não me incomodo de dormir na sala. - Retruquei com uma das minhas mãos sobre o seu ombro. -Me segue!

Caminhei até o corredor guiando-a, abri o limiar e deixei um espaço para que ela pudesse entrar. Celine deu alguns passos tímidos adentrando o cômodo olhando-o de cima para baixo e levando um pequeno susto quando viu Inácio deitado na cama lambendo sua pelagem.

-Caralho, que susto! Quase esqueci que você tem um gato.

Dei uma gargalhada e ela riu baixinho constrangida, meu bichano aparentava nem ter percebido nossa presença, aproximei-me dele e o apanhei.

-Vamos dormir lá no sofá hoje, bolinha de pêlos. - Falei esfregando meu rosto no de Inácio que ronronava manhoso.

-Ele deve ser o melhor companheiro de casa. - Celine insinuou nos olhando e deixando sua mochila num canto.

-Inácio é um amor de gatinho. O encontrei no cemitério no dia do enterro do meu pai.

Instantaneamente aquele momento veio na velocidade da luz na minha cabeça, como se meu cérebro estivesse apresentando a memória em um projetor. Eu estava a mais de uma hora em frente ao túmulo de papai intacta sendo encharcada pela chuva, o velório havia acabado há algum tempo e lá estava eu chorando, foi quando escutei alguns miados vindo da árvore mais próxima. Cheguei mais perto e pude ver um pequeno felino loiro completamente molhado em cima de um galho se tremendo por inteiro. Quem me conhece sabe que nunca tive habilidade com animais, só que naquele dia foi diferente, algo em mim falou mais alto que a tristeza profunda do luto e a irresponsabilidade. Senti que seria útil se ajudasse, senti que pelo menos naquele momento eu tinha uma escolha, senti que pelo menos naquela situação eu tinha o controle.

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