Parte 01: Irregradável

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1.Que não consegue recusar, que não se pode negar; irrefutável ou incontestável.

No final, eu precisava de palavras vazias para ter algo no que acreditar, eu só não queria mesmo a ausência do corpo dela do outro lado da cama. O corpo que agora ressona cansado, adormecido enrolado nos meus lençóis cor carmim. O corpo abençoado de melanina, de cor que contempla a teoria judaíco-cristã de que o ser humano vem do barro. E o rosto desse mesmo corpo permanece tranquilo e quase estático, como uma pintura eternizada no Louvre em Paris. Os cachos emaranhados escorrem pelas suas bochechas e nuca, o pecado se encontra nesse corpo e se eu fosse pelo menos um pouco religiosa me confessaria toda vez, revelando a mesma transgressão, porque o caminho tortuoso das suas pernas me leva sempre ao mesmo destino - e talvez, eu tenha que crer mais no acaso e desfrutar dos deleites deste pecado que é amar você.

O sol já estava para nascer e não, eu não tinha tido culhões suficientes para fazer Celine embarcar naquele táxi. O veículo chegou assim como o esperado e quase como um aviso começou a chover forte, nós descemos as escadas e depois das minhas últimas palavras eu não estava disposta a ceder. Destranquei o limiar principal do prédio e abri passagem para que ela fosse embora sem olhar para trás. Tudo parecia ter chegado ao fim, eu sabia que se continuássemos nós ainda seríamos um segredo e ela sabia disso tanto quanto eu. Não adiantava exigir algo que obviamente Celine não me daria tão cedo, ou até mesmo nunca - mas preferi acreditar que essa palavra era forte demais. Lembro de ouvi-la dizer:

-Estou indo porque você quer que eu vá e não pelo contrário.

A chuva molhava seu corpo e suas malas. Por mais que ela estivesse quase totalmente encharcada e o taxista estivesse esperando sua entrada, nossos olhares não se desvencilharam. Algo em nós não queria que ela fosse.

-Entra! Não posso fazer isso com você...

E foi assim que Celine veio parar no colchão do antigo quarto do meu pai. Ainda como um segredo guardado a sete chaves, não contei para Pandora e nem para Pierre que voltei atrás da minha decisão, não podia fazer isso.

-Eles dois não podem saber. Vão me achar fraca. - Sussurrei jogando os lençóis na sua direção. -Isso vai ter que ficar entre nós.

-Eu já ouvi essa frase em algum lugar... - Celine respondeu baixinho dando uma risada sutil.

-É óbvio que já, você que me disse isso. - Dei uma pequena pausa. -Durma bem, preciso ir, eles estão me esperando.

-Pensei que ficaria comigo.

-Não hoje - lembro de ser a última coisa que disse antes de trancar a porta e ir para o meu quarto.

Assim que cheguei ambos já estavam dormindo, então me espremi num espaço que me coubesse e adormeci vorazmente. Só que quando os primeiros raios de sol surgiram no céu despertei e fiquei agitada, fitando o teto do cômodo e ouvindo Pierre roncar. Momentos mais tarde tomei coragem para invadir de fininho o quarto em que ela estava.

E agora, encostada na porta selada a observo dormir. O tronco subindo e descendo com a sua respiração. A textura aveludada daquela pele. E a sutileza dos seus pequenos cílios imóveis.

-Vai ficar me encarando aí até quando? - Indagou Celine de olhos ainda fechados.

-Caralho! - Faltei pular de susto. -E-eu achei que ainda estivesse descansando.

-É estranho dormir sozinha... - Ela comentou agora me fitando.

-Eu não vou deitar com você, se é isso que quer. - Fui direto ao ponto.

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